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FAUSTO SILVA | AGOSTO, 1989

Playboy Entrevista



Uma conversa franca sobre Pelé, Hebe, Boni, Sílvio e Osmar Santos, piadas, sua timidez, coisas sérias e muita bobagem com o ex-perdido na noite que reina no domingão da Globo


A mãe, dona Cordélia, descendente de uma daquelas famílias quatrocentonas que fizeram a glória de São Paulo, foi professora de inglês e francês. O pai, doutor Maury, um economista respeitado, homem de muitas leituras, teve amizade com figuras como o pintor Cândido Portinari. Logicamente, colocaram os seis filhos nos melhores colégios das várias cidades do interior paulista em que moraram. Com a primorosa educação que lhe deram, o mais velho, único varão, haveria de ser um ilustre advogado, quem sabe um notável juiz de Direito. Ou talvez padre, se essa fosse de fato a vocação do menino, escolha que eles, católicos praticantes, haveriam de abençoar.


Mas o diabo do garoto, que vivia falando besteira pela casa, só gostava de outras coisas: ouvir rádio em ondas curtas, ver televisão, tocar bumbo na fanfarra da escola, jogar futebol, fofocar na porta da farmácia e lambuzar-se de doces na confeitaria. Bem que o pestinha poderia ser um aluno compenetrado, como aquela colega que participava do grupo de teatro do colégio Culto à Ciência, em Campinas — a Regina Duarte. Isso por certo encheria de orgulho os pais e a paraninfa da turma ia ginásio, professora Margô, mãe de uma criança linda — a Maitê Proença.


Paciência, assim é a vida. E deu no que deu: o primogênito de dona Cordélia e do doutor Mattly transformou-se no Faustão, o ex-perdido na noite que é hoje o rei dos domingões da Rede Globo e de seu milionário caminhão, ídolo de safenados e safadinhos, crianças, jovens, idosos e os próprios adultos, graças às simpáticas, divertidas e desconcertantes bobagens que exibe todas as semanas. Aos 39 anos, Fausto Corrêa Silva brilha agora como um dos superastros da TV brasileira.


É um fenômeno, sem dúvida. Com seu Domingão do Faustão, estreado em março último, a Globo não apenas pôde enfrentar e bater a eterna liderança do Programa Sílvio Santos como afinal devolveu aos telespectadores, quase um ano depois da morte de Chacrinha, um pouco do deboche, da anarquia e das palhaçadas que haviam desaparecido junto com o Velho Guerreiro.


E por quê? Simples: porque, no fundo, Faustão é ele mesmo. Ou seja, o moleque que sempre foi. "O humor do Fausto Silva é o humor da criança malcriada que ao mesmo tempo choca as visitas pela irreverência e encanta pela espontaneidade", resume o também humorista Luis Fernando Verissimo. "Lembro que uma vez fui num programa dele no rádio. O caos era tamanho que o difícil foi parar de rir para responder às perguntas."


Ele começou a decolar para o sucesso em 1983, quando assumiu o comando do programa Balancê na Rádio Excelsior de São Paulo, de segunda a sexta-feira, entre meio-dia e 2 da tarde. Era um horário considerado sério, com debates e reportagens. O apresentador Juarez Soares, atual secretário de Esportes na administração petisca da Prefeitura paulistana, não estava preocupado com os risos dos ouvintes. Nas mãos roliças e na voz de metralhadora de Fausto, o Balancê virou um irreverente show de auditório. Foi o embrião do seu Perdidos na Noite. Um festival de variedades, música e baixarias, como ele diz, Perdidos seria, de 1984 a 1988, a grande atração dos fins de sábado nas TVs Record e Bandeirantes, após uma pequena passagem pela TV Gazeta.


Diante do êxito, Fausto decidiu encerrar uma longa carreira de repórter esportivo, iniciada em 1972 na Rádio Jovem Pan. "Ele não era um repórter de fazer perguntas profundas", lembra o narrador Osmar Santos, seu chefe de equipe na Pan e na Globo/Excelsior. "Mas tinha muita irreverência e alegria, o que combinava com meu estilo de transmissão." Em dobradinha com Osmar, trabalhou na cobertura de duas Copas do Mundo, a de 1978, na Argentina, e a de 1982, na Espanha. Era uma das presenças mais esperadas nos treinamentos da Seleção Brasileira, com suas piadas e os apelidos que criava para os jogadores.


Naquela época, já cultivava três prazeres que não abandonou: roupas, carros e restaurantes. A diferença é que vestia uma camisa comprada em lojas de amigos, entrava na sua Brasília — verdade que zero quilômetro e equipadíssima — e ia jantar no Boi na Brasa, uma churrascaria da Boca do Lixo de São Paulo. Hoje em dia, trajado com grifes caras, ouve CDs na sua van Brasinca, dirigida pelo motorista e secretário Ricardo Soares, a caminho de seus banquetes noturnas no Antiquarius e no Massimo. Em vez de radialistas ou técnicos de futebol, divide a mesa com sua segunda mulher, a bela modelo e atriz Magda Collares, de 23 anos, com quem se casou no verão passado.


Não bebe, jamais fumou e deixou de roer unhas há um ano. "Minha única droga é este programa que eu faço", diz ele. Por ser abstêmio, acha que andou ofendendo alguns maitres e anfitriões, como aconteceu no Lido de Paris. Entrou com um casaco de couro argentino ("de lapela largona", descreve) e uma gravata emprestada pelo ex-goleiro Leão, um dos muitos jogadores que se tornaram seus amigos. Quando o garçom ia lhe servir champanhe nacional, pediu uma Coca-Cola. "Foi a maior agressão ao povo francês em todos os tempos", acredita.


Se não bebe, come. E come tão bem que é arriscado precisar seu peso. Com 1,87 metro de altura, chegou a ter assustadores 155 quilos. Ajudado pelo médico Antônio Mauro Martins, que orientou um dos regimes de emagrecimento da cantora Fafá de Belém, promete não repetir a façanha. Não se pode ter certeza. No início desta entrevista a PLAYBOY — concedida ao diretor-adjunto Carlos Maranhão —, Faustão pesava 125 quilos, "incluindo as lentes de contato". No final, duas semanas e meia mais tarde, estava com 130. "A partir de agora irei me controlar", jurou. "Do contrário não vou caber nestas páginas de PLAYBOY."


PLAYBOY — Você fica fazendo piadinha o dia inteiro?


FAUSTO SILVA — Fico. Já acordo de bom humor.


PLAYBOY — Não poupa ninguém?


FAUSTO — É só passar na minha frente. Crio apelido para qualquer um. Outro dia, vendo nosso poderoso vice-presidente Boni todo de preto, não resisti: "Fala, manequim de funerária". Ele soltou um palavrão e riu.


"Quando encontrei nosso poderoso vice-presidente Boni todo de preto, não resisti: 'Fala, manequim de funerária'. Ele riu"

PLAYBOY — Com o doutor Roberto Marinho você ainda não se engraçou, certamente. Ou já?


FAUSTO — Corre uma história aí nos corredores, mas é mentira.


PLAYBOY — Que história?


FAUSTO — A primeira parte é verdadeira. Quando assinei contrato com a Globo, ele quis me conhecer. Afinal, eu iria estrear um programa novo e ao vivo na emissora dele. O Boni me levou ao gabinete do homem. Conversamos uma meia hora e fiquei impressionado com sua vitalidade, aos 84 anos. Falei para ele que essa questão de palavrão depende de cada época, pois hoje em dia "pentelho" e "bicha" são ditos em qualquer família de respeito. "Pentelho", por exemplo, não é o que ele poderia pensar e sim um sinônimo de cara chato, inconveniente. A partir daí, inventaram uma piada.


PLAYBOY — Qual é?


FAUSTO — "Ah, 'pentelho' significa um sujeito inconveniente, cricri?", ele teria me perguntado. "Exatamente, doutor Roberto", respondi. "Então você é um pentelho", concluiu. E eu: "Não, pentelho é o senhor".

PLAYBOY — Você foi sempre assim?


FAUSTO — Desde criança. Nem sei como tudo começou. Uma vez o Luciano do Valle, da TV Bandeirantes, quis saber se esse humor permanente era fruto de minha alegria constante ou uma válvula de escape para a irritação. Serve para as duas coisas. A diferença é que quando estou de saco cheio, durante 10% de meu tempo, as piadas tornam-se mais ácidas e críticas.


PLAYBOY — Seria uma forma de autodefesa?


FAUSTO— Bem... Isso aconteceu, sim. O gordo, o baixinho e o careca são os alvos preferidos das gozações de qualquer grupo. Gordo quieto é vítima certa. Para nós, o ataque é a melhor defesa. Nas viagens com a Seleção Brasileira, trabalhando como repórter esportivo, eu era pentelhado pelos jogadores desde aquela excursão em que o Toninho Cerezo gastou 100 dólares para fazer o cachorro latir.


PLAYBOY — Como foi?


FAUSTO — Em 1978, o Cerezo, que jogava no Atlético Mineiro, ligou de Hamburgo, na Alemanha, para a casa da mãe, em Belo Horizonte. Perguntou por todos da família e pediu notícias de seu cachorro. Estava tudo bem, respondeu a mãe, ele que não se preocupasse. Aí o Cerezo mandou chamar o cachorro, saudoso do bicho. "Dá um latido!", ordenou. E ficou esperando uns 15 minutos, até ouvir o au-au do outro lado da linha. A ligação custou 100 dólares. Eta latido caro! Pois naquela viagem, como alguns jogadores me chamavam de Dumbo, passei a botar apelidos neles também.


PLAYBOY — Quais eram os mais engraçados?


FAUSTO — Os da Copa do Mundo de 1982. Copa do Mundo é um período muito tenso, tanto para os jogadores como para os repórteres. As brincadeiras aliviavam o clima. Para me vingar do Sócrates, que me chamava de Capitão Gay, um personagem do Jô Soares na época, passei a tratá-lo de Frankenstein. O goleiro Waldir Peres, por ser careca, virou ...E o Vento Levou. O Júnior, em função daquela cabeleira, era Cotonete de Orelhão. Mas o melhor apelido foi o do Zico, inspirado em seu tamanho: Borracheiro de Autorama.


PLAYBOY — Esse tipo de intimidade não atrapalhava sua independência profissional?


FAUSTO — Eu não misturava. Embora brincasse com os jogadores e saísse com eles, não deixava de criticá-los. Apesar disso, fui amigo de muitos deles. Com o Falcão, para começar, eu me dou desde 1972, quando ele foi a São Paulo participar de um campeonato juvenil. Eu o levava à fábrica de camisas Nelves, de outro amigo meu, o Nélson Luís da Silva. O interesse dele pela moda veio daí. Pensando bem, o Falcão precisava mesmo daquela mãozinha.


PLAYBOY — Por quê?


FAUSTO — Ele não era essa elegância de hoje, não. Não combinava direito o que vestia. Parecia porta de tinturaria: cada peça de roupa era de uma cor. Além do Falcão, fui amigo de Waldir Peres, do Sócrates, do Palhinha, dos palmeirenses Leão, Jorginho e Ivo, e de vários técnicos e preparadores físicos. Disso eu tenho saudade. Do futebol, eu me afastei. Eu não agüentava mais ver bola pela frente. Para dar uma idéia, em 1977, quando o Corinthians voltou a ser campeão paulista, trabalhei em 136 partidas. Parei em janeiro de 1984, às vésperas de iniciar meu programa Perdidos na Noite, e nunca mais fui a um estádio.


PLAYBOY — Desencantou-se?


FAUSTO — No meu caso, houve uma mudança de atividade. Mas eu tenho uma tese sobre futebol. Apesar de eternamente desorganizado, ele atraía multidões por dois motivos. Primeiro, a mulher ainda não tinha ocupado seu espaço na sociedade. Ou não ocupava na escala atual. Ela servia o almoço de domingo, lavava a louça e ficava assistindo ao Sílvio Santos, enquanto o marido ia para o estádio. Isso mudou. Hoje, a mulher não quer cozinhar no fim de semana. A família vai comer fora e há mais gente com automóvel, o que ampliou as opções de lazer. O segundo motivo é que o futebol brasileiro era muito bom dentro de campo, mas a incompetência dos dirigentes foi tanta, com sua falta de visão e credibilidade, que o nível dos espetáculos caiu. Tornou-se muito ruim. E as pessoas se afastaram.


PLAYBOY — Você disse que no domingo as donas de casa ficavam vendo o programa do Sílvio Santos. Com o seu Domingão do Faustão, a Globo começou a vencê-lo em audiência num horário em que era derrotada há muitos anos. Você acreditava que isso ocorreria tão rápido?


FAUSTO — Era o objetivo de uma corrida de fundo. Eu tenho o maior respeito pelo Sílvio. É um mestre no palco. Você pode não gostar dele ou de seu programa, mas não pode negar sua competência. Ele é um avião, um fenômeno que não se explica.


PLAYBOY — Sim, mas você esperava vencê-lo logo de cara ou não?


FAUSTO — Só se eu fosse um idiota. Esperava coisa nenhuma. Roubar a audiência de quem está no horário há uns 20 anos e tem um público cativo... seria muita pretensão. O que nós queríamos não era isso, não.


PLAYBOY — Era o quê?


FAUSTO — Estava claro para mim, e para a Globo naturalmente, que havia um público muito grande com a TV desligada. Fomos em cima desse público. Mas vamos com calma. Quando o leitor estiver lendo esta entrevista, posso ter caído. Por que não? Eu não me iludo. Aprendi o seguinte com o futebol: entre a glória e o fracasso, há uma distância pequena. Ou seja, cada jogo tem uma história, em cada campeonato começa tudo outra vez. O que não quer dizer que eu não esteja satisfeito com nossa arrancada. No domingo à tarde, com aqueles filmes americanos, a Globo dava de 15 a 20 pontos no Ibope. Já tivemos piques de 45, 46, 47 pontos. É quase metade da população brasileira! De qualquer forma, existe um outro negócio que aprendi aqui dentro.


PLAYBOY — O que foi?


FAUSTO — Como costuma dizer o Boni, "o importante é a primeira batida no prego". Se começar bem, vai em frente. Acredito nisso. Aliás, com todos os defeitos que possa ter, o Boni está anos e anos na frente dos outros. Se fosse do INPS, acabava com a fila em 5 minutos. "Você tem asma? Por aqui. Fimose? Naquela porta. Cirurgia no pé? Segundo guichê." Resolve tudo num instantinho e, como eu, é rápido até para falar. Faz reunião em pé e toma a decisão na hora, sem sofrer. Nem precisa sentar. Claro, se for para conversar papo-furado, tudo bem. Você vai na casa dele, come churrasco, toma vinho, esquece a vida... Só que eu não bebo. O Boni que me perdoe. Troco aquela fantástica adega dele por um bom engradado de Coca-Cola. Para mim, o importante é que, na hora de resolver, ele resolve.


PLAYBOY — Você está satisfeito com o Domingão?


FAUSTO — Não. Está dando audiência, sendo elogiado, repercute, fatura, mas acho que deveria ser muito melhor. Ainda falta caminhar bastante, sobretudo na parte visual.


PLAYBOY — De onde veio a idéia de fazê-lo?


FAUSTO — Costumo dizer que, se eu tivesse uma idéia totalmente original e fantástica em matéria de televisão, iria vender o projeto para qualquer rede americana. Ganharia uma porrada de dinheiro em dólar. Qualquer programa de variedades, aqui, na Tailândia ou em Santa Cruz de la Sierra, tem o quê? Música, entrevista, humor, competições, brincadeiras, jogos. O que não temos? Calouro, júri, bailarina, debate, clips. Em compensação, o programa é ao vivo, salvo a parte gravada dos jogos, tem pique, agilidade e um contraste musical muito grande: entra o gaúcho da fronteira, o nordestino, o chamado brega, o chamado classe A, a dupla country Feio e Mau, a Cremilda, o Genival Lacerda... Enfim, é um retrato do. país. E não podemos esquecer do "Caminhão do Faustão".


PLAYBOY — Passou pela sua cabeça que esse quadro faria tamanho sucesso?


FAUSTO — Nem de longe. Foi uma idéia minha, inspirada num velho programa de rádio chamado A Felicidade Bate à Sua Porta, que existia no Rio de Janeiro e em São Paulo. O apresentador ia a um determinado bairro e escolhia uma casa. Se estivesse sintonizado no programa, o dono ganharia um prêmio. A filosofia é a mesma, lógico que adaptada para a televisão. Como é que eu podia esperar um retorno tão grande? No dia em que o "Caminhão" foi para Belo Horizonte, mandaram 12 milhões de cartas, quase seis vezes a população da cidade. A correspondência pesou 60 toneladas! Pelo que me informaram, a cada "Caminhão" o faturamento do Correio aumentou em cerca de 400.000 dólares, ao câmbio oficial. Depois, toda a papelada das cartas passa por um reprocessamento industrial, com a renda sendo revertida para instituições de caridade. Apenas em São Bernardo do Campo, através desse sistema, doamos o equivalente a 26.000 dólares. E os prêmios são bons. Dão esperanças e fazem a alegria de pessoas humildes.


PLAYBOY — Não é demagogia?


FAUSTO — Eu não faço ninguém chorar e não apelo.


PLAYBOY — Você ainda não respondeu: como nasceu o Domingão do Faustão?


FAUSTO — Em quatro almoços com o Daniel Filho, diretor da Central Globo de Produções, no próprio restaurante da emissora. O Boni estava de férias em Ibiza, na Espanha, e foi alcançado por telefone, várias vezes, para o acerto de detalhes. Houve uma coincidência de parte a parte. A Globo queria me contratar e eu já chegara à conclusão de que estava na hora de parar com o Perdidos na Noite.


PLAYBOY — Cansaço?


FAUSTO — É. O programa tivera seu ciclo, de 1984 a 1988, primeiro na TV Record, depois na TV Bandeirantes. Ele ocupou um horário muito triste da televisão, o sábado à noite. É só filme. Se alguém quiser aproveitar... Enquanto durou, mais do que ser bom, ruim, engraçado ou não, foi autêntico. Mostrava a cara do Brasil. Tinha humor, sátira, gozações, todos os gêneros musicais. Foi o primeiro a fazer a antitelevisão, a falar dos concorrentes. Hoje é comum, mas sou o pioneiro. Até anunciava: "Olha, na Globo agora está passando tal filme. Depois não reclamem que não avisei". E sem falar do público, em média 1.500 pessoas no auditório, com faixas, cartazes e uma intensa participação. Lembro de uma frase do Flávio Cavalcanti: "Olha, Fausto, em 28 anos de televisão eu nunca vi um auditório como esse". O fato é que, ao fim de quase cinco anos, eu senti vontade de mudar. Posso não fazer nada bem, mas não encho o saco dos outros por muito tempo.


"Flávio Cavalcanti me disse ao ir no Perdidos: 'Em 28 anos de TV, eu nunca vi um auditório como esse'"

PLAYBOY — O que a Globo esperava de você?


FAUSTO — O Boni e o Daniel me perguntaram o que eu gostaria de fazer. Respondi que pensava num programa domingo à tarde, revivendo um pouco o clima da Jovem Guarda, ao vivo, com o pique e a agilidade do rádio. "Está batendo com o que a gente quer", disse o Daniel. "Queremos o Fausto para fazer um programa com a cara dele aqui na Globo. Do jeito que você é."


PLAYBOY — Você não tinha medo que o pasteurizassem?


FAUSTO — É sempre a mesma história: você vai ver só o Fausto na Globo não será o mesmo, a Globo irá se impor, não poderá falar isso, não poderá falar aquilo... Porra, até palavrão eu falo! Ah, como é que ia ser, eu que vivia brincando com a falta de recursos? Pois passei a brincar com o excesso de recursos. Logo de saída, diante daqueles cenário, eu falei ao vivo: "Ih, se néon desse audiência, porta de padaria estava assim de gente". Continuo sendo eu mesmo. Aí vieram com a outra lenga-lenga, que a Globo é isso, que é aquilo.


PLAYBOY — Poderia explicar melhor?


FAUSTO — Tem gente que quer que a Globo faça programas "culturais", "eruditos", num país em que 68% da população não tem o 1.º grau, com graves problemas de saúde, com milhões de pessoas passando fome. Somos do Terceiro Mundo, pombas! Oitava economia ocidental? Mas com uma das piores distribuições de renda do planeta! Apesar de tudo, nossa televisão é muito boa. Como são a publicidade e a imprensa. Basta atravessar a fronteira, indo digamos à Argentina, para se ver a diferença gritante nessas três áreas. Não dá para comparar. Nem por isso alguém vai fazer uma televisão desligada dos interesses e da compreensão do público. Ninguém iria assistir. E veja bem: difícil, num país como o nosso, é fazer humor.


PLAYBOY — Por quê?


FAUSTO — Eu tenho a maior admiração por profissionais como Agildo Ribeiro, Ary Toledo, Jô Soares, Renato Aragão, Chico Anysio, Golias, João Cléber. Admiração e um tremendo respeito, porque é fogo fazer o brasileiro rir. Fácil é fazer rir o americano. Eu entro em qualquer loja dos Estados Unidos, com meu inglês de Tarzã — me Tarzan, you Jane —, e levo os caras a dar risadas. Por quê? É que lá eles têm outra qualidade de vida. Saem do trabalho às 5 da tarde, vão para o happy-hour e aí é que chegam em casa. Rico ri à toa. É outro mundo. Eles têm problemas? Têm. Mas numa dimensão diferente. Está certo, somos um país com um imenso potencial, com nossas extraordinárias riquezas minerais, um meio ambiente que devemos preservar... Maravilha! Só que a qualidade de vida é uma droga, a insatisfação é cada vez maior. Como fazer o povo rir apesar de tudo isso?


PLAYBOY — Qual é a sua receita?


FAUSTO — Para falar a verdade, não sou humorista. Sou uma mistura de humorista, apresentador, repórter. Limito-me a contar piadas naturalmente, do jeito que sou. Não interpreto. Embora improvise quase tudo, recebo a ajuda de dois redatores. São os jornalistas Fran Augusti e Carlinhos Brickman, que trabalham comigo há vários anos. O Carlinhos, por sinal, está licenciado: neste momento, assessora a campanha do Paulo Maluf. Com a colaboração deles, acumulei uma coleção de historinhas engraçadas. São em geral de futebol, rádio e televisão. Costumo contá-las em shows e convenções que apresento três ou quatro vezes por mês.


PLAYBOY — Que histórias fazem mais sucesso?


FAUSTO — Na última Copa do Mundo, o goleiro Bento, de Portugal, quebrou a perna. Por pouco não foi sacrificado no vestiário. Aí fui entrevistá-lo: "Você está fora da Copa do Mundo. Acha que vai fazer falta?" E o gajo: "Raios, como é que vou fazer falta se não vou jogar?" Esta é uma delas. Tem a do craque do Náutico, do Recife, que ganhou um Motoradio como prêmio e declarou ao nosso microfone: "Muito obrigado. Darei o rádio para meu tio e ficarei com a moto". E o locutor de uma emissora de Teresina anunciando a hora certa: "Na capital piauiense, falta xis para vi". Eram 10 para as 6 no relógio com mostrador de números romanos. Nas convenções de empresa, eu logo pergunto para alguém da platéia: "Meu amigo, você já viu corrida de homem pelado?" "Não." "Então chega cedo em casa." Nessa todos caem.


"Eu pergunto: já viu corrida de homem pelado? Não? Então chega mais cedo em casa'. Nos meus shows, todos caem nessa"

PLAYBOY — Vamos falar um pouco de você. Sua vida deve ter mudado bastante depois que você foi para a Globo, não?


FAUSTO — As grandes mudanças, para mim, ocorreram entre 1984 e 1985. Primeiro, separei-me ao fim de um casamento que havia durado dez anos. Com isso, fui morar sozinho pela primeira vez. Eu nasci em São Paulo, mas passei a infância e a adolescência em Tatuí, Porto Ferreira, Araras e Campinas, no interior do Estado. Meu pai, que é economista, e minha mãe, professora, ambos funcionários públicos, eram periodicamente transferidos, e lá íamos eu e minhas cinco irmãs mais novas. Quando fui trabalhar na Rádio Record, em São Paulo, em 1970, apresentado pelo Blota Júnior, amigo da família, mudei-me para um hotel 5 estrelas: a fantástica casa de minha avó Leonor, atrás do Parque da Aclimação. Imagine minhas mordomias, como neto mais velho, afilhado, com o mesmo nome e a mesma cara de meu falecido avô. Vó Leonor, que morreu em 1986, foi muito importante para mim. Depois de meu pai e minha mãe... Não, acho que eu gostava tanto dela, de uma forma diferente, quanto gosto de meus pais. Bem, eu estava dizendo que me separei e fui morar sozinho. Em seguida, houve uma terceira mudança.


PLAYBOY — Qual?


FAUSTO — Resolvi me dedicar exclusivamente ao Perdidos na Noite. Para isso, deixei quatro empregos de jornalista que tinha na ocasião: apresentador do Balancê, na Rádio Excelsior, e repórter da Rádio Globo, do programa Desafio ao Galo, na TV Record, e do jornal O Estado de S. Paulo. Era uma pedreira!


PLAYBOY — Como você conciliava?


FAUSTO — Trabalhava de manhã à noite. E ainda tive um período no Bom-Dia, São Paulo, da TV Globo, o que me obrigava a acordar às 4 da madrugada. Era mole?


PLAYBOY — Mas, como repórter de futebol, você não aproveitava a mesma entrevista nas rádios e no jornal?


FAUSTO — Sem dúvida. Não havia como fugir. Eu era uma agência de notícias. Nem tanto como o Reali Júnior, que hoje está em Paris. Houve uma época em que ele escrevia para cinco jornais, cada um com uma linha diferente, e dava um jeito de aproveitar a mesma entrevista em todos eles.


PLAYBOY — Você ficava satisfeito com o resultado de seu trabalho?


FAUSTO — Com meu bons relacionamento dentro do futebol, eu conseguia muita notícia importante. Meu texto era arroz com feijão, apesar de ter feito alguns perfis de jogadores que o pessoal do Estadão adorou. Creio que sempre fui muito mais um homem de rádio e televisão do que de jornal.


PLAYBOY — Encerrado esse ciclo, como você contou, sua vida sofreu uma bela guinada. Queríamos, contudo, insistir num ponto: essas mudanças não foram ainda maiores com sua transferência para a Rede Globo?


FAUSTO — Claro, eu troquei de emissora, de programa e de horário... No duro, ainda não parei para refletir sobre esse negócio, sabe?


PLAYBOY — Seu ibope pessoal certamente aumentou bastante, não?


FAUSTO — Há muito mais assédio, sim. Só aqui de dentro é que a gente vê o verdadeiro calibre do canhão da Globo. De qualquer modo, o assédio sempre existiu. Certa vez, o Paulo Autran me falou sobre isso. Antes de fazer novela, as pessoas dirigiam-se a ele com uma distância respeitosa. Era o grande Paulo Autran, senhor dos palcos. Depois da novela, vêm tapas nas costas, abraços, se bobeia passam a mão na bunda. "No seu caso, Fausto", disse ele, "deve ser muito pior." Lógico, sempre fui eu mesmo na televisão, sempre fui escrachado.


PLAYBOY — Como você lida com essa situação?


FAUSTO — Com toda sinceridade? Se eu não gostasse disso, seria guarda-noturno. Afinal, o guarda-noturno só precisa conversar com o ladrão. Eu sou muito bem tratado pela imensa maioria dos fãs. Quando as crianças chegam em mim, já vou falando: "Pô, você está muito abatido. Pára de estudar um pouco este ano". Depois eu despacho: "Adoro criança. Adoro criança quando está dormindo, pentelho! Agora, meu filho, desgruda, vá encher o saco do teu pai e pede para ele te mandar para a Disney".


PLAYBOY — E com os adultos, como é?


FAUSTO — Fico louco com uma minoria, uns 10%, gente que quer forçar intimidade. Outra noite eu estava no restaurante Massimo, em São Paulo, conversando perto do caixa com o dono, Massimo Ferrari. Quando tenho vontade de fazer terapia, vou lá ou nas lojas de uns amigos. Para eles, a vida é um comercial de cigarros Hollywood: só emoções, nenhum problema, tudo sempre bem. São lugares ótimos para se ouvir abobrinhas e zerar o QI. Naquela noite, entra um casal aí perto dos 50 anos, dois filhos. Ele, bem o tipo novo-rico, olha para mim e diz em voz alta: "Qualquer um pode entrar aqui agora?" Respondi em cima: "Hoje pode. O senhor senta naquela mesa". Esses pentelhos fazem parte do jogo, mas com eles eu tenho que sacar na hora e atirar. E o chato da mesa, então? Puxa a cadeira e vai sentando. Alguns insistem em me convidar para festas, inaugurações. Eu agradeço: "Não poderei atender devido a compromissos assumidos posteriormente". Pior é o chato do avião.


PLAYBOY — O que ele faz?


FAUSTO — Em quase toda a viagem encontro um pentelho do mesmo tipo: "Ei, Fausto, conta uma piada". Quer dizer, se é o Roberto Carlos, pede para cantar um música; se for a Luiza Brunet, vai exigir que tire a roupa.


PLAYBOY — Como você responde?


FAUSTO — "Uma piada? Olha no espelho." Existem também os tímidos, que ficam rodeando, sem coragem de se aproximar. Eu chamo e deixo à vontade, pois sei de várias pessoas que encontraram seus ídolos, levaram coice e se decepcionaram. Do mesmo modo, trato com o maior respeito artistas que são tímidos, como Ney Matogrosso, Marina, Joanna. Não posso tratá-los como o pessoal do Ultraje a Rigor ou do Paralamas do Sucesso, que reagem bem e estão acostumados a essa zona mesmo.


PLAYBOY — Como assim?


FAUSTO — Seria sacanagem, covardia até, se eu usasse contra eles recursos como agilidade, raciocínio rápido, jogo de cintura, meu controle diante de um microfone e de uma câmara contra pessoas que não poderiam devolver a brincadeira. Eu iria humilhá-los. Respeito esses artistas, como respeito os fãs, com aquelas exceções. Sigo as lições de uns mestre.


PLAYBOY — Quem?


FAUSTO — Pelé. O Pelé sempre teve consciência exata do papel do fã. Trata todo mundo legal, é paciente, atencioso. Sem esquecer o Zico. E veja quanta injustiça. Pelé foi acusado de demagogo quando dedicou seu milésimo gol às crianças pobres do Brasil. Dia 19 de novembro, o gol completará 20 anos. Espero que a imprensa não deixe de lembrar. E o que ele fez? Chamou a atenção para o problema do menor carente. Vinte anos depois, o que mudou? A prova de que nada mudou são nossos altos índices de criminalidade. E o que ele quis dizer quando falou que o brasileiro não sabia votar? Que o eleitor deveria ser suficientemente informado para ir à urna. E é? Tenho a maior admiração pelo Pelé, não como analista político, mas como o atleta do século e como o profissional que ensinou a todos nós, artistas, a tratar o público com o maior respeito. Ainda mais no meu caso, que sou tímido.


PLAYBOY — Tímido?


FAUSTO — Não parece, mas sou. Existe aquele lado da autodefesa do gordo, sobre o qual já falamos. Além disso, não gosto de bancar o arroz-de-festa. Ainda mais nessas festas de grã-fino, em que convidam você para ficar como atração, como bibelô em casa de bruxa, bobo da corte, batendo palmas para cego. Você passa 5 horas lá dentro ouvindo besteira. Tente editar a conversa, como se fosse resumir o texto por escrito. Sobram as seguintes palavras: sucesso, parabéns, boa noite, a gente se vê, fique em contato. Não dá uma legenda de foto. Definitivamente, não gosto de badalações.


PLAYBOY — Essa atitude não chega a ser uma prova de timidez. Como ela se manifesta, concretamente?


FAUSTO — Sempre fui brincalhão e piadista, em cada etapa da vida. Foram muitas. Garoto, eu queria ser padre. Imaginou o padre Faustão? Ia acabar com a Igreja Católica. Achava lindo, no meu tempo de compenetrado coroinha dos padres salesianos: recolhia e contava a esmola, tocava o sino às 6 da tarde, ajudava a missa metido naquela batina. Mais tarde, sonhei em ser motorista de caminhão, boiadeiro, jogador de futebol, advogado, juiz de Direito — e repórter de rádio. Mas o que esteve sempre presente? A vontade de ficar na minha. Sou tímido nesse sentido, pois jamais fui um retraído, com dificuldade para falar. O que eu acho é que minha agilidade mental, o tiro rápido, o costume de falar besteira sem parar... bem, tudo isso esconde minha timidez.


"Minha agilidade mental, o tiro rápido, o costume de falar besteira sem parar... bem, tudo isso esconde minha timidez"

PLAYBOY — Embora também pareça surpreendente, você ri pouco.


FAUSTO — É verdade. Conto piada sem rir. Ninguém me vê dando gargalhadas. Nem quando fotógrafo pede. Não visto fantasia nem ponho máscara.


PLAYBOY — Qual seria a explicação?


FAUSTO — Não sei. Do mesmo jeito, ninguém me imagina chorando. Engraçado, me lembrei agora da Hebe Camargo.


PLAYBOY — O que tem a Hebe?


FAUSTO — É amiga minha. Ela, a Nair Belo e dona Rosinha, mulher do empresário Bernardo Goldfarb, formam o trio mais fantástico, mais palhaço, que já conheci. O problema é quando algum conhecido morre: em vez de chorar, elas ficam dando risada no canto do velório. A Hebe, uma mulher superemotiva, consegue rir em momentos difíceis.


PLAYBOY — Você chora?


FAUSTO — Eu me emociono. Fiquei emocionado com as imagens do massacre em Pequim. A miséria me comove, principalmente de criança. Chorar... olha, sofri demais com a morte de minha avó Leonor. Foi duro. Sempre fui muito ligado a ela, aos avôs, às tias. De certo vem daí o enorme respeito que sinto pelos mais velhos. Com pessoas de certa idade eu não brinco. Não sou irreverente com eles; sou reverente. Curioso: o velho e a criança, os dois extremos mais agredidos da nossa sociedade, formam justamente a maioria do meu público. É um público carente, família, ao qual dou todas as minhas atenções. Por quê? Talvez porque um tenha perdido o senso do ridículo, enquanto o outro não sabe o que é isso. "Você fala muita coisa que a gente gostaria de falar", me disse certa vez uma senhora. E não vou esquecer o que ouvi de uma telespectadora de 70 anos: "Eu te vejo como o neto mais velho que vem me visitar domingo à tarde. É como se ele ficasse dizendo palavrões e bobagens pela casa". Acho que a explicação é essa. Eu sou eu mesmo.


PLAYBOY — Você está dizendo que não interpreta um personagem?


FAUSTO — Sim, eu sou autêntico, não faço hipocrisia. De repente, anuncio no ar: "É hora do merchandising, mostra aqui que o cliente está pagando". Isso as pessoas aceitam. O que elas não aceitam é a empulhação. Num dos primeiros programas da Globo, um camarada da produção dirigiu-se ao auditório para que o público risse. Resolvi mostrar: "Vejam como a televisão é falsa, o riso é falso, as palmas são falsas..." Não se engana mais o povo, que foi tão iludido, tão sacaneado nesses anos todos. Então, penso que, se tenho um segredo, uma fórmula, é ser autêntico, não mudar meu comportamento.


PLAYBOY — Neste caso, se de fato não mudou, você deve continuar um gastador, não?


FAUSTO — Sempre fui. Sou contra os que vivem como pobres e morrem como ricos. Vim de uma família de classe média alta, vivia de mesada, estudei em bons colégios, ganhei meu primeiro carro quando tinha 18 anos. Não posso ser demagogo e contar aquela história de que eu saí de um ambiente de pobreza e passei fome antes de vencer na vida. Além do mais, nunca fui de grandes investimentos, de formar um patrimônio para os filhos, mesmo porque não tenho filhos.


PLAYBOY— Por que não?


FAUSTO — Nada premeditado no primeiro casamento. E agora, com a Magda, estamos praticando ainda.


PLAYBOY — Logicamente, você não consegue torrar tudo o que ganha...


FAUSTO — Claro que não. Mas não tenho essa fixação de casa com piscina, barco... Adoro barco de amigo. Vou lá, passeio e depois ele limpa. Já casa com piscina é um pé no saco. Sei bem como é. Os pentelhos aparecem às 10 da manhã, ficam para almoçar, dormem no sofá e saem às 7 da noite, isso quando não esperam os gols do Esporte Espetacular. Apartamento no exterior... Mais uma bobagem. Bom é ficar no hotel, sem encheções.


PLAYBOY — De carro você gosta, não é?


FAUSTO — Numa fase. Vivia trocando, adorava carrão equipado. Hoje não.


PLAYBOY — Mas você não acabou de vender um van Brasinca com 14.000 quilômetros e comprou outro novinho?


FAUSTO — Eu já estava com ele há um ano. Antigamente, eu ficava com um carro um mês e pouco. Chegava a trocar oito, nove, dez carros por ano. Os amigos brincavam que, quando eu era pequeno, não ganhei de meu pai um postinho de gasolina e por isso, depois de grande, compensei a frustração brincando com automóvel de verdade. Hoje em dia eu tenho essa Brasinca Andaluz no Rio e um Santana em São Paulo.


"Diziam que eu trocava de carro dez vezes por ano porque, na infância, não ganhei postinho de gasolina do meu pai"

PLAYBOY — E roupas?


FAUSTO — Minhas calças são feitas na Fideli, número 52, SE: superenorme. As camisas eu às vezes ganho. Olha aí, até que não gasto tanto. Para ir a teatro e shows, recebo convite. Vou a restaurantes caros, está certo. Mas, como não bebo, fica mais barato. Tem gente que coleciona relógio. Eu tenho dois: este aqui, que comprei na Nathan, e o Rolex que ganhei de minha avó. Não tenho nem caneta. Uso Bic.


PLAYBOY — Em compensação, você não viaja bastante?


FAUSTO — Vou muito a Miami. Só na Disneyworld estive oito ou nove vezes. Que higiene mental! Aquilo é diversão para adulto, não para criança. Já fui em todas as épocas. A pior é julho. Tem gurizada que não acaba mais. Nunca levei tanto tapa nas costas. Em Miami, Magda e eu fazemos comerciais para duas lojas de brasileiros, a Amec Center e a Carol Shop. Acho um barato ir para lá.


PLAYBOY— Além dessas viagens e dos restaurantes, quais são seus divertimentos?


FAUSTO — A cinema não vou. Vejo muito vídeo. Ouço desde música clássica ligeira até canções sertanejas. A peça Meno Male, com o Juca de Oliveira, vi três vezes. O último show do Jô Soares eu vi duas. Não perco peça do Raul Cortês. Vejo muita TV: telejornais, Jô, Amauri Júnior, Bolinha...


PLAYBOY — Bolinha?


FAUSTO — Por que não? Todos os gêneros musicais estão lá. Preciso estar informado. Acompanho o Gugu, a Hebe, e dou uma sapeada nas transmissões de futebol, boxe e automobilismo.


PLAYBOY — Você lê?


FAUSTO — Adoro revistas, de PLAYBOY e Veja a Placar e Contigo. Devo ser o maior cliente individual da Editora Abril. Leio também cinco jornais por dia. Quando estudante, li Machado de Assis, Graciliano Ramos, Eça de Queirós, Euclides da Cunha, mas o hábito não ficou. Ao contrário de meus pais, eu leio poucos livros. É uma deficiência que eu tenho. Houve, porém, um que me marcou: Aos Olhos da Multidão, uma coletânea de textos jornalísticos do americano Gay Talese que influenciou minha geração profissional. Aprendi muita coisa ali em meu tempo de repórter.


PLAYBOY — Agora você está em outra. Já ficou rico?


FAUSTO — Não, pelo contrário.


PLAYBOY — Como pelo contrário?


FAUSTO — Olha, eu ganho bem, desfruto um bom padrão de vida, mas tenho apenas um sítio em Batatais, no interior paulista, e um apartamento no Rio. Recebo menos do que se imagina. Há muito chute nessa área. Tenho na Globo salário e participação, e faço meus shows, comerciais... Não adianta. Não vou falar de grana. Números, não.


PLAYBOY — Ainda não tínhamos perguntado...


FAUSTO — Mulher, dinheiro e hemorróida, quem tem não diz. É um velho ditado do interior. Não falo. E não mostro minha vida particular. Ninguém entra em casa para me fotografar ao lado da família e do cachorro. Aqui é o banheiro do Faustão, olha que interessante a privada dele, vejam agora o seu leito conjugal. Ora, isso não interessa, a não ser para minha mulher e eu. E não adianta fazer aquela outra pergunta tradicional.


PLAYBOY — Que pergunta?


FAUSTO — Aquela da primeira vez. Estou fora.


PLAYBOY — Não foi com a empregada?


FAUSTO — Eu andei brincando com isso e a empregada de meus pais, depois de 36 anos de serviço, demitiu-se envergonhada. E tinha sido com outra, coitada. Disso não falo. Sou esperto. Dinheiro e sexo, não.


PLAYBOY — Só por que você casou?


FAUSTO — Quando eu estava separado, eu namorava e não escondia, embora inventassem muita coisa. Falaram que eu saí com as modelos mais famosas do país. Mentira. Tive apenas três namoradas, entre as quais a miss Brasil Marta Jussara. Não estou com essa bola toda. Sou caseiro. E hoje caseiro para valer.


PLAYBOY — Você é um marido fiel?


FAUSTO — Sou. E sempre fui homem de uma mulher só. Estou casado com uma mulher maravilhosa, uma companhia incrível, e não preciso de mais ninguém. Sou um romântico. No fundo, o que todo mundo quer? Encontrar seu parceiro. Eu encontrei, e estou conseguindo conviver legal. O problema de muitos homens, porém, não é sair com mulheres.


PLAYBOY — Qual é?


FAUSTO — É contar para os outros. São homens que encontram mais satisfação na fofoca do que na cama. Nunca deram uma só. Foram cinco, seis, sete...


PLAYBOY — Para você, isso tem importância?


FAUSTO — Não tem importância nenhuma. Deixando-se de lado essa questão de autoafirmação, essa ânsia de fofoca, o essencial é gostar de uma pessoa e realizar-se ao lado dela. Vejo o sexo como conseqüência, não como causa. Quando você e ela se entendem bem, a tendência do relacionamento sexual é ser cada vez melhor. O que vale, sempre, é a qualidade, não a quantidade. Mas eu acho que, nesta área, as coisas estão mudando positivamente. A própria mulher, passada aquela histeria inicial do movimento feminista, está mais madura. Conscientizou-se de seu papel na sociedade, sem deixar de ser feminina. O homem também: reconhece esse papel e a respeita mais.


PLAYBOY — As mulheres não costumam investir em você?


FAUSTO — Só para dar porrada. Falando sério, o que se considera como sendo a agressividade feminina envolve um problema de educação, de cultura: o homem pode tudo, a mulher não. Atualmente, creio que estamos chegando a um desejável ponto de equilíbrio.


PLAYBOY — Você, que se confessou tímido, ficava esperando ou ia à luta?


FAUSTO — Sou do tempo em que o homem batalhava. Mando flores, puxo a cadeira, abro a porta do carro. E para as coisas realmente importantes eu não tenho nada de tímido.


PLAYBOY — Não?


FAUSTO — Nada disso! Com a Magda foi um negócio incrível. Umas oitenta garotas estavam sendo selecionadas para o Domingão. Queríamos um tipo diferente. Nem bailarina nem telemoça. Ela é modelo e atriz. Quando olhei, me deu o estalo: "É essa mulher". Aí eu não estava pensando no programa, mas em mim. Quem decidiu sua contratação foi o diretor Augusto César Vanucci, é bom esclarecer. Dois meses depois, saímos para jantar. Casamos em uma semana. A gente convive 24 horas por dia, pois moramos e trabalhamos juntos.


PLAYBOY — Você é ciumento?


FAUSTO — Sou. A Magda também é. Marido liberal, não sou mesmo. Não dou sopa para o azar. Esse negócio de casalzinho moderno, cada um dorme onde quer, não é com a gente, não. Sou antigão nessa coisa. Careta. O que não significa que eu tolha a liberdade e não deixe minha mulher trabalhar onde ela quer.


"Marido liberal, não sou mesmo. Sou antigão. Esse negócio de casalzinho moderno não é com a gente, não"

PLAYBOY — Mas sua mulher trabalha com você.


FAUSTO — Sem nenhum problema. Ela foi contratada antes. Como expliquei, o Vanucci achou que era a melhor candidata. Para ela, profissionalmente, até não é o melhor.


PLAYBOY — Vamos mudar um pouco de assunto. Em quase todas as suas entrevistas, costumam lhe perguntar como você se dava com o narrador Osmar Santos. Por que essa insistência? Houve algum problema entre vocês ao longo de onze anos de convivência profissional?


FAUSTO — É que nunca houve uma amizade pessoal entre o Fausto Silva e o Osmar Santos. Eu já estava na Jovem Pan quando ele chegou para ser o terceiro narrador nas transmissões esportivas. Estava atrás do Joseval Peixoto e do Willy Gonzer, que aliás é um excepcional locutor, um dos melhores que conheci, um dos mais fiéis, embora não tenha alcançado o sucesso que merecia. O que houve, entre o Osmar e eu, a partir do momento em que ele se tornou o primeiro narrador, foi um perfeito casamento profissional. Trabalhamos juntos muito bem, de 1973 a 1984. Por que não houve amizade? É que só convivíamos no trabalho. Eu logo casei, e ele por sinal foi um de meus padrinhos. Por vários anos, o Osmar continuou solteiro e, aliás, aproveitou bastante a vida. Jamais tivemos atritos, nem mesmo discussões.


PLAYBOY — Vocês não tinham divergências políticas?


FAUSTO — Penso que não, embora o Osmar tivesse se engajado mais do que eu. Fui tão a favor das diretas quanto ele. A diferença é que ele fez uma opção partidária, eu não.


PLAYBOY — Entretanto, em maio de 1979, os jornalistas de São Paulo entraram em greve. Ao contrário de Osmar e da esmagadora maioria dos profissionais, você não aderiu às decisões das assembléias, em que estiveram presentes mais de 2.000 pessoas. O que o levou a tomar essa posição?


FAUSTO — Eu fiz a greve na rádio, no jornal não. Depois da assembléia, todo o pessoal da Rádio Globo se reuniu no restaurante Boi na Brasa e o Osmar, que não era muito a favor da greve, não, disse que cada um tinha liberdade para tomar sua decisão. Resolvemos aderir em bloco, e eu acatei. No jornal O Estado de S. Paulo foi o contrário. De cerca de 160 jornalistas da redação, uns 150 disseram que iriam trabalhar. Eu sempre fui contra a greve e aderi à decisão da maioria dos colegas do Estadão. No dia seguinte, para minha surpresa, apenas uns vinte ou trinta foram trabalhar. Entre eles estava eu.


PLAYBOY — Você dormiu na redação?


FAUSTO — De fato, ficamos lá alguns dias.


PLAYBOY — Passaram-se dez anos. Você se arrepende?


FAUSTO — Hoje, embora aquele tenha sido uns movimento malfeito, ruim para todo mundo, eu acataria a decisão da maioria da categoria. Eu faria a greve total, e não parcial, mesmo sem ter qualquer queixa da empresa. Meu erro foi ter confiado em pessoas, com as quais me decepcionei. Eu realmente me arrependo. É uma das poucas coisas de que me arrependo na vida: ter acreditado em pessoas, não em idéias, programas ou movimentos.


PLAYBOY — Hoje em dia, como você se situa politicamente?


FAUSTO — Acho que se deve fazer uma opção pelos programas e pelos partidos, não pelas pessoas. Essa tendência de se votar na pessoa leva a erros, mas isso acontece porque, a rigor, os partidos brasileiros não existem. O PT é que tem um pouco mais de coerência, embora eu não seja petista.


PLAYBOY — Em quem você votou nas últimas eleições?


FAUSTO — Para prefeito de São Paulo? Deixa pensar. Quem eram mesmo os candidatos? Ah, votei no João Mellão Neto, do PL, que me parece um cara com a cabeça no lugar.


PLAYBOY — Já escolheu seu candidato a presidente?


FAUSTO — Ainda não. Acho que alguns candidatos são competentes, como o Mário Covas, o Guilherme Afif Domingos, que tem alguma coisa consistente, e o próprio Roberto Freire, com sua proposta de um comunismo moderno. Não tenho pressa para escolher. No meu programa, estou dizendo que ninguém precisa tomar a decisão agora. Calma, pesquisa não é eleição. Eu até brinco, me dirigindo aos eleitores mais jovens: veja o que vocês vão fazer, urna não é pinico. Levantem informações sobre os candidatos, examinem o programa de cada um. Até 15 de novembro há tempo. Está na hora de mexer com a cabeça das pessoas. Vamos conseguir como? Com eleição, com participação nas discussões, com os sindicatos cada vez mais fortes e atuantes, com a consciência de que é preciso equilíbrio para enfrentar as radicalizações dos dois lados. Eu tenho medo apenas de uma coisa.


PLAYBOY — Do quê?


FAUSTO — Da linguagem dos políticos. É aí que quase todos quebram a cara. Vão para a TV e falam em "déficit", em "recursos disponíveis", em "indexação". OK, nós sabemos do que se trata. Mas o eleitor pensa que eles estão anunciando marca de xarope. Impressionante, num país com tantos analfabetos e tanta pobreza, como é que eles fazem um discurso tão pastoso? Não dá.


PLAYBOY — E o que você sugere para eles?


FAUSTO — Sejam claros. Acho chato falar nisso, mas uma recente pesquisa da Globo mostrou que um dos aspectos mais positivos de meu programa, segundo os telespectadores, é que eu falo uma linguagem que as pessoas entendem. Mais do que gozador, brincalhão ou piadista, eu sou simples e direto. Foi como repórter do Estadão que aprendi que gol não é tento e que jogo não é porfia nem peleja. Eu fico espantado com a linguagem de Brasília. É outro idioma! Ainda há pouco, esteve aqui uma equipe para gravar minha participação numa campanha de prevenção da Aids, patrocinada pelo Ministério da Saúde. E me deram para ler o seguinte texto: "Não compartilhe a mesma seringa". Nem morto! Quantas pessoas conhecem o verbo compartilhar? O caminho é outro.


"Brasília fala outro idioma. Queriam que eu dissesse 'não compartilhe' numa campanha sobre a Aids. Quem ia entender?"

PLAYBOY — Qual?


FAUSTO — No caso da campanha da Aids, eu disse somente o seguinte: "Diminuindo o número de parceiros, você reduz os seus riscos". Mas eu vivo passando minhas mensagens. Quando falo que urna não é pinico, estou tentando fazer com que os eleitores pensem um pouco. Se eu lembro que não basta ser marido, tem que participar, estou tentando cutucar o machismo. Numa outra campanha, de educação de trânsito, eu poderia me sair com esta: "Meu amigo, dirija pela direita, só ultrapasse pela esquerda, pare no farol..." O que ia acontecer? O brasileiro daria risada na minha cara. Prefiro a minha velha fórmula: "Isso mesmo, cruze o sinal vermelho para não perder tempo. Vai sair de férias? Parabéns, beba bastante e enfie o carro no poste. Sua família vai adorar". A pessoa ouve, ri do mesmo jeito e depois reage.


PLAYBOY — Falando assim, os leitores não vão desconfiar que você talvez seja mais sério do que parece?


FAUSTO — Pois é, eu me preparei para não entrar nessa de dinheiro e de sexo, acabei entrando um pouco, e no fim mostrei meu lado desconhecido. Espero que o leitor não tenha achado a entrevista um pé no saco e não saia dizendo por aí: "Ih, este não é o Fausto, o Fausto não é sério". Não sou muito, mas engano.


POR CARLOS MARANHÃO

FOTOS FERNANDO SEIXAS



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