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ADRIANE GALISTEU | FEVEREIRO, 1997

Playboy Entrevista



Uma conversa franca com a estrela recordista de vendas de PLAYBOY

sobre os bastidores da vida de modelo, sexo, drogas, assédio e,

é claro, Ayrton Senna.


Definitivamente, Adriane Galisteu não é mais, apenas, aquela menina bonita que namorou o tricampeão mundial de Fórmula 1 Ayrton Senna. Além de modelo requisitada e bem paga, e de atriz de teatro e telenovelas em começo de carreira, ela é a campeã absoluta de vendas de revistas no Brasil, com a marca de 815.000 exemplares vendidos em bancas, estabelecida quando foi capa de PLAYBOY, em agosto de 1995. E olha que por essa capa já desfilaram praticamente todas as mulheres mais queridas e desejadas deste país. Ao procurá-la, agora, para esta entrevista, PLAYBOY foi atrás de uma celebridade consagrada por seus próprios leitores. O objetivo era saber o que vai pelo interior de sua linda cabecinha, um ano e meio depois do ensaio fotográfico que a projetou nacionalmente com estrela.


Primeira constatação: Adriane é linda por dentro também. Segunda: descobre-se, conversando com ela, uma pessoa gentil, carinhosa, extremamente franca e desprovida do mais remoto cacoete ou adereço capaz de identificar uma perua. Sincera, ela afirma que nunca leu nada, nem O Pequeno Príncipe — e no entanto escreveu um livro, Caminho das Borboletas, que virou best-seller em vários. países. Desarmada, fala de sua vida como quem narra um conto de fadas — no qual teve grandes períodos de Gata Borralheira e, mais recentemente, quatro anos de fama e dinheiro.


Seu currículo de modelo profissional é respeitável, embora ela tenha apenas 23 anos. É que Adriane entrou nessa vida ainda criança, aos 9 anos, e teve perspicácia bastante para observar, aprender, anotar e agora ensinar às novatas. O que valoriza sua atual condição de star, de xodó nacional, é o fato de nunca ter recebido nada de mão beijada. Até mesmo as circunstâncias em que conheceu Senna atestam isso. Contratada por uma agência de modelos, estava trabalhando há 48 horas seguidas em Interlagos, durante o CP do Brasil de 1993, para ajudar no sustento de casa e no tratamento de um irmão doente. "Eu sou gente que rala", costuma dizer.


Não há dúvida, nem para Adriane, de que o salto para o estrelato pegou o vácuo do bólido de Senna. Não há dúvida, igualmente, de que milhares de rostinhos bonitos que frequentam os boxes da Fórmula 1 permanecem anônimos pelo mundo afora. Por que ela, então? Talvez porque tenha na cabeça algo mais do que belos cabelos — como se pode constatar nesta entrevista, para a qual PLAYBOY destacou o jornalista Osvaldo Martins, um especialista em arrancar confidências. Eis o seu relato:


"Quando fui ao apartamento de Adriane Galisteu, para começar nossa série de conversas, não esperava encontrar uma pessoa tão articulada, com a cabeça no lugar — afinal, ela ainda é muito jovem. O apartamento, com decoração moderna de bom gosto, ocupa o sétimo andar de um prédio da Haddock Lobo, uma rua no coração dos Jardins por onde circulam dia e noite quase todas as pessoas que, de uma forma ou de outra, são notícia em São Paulo. E ela parece estar perfeitamente à vontade nesse mundo de ricos e bem-sucedidos, embora demonstre claramente que não se tornou uma deslumbrada. Muito pelo contrário."


"Vestindo o clássico jeans e camiseta, zero de maquiagem, sentada sobre os dois pés descalços no sofá da sala, ela fala sem parar. É capaz de repetir períodos inteiros, praticamente com as mesmas palavras, do seu livro, no qual narra seu romance com o tricampeão mundial de Fórmula 1 Ayrton Senna. Das duas, uma: ou Adriane é sincera em tudo o que diz, ou está fazendo gênero — e neste caso estamos diante de uma das mais perfeitas atrizes do mundo. Bonita como é, se a segunda hipótese fosse verdadeira, seu sucesso nas telas seria o mais arrasador de todos os tempos. Prefiro a primeira opção, a da sua sinceridade. Ela fala olhando nos olhos do interlocutor, cutuca-o vigorosamente com o indicador, não titubeia e não faz média. Diz muitos palavrões, ri constantemente e em nenhum momento se esforça por parecer sexy — embora seja, o tempo todo."


"Está orgulhosa de ter 'chegado lá'. Sutil, encontrou uma maneira de exibir o apartamento inteiro, levando-me até seu quarto para assistir no vídeo a seu mais recente trabalho — um comercial de 1 minuto, com cruzadas de pernas à la Sharon Stone, em favor de uma campanha que estimula o uso de camisinhas. Adriane tem razão de estar orgulhosa. Nascida de família de classe média baixa do bairro da Lapa, na zona oeste de São Paulo, pai espanhol, Alberto Galisteu, e mãe húngara, dona Emma, nunca passou fome, mas comeu o pão que o diabo amassou até chegar lá. Teve a sorte de namorar um homem rico e famoso e até hoje, quase três anos depois da morte dele, tem que dar explicações sobre essa parte da sua vida, como se tivesse alguma responsabilidade pela tragédia de Imola, naquele fatídico 1° de maio de 1994 em que Senna morreu."


"Para quem enfrentou um bombardeio de intrigas, maledicências, acusações absurdas, imputações descabidas, citações desairosas e uma má vontade generalizada de vários jornais e revistas, até que nesses quase três anos Adriane se saiu bem. Não nega que deve o súbito estrelato ao namoro com Senna; não fala mal de ninguém e sabe muito bem o que quer. E não é muito: quer trabalhar, ganhar dinheiro, casar e montar uma família com um montão de filhos. Ela parece ter as mesmas convicções, os mesmos valores e até o mesmo vocabulário dos tempos da Lapa — só que agora com mais conforto. Adora ganhar dinheiro, mas quem não adora? Só que Adriane não dissimula essa adoração, o que conta ponto para a sua sinceridade."


"Tem lá suas contradições, isso tem. Está lançando um livro sobre saúde e beleza e, no entanto, fuma desbragadamente. É verdade que, no auge da juventude, com um corpo daquele, um par de olhos azuis que são dois faróis, cabelos viçosos, dentes perfeitos e pernas... bem, desse jeito serão necessárias décadas de tabagismo para melindrar a Natureza. Nossa conversa durou 5 horas, em duas sessões — na primeira, 4. Compenetrada em seu papel de anfitriã, Adriane providenciou salgadinhos, bebidas e cafezinhos trazidos por Maria, uma de suas duas empregadas. Enquanto, além de beliscar e bebericar, entupíamos cinzeiros, seu cachorrinho maltês Mike Tyson fez a sua parte: manteve-se calado, mas aparentemente atento."


PLAYBOY: Você se aborrece quando a chamam de "viúva profissional"?


ADRIANE GALISTEU: Quem me conhece sabe que sou, sim, superprofissional. Trabalho desde os 9 anos na mesma profissão e nela posso dizer que sou bem-sucedida. Quem me conhece sabe também que sou solteira. Logo, não posso ser viúva.


PLAYBOY: Mas o que querem dizer é que você vive da fama de Senna.


ADRIANE: Eu não vendo capacete do Ayrton, nem camiseta ou chaveirinho. Vivo do meu trabalho de modelo e, agora, de aprendiz de atriz. E tem mais [irritada]: respeito é bom e eu gosto!


PLAYBOY: Ou seja, você se aborrece.


ADRIANE: Garanto que não. Tenho é pena das pessoas que falam sem saber e opinam sem conhecer.


PLAYBOY: De qualquer modo, você virou celebridade depois que namorou Senna. E a fama, mesmo, só veio quando ele morreu.


ADRIANE: Nunca neguei isso [enfática], nem tenho por que negar. É claro que ele foi uma pessoa importante minha vida. Aliás, ele foi uma pessoa importante, ponto. Vivemos maravilhosos 405 dias juntos e isso é parte da minha história de vida. O que querem que eu faça? Que finja que isso não aconteceu?


PLAYBOY: Você até escreveu um livro contando essa história, o que...


ADRIANE: [Interrompendo] ... um li que já vendeu 550.000 exemplares em quatro países.


PLAYBOY: Ayrton Senna era um ídolo mundial, o que certamente explica o sucesso do livro.


ADRIANE: Totalmente de acordo. Mas tem uma coisa que queria deixar bem claro. Eu amei o Ayrton loucamente, e ele a mim. Essa história me pertence, não me apropriei de nada. Era a nossa história. Ele morreu, é a minha história. O meu romance com o Ayrton e a tragédia em Imola são coisas marcantes, definitivas para mim — mas esse não é o eixo da minha vida.


PLAYBOY: Como assim?


ADRIANE: [Acendendo um cigarro.] Você falou em fama, celebridade... Hoje estou aqui, neste belo apartamento que comprei com o dinheiro do meu trabalho... Nos Jardins, em frente a Gallery [tradicional boate paulistana], mas não sou nenhuma deslumbra, nenhuma boboca. Não me iludo com essas coisas. O meu eixo está na Lapa, onde nasci, onde cresci. O meu primeiro contato com a tragédia aconteceu muito antes de conhecer o Ayrton, quando meu pai morreu e o mundo desabou sobre mim. Eu tinha apenas 17 anos, mas já trabalhava desde os 9, eu virei arrimo de família. Os meus valores, as minhas crenças, vêm daí. Da luta do dia a dia, da tenacidade da minha mãe, dos ensinamentos dela a respeito de viver com dignidade... de enfrentar as dificuldades de cabeça erguida. É isso que eu quero esclarecer.


PLAYBOY: Em outras palavras, a fama não faz a sua cabeça?


ADRIANE: É por aí. Aos 17 anos eu já tinha a cabeça feita, já sabia o que queria da vida. E não queria, como não quero, a futilidade, a glória efêmera. Aprendi muito com o Ayrton, sim, era um ser humano maravilhoso, excepcional. Mas aprendi muito antes, e muito mais, com minha mãe, com a vida. E, depois, com uma pessoa especial, que eu adoro, que é o Braga [Antônio Carlos de Almeida Braga, o Braguinha, empresário carioca apaixonado por esportes e maior amigo de Senna].


PLAYBOY: Como assim? Você vive saindo nos jornais, persegue, sim, a fama, e diz que não liga para isso?


ADRIANE: Não nego que persigo a fama. Isso faz parte do meu trabalho de modelo, de figura pública, de apresentadora de TV e de atriz de novela. Quando eu era menina, ali pelos 8 anos, sonhava em ser capa de revista, ter o meu programa na televisão [pausa]... Pois aqueles sonhos infantis se realizaram. Mas cresci e não vou ficar o resto da vida embalada por fantasias. Hoje estou tocando vários projetos profissionais importantes. Quero construir coisas sólidas, quero me aperfeiçoar, aprender mais. Quero casar, construir uma família grande, ter muitos filhos, casa cheia... Quero da vida coisas importantes, definitivas, e não essa bobagem de correr atrás da fama como um fim em si.


PLAYBOY: Estava correndo atrás da fama quando conheceu Senna em Interlagos, no GP do Brasil de 1993?


ADRIANE: Estava correndo atrás de dinheiro. Trabalhava na Elite [agência de modelos] e tinha um serviço a fazer no hospitality center da Shell, no autódromo. Eram 2.000 dólares para trabalhar três dias. Eu disse: "Tô fora". Não gostava de corrida de automóvel, tinha um compromisso no primeiro dia do trabalho [sexta-feira] e mesmo assim me ofereceram os 2.000 para trabalhar só sábado e domingo.


PLAYBOY: Não era fã do Senna?


ADRIANE: Admirava a carreira dele, mas via na TV só a largada e a chegada das corridas.


PLAYBOY: Qual foi sua opinião sobre Senna quando o conheceu?


ADRIANE: [Rindo.] Você não vai acreditar. Ele estava de capacete e macacão, passou pelas meninas — nós éramos dez recepcionistas — e comentei com uma delas: "Ele tem uma bunda bonitinha, não?"


PLAYBOY: Gozado. Mulher repara em bunda de homem, né?


ADRIANE: Repara, sim. Brincadeira à parte, ali começou uma virada na minha vida. No domingo, o Ayrton venceu a prova e houve uma festa na Limelight [boate da zona sul de Seio Paulo]. Eu não queria ir, estava cansadíssima, mas o pessoal da Elite insistia em que aquilo fazia parte do contrato. Então fui. Me designaram para ficar no camarote dele. Quando ele chegou eu o cumprimentei pela vitória e ele me ofereceu champanhe. Eu disse: "Obrigada, não bebo nada". Não bebo mesmo. Nessa noite ele me convidou para o churrasco que haveria no fim de semana seguinte em Angra dos Reis.


PLAYBOY: Foi na Limelight que você percebeu que ele estava a fim?


ADRIANE: Já em Interlagos ele tinha me olhado insistentemente, mas eu estava com nove outras meninas e fiquei pensando que não era comigo. Apesar de um senhor — depois vim a saber que era o Braga — ter me dito: "Garota, o cara está paradão em você". Mas, no dia seguinte à festa, segunda-feira, às 9 da manhã ele telefonou para a minha casa, confirmando o convite para Angra. Sonolenta, surpresa, lembro-me de ter dito: "Mas eu nem te conheço..." Ao que ele emendou: "Mas o mundo inteiro me conhece!" E não perdeu tempo. Se era por falta de conhecer, convidou-me para jantar naquela mesma noite no The Place [churrascaria na mesma rua Haddock Lobo em que ela mora hoje]. Marcamos de nos encontrar às 9 e meia, mas não fui.


PLAYBOY: Quer dizer que na primeira vez em que o Ayrton Senna a convidou para sair você deu o cano?


ADRIANE: Estava chovendo, fiquei com preguiça. Dia seguinte, 10 da manhã, ele me ligou outra vez: "Pô, que furo!" Eu disse que pensei que era brincadeira dele, o convite para jantar. Ele insistiu para me ver na tarde daquela terça-feira, no escritório dele. Aí dei uma puta mancada.


PLAYBOY: Mancada? Como foi?


ADRIANE: Tinha que fazer um teste para um comercial do molho de tomate Tarantella, da Arisco, do qual participaria — do comercial, não do teste — o Nelson Piquet. Quando eu mencionei esse nome, o Ayrton perguntou: "Com quem???" [Risos.] Eu estava tão por fora de automobilismo naquela época que nem sabia que o nome Piquet não devia ser pronunciado para o Ayrton. Fui fazer o teste, o Piquet não apareceu. Liguei depois para o escritório do Ayrton, mas aí quem estava embananado era ele. Me pediu para a gente se encontrar no dia seguinte, no apartamento dele, na Rua Paraguai [no bairro de Jardim América] — onde algum tempo depois moramos juntos.


PLAYBOY: Então a moça foi ao apartamento do rapaz?


ADRIANE: [Rindo.] Fui, mas não aconteceu nada. Ele estava de calça comprida, descalço e sem camisa, tomando vitamina C, quando cheguei. Sentamos cada um em uma poltrona e então ele quebrou o gelo: "Muito prazer. Meu nome é Ayrton Senna da Silva, tenho 33 anos e não tenho namorada. Agora você me conhece?". Naquele mesmo dia ele foi para Angra.


PLAYBOY: Saíram nos jornais fotos de vocês em Angra, com comentários sobre uma "loura misteriosa".


ADRIANE: O meu quase ex-namorado César viu uma dessas fotos e sacou que o namoro tinha acabado. A partir daí virou ex, mesmo.


PLAYBOY: No seu livro você descreve muito superficialmente a primeira noite em que dormiu na cama dele. O leitor de PLAYBOY quer detalhes. [risos.]


ADRIANE: Foi maravilhoso! [Mais risos, seguidos de profundo silêncio.]


PLAYBOY: É verdade que nessa noite um dos dois broxou?


ADRIANE: Eu broxei. Ou melhor, dormi. Mas ele me acordou.


PLAYBOY: Explique-se, por favor. [Risos.]


ADRIANE: Foi em Angra dos Reis, nesse fim de semana após o GP de Interlagos. A casa estava lotada, gente dormindo até na sala. Ele foi ao quarto que eu estava ocupando sozinha, que tinha duas camas, e me disse: "Você está muito folgada aqui. Tenho que acomodar um casal e você vai para o meu quarto". Catou as minhas coisas e fez a mudança.


PLAYBOY: E então você protestou? [Risos.]


ADRIANE: Claro que não. Àquela altura, eu já estava lá desde a véspera, nós já tínhamos dado uma namoradinha e, na verdade, eu estava loooouuuuca para dormir com ele. Só que não queria ser apenas mais uma na vida dele. Preferia até não transar, ser apenas amiga dele o resto da vida, a ser uma trepada a mais e tchau.


PLAYBOY: Vamos direto ao ponto: você foi para a cama dele e aí...


ADRIANE: Aí botei um pijama blindado. Sabe aquela calça maria-mijona, aquela camiseta com botãozinho, fechada no pescoço? Pois foi assim. Conversamos bastante e, de repente, eu estava dormindo. Acordei com uns cutucões e uma pergunta irônica: "Você quer se casar comigo? Se quer, tem uma igrejinha ali na praia, nós levamos umas testemunhas e nos casamos. Por que está fazendo isso comigo? Não sou babaca, não tenho 12 anos. Eu quero namorar você, entendeu?"


PLAYBOY: E aí...


ADRIANE: Caiu a ficha. Percebi que ele não estava a fim de uma aventura, apenas. Uma aventura com ele era tudo o que eu também não queria. Tinha 19 anos e, até então, apenas três namorados. Ele, por sua vez, poderia ter naquela cama milhares de outras mulheres. Aí pensei: de nós dois, a babaca sou eu.


PLAYBOY: Ele também usava um pijama maria-mijona? [Risos.]

ADRIANE: Estava com um pijaminha azul. curto, que eu guardo até hoje como lembrança.


PLAYBOY: Mas... e aí? Você disse que estava com um baita tesão, dissimulado por aquela blindagem? Foram então para os finalmente?


ADRIANE: Sem dúvida! Parecia um filme romântico, uma superprodução. O mar batendo nas pedras, abaixo da janela, um luar incrivelmente maravilhoso, milhões de estrelas no céu...


PLAYBOY: E o nosso atleta era realmente um atleta?


ADRIANE: Olha o respeito!... [Pausa] Era. Um puta atleta!


PLAYBOY: Apesar da sua afirmação, houve uma época em que se dizia que ele não era tão atleta assim.


ADRIANE: Isso foi uma baixeza, uma coisa torpe. O responsável por essa história, essa infâmia a respeito do Ayrton, foi o Nelson Piquet.


PLAYBOY: Senna ficou aborrecido com essas dúvidas a respeito da sua virilidade?


ADRIANE: Ficou, e muito. Morreu com essa mágoa.


PLAYBOY: O que se dizia na época era que ele não transava com mulher e que você estava ali contratada, ganhando cachê para fazer figuração.


ADRIANE: Eu lembro do que se dizia. Mas o que digo é que ele foi muito homem. Nota 10. Quanto a mim, jamais faria um papel ridículo desses, nem por toda a fortuna do mundo. Não nasci para isso.


PLAYBOY: E você? Considera-se uma atleta? Na hora H, fica muda ou é daquelas que falam tudo?


ADRIANE: A resposta é curta: falo.


PLAYBOY: Fala muito, fala palavrão?


ADRIANE: [Rindo.] Se você quiser, pode me entrevistar na hora em que... Põe o gravador e grava tudo.


PLAYBOY: Topo [risos]. Quantos namorados você teve antes do Senna?


ADRIANE: Namorados, mesmo, três. E olha que coisa incrível. Meu primeiro namorado, o Ivan, morava na Cantareira, zona norte [de São Paulo], é era de Áries. Outro namoro, o que durou mais tempo, três anos, também era um rapaz da zona norte e nascido em Áries, o Paulo. O Ayrton, também de Áries, morava na Cantareira...


PLAYBOY: Atenção, rapaziada da zona norte, atenção arianos, vocês estatisticamente têm chance!


ADRIANE: [Risos.] Meu atual namorado, o Júlio [Lopes, empresário do Rio de Janeiro], também é de Aries.


PLAYBOY: A primeira vez foi com o primeiro namorado?


ADRIANE: Foi. Eu tinha 14 anos e cantava num conjunto chamado Meia Soquete. Nós ensaiávamos na casa de uma das meninas do conjunto, que morava na zona norte, e foi lá que eu conheci o Ivan. Ele tinha uma Brasília verde-abacate e usava um corte de cabelo tipo moicano. A cabeça raspada, sobrando só um topete, uma crista que cada dia ele pintava de uma cor diferente — verde, por exemplo. Eu achava aquilo a coisa mais linda do mundo! Me apaixonei alucinadamente, com Brasília verde-abacate, crista colorida e tudo! [Risos.] Foi uma paixão tão violenta que quando nós terminamos eu emagreci 11 quilos.


PLAYBOY: Quer dizer que a primeira vez foi do Ivan. Dentro da Brasília?


ADRIANE: Não, foi em São Vicente [litoral paulista]. Estava na praia com minha mãe. Pois o cara me aparece de surpresa, e cheio de ordens. Mandou eu trocar o biquíni por um maiô...


PLAYBOY: Coisa de dono.


ADRIANE: É. Vesti uma blusa por cima e disse para a minha mãe que ia até a esquina tomar um suco. Fomos à esquina, mas ao apartamento de um amigo. Ali foi a primeira vez. Só que, quando voltei para a praia, tinha vestido a blusa pelo avesso. A maior bandeira! Minha mãe percebeu logo o que tinha acontecido. Não aguentei a pressão e contei tudo. Caí em prantos, minha mãe também, foi uma choradeira danada. Implorei para ela não contar para o meu pai. Ela conseguiu segurar por 24 horas, mas acabou contando.


PLAYBOY: Dá para imaginar: a Adriane não é mais virgem! Drama familiar na Lapa.


ADRIANE: Bota drama nisso.


PLAYBOY: Como seu pai reagiu?


ADRIANE: Uma surra de cinto, com direito a fivela. Eu já era uma cavalona de 1,70 metro, fiquei com as pernas marcadas...


PLAYBOY: Pelo menos valeu a pena?


ADRIANE: Ah! Que nada, foi horroroso. Eu morria de medo... Mas não adiantou nada a surra. Eu usava o dinheiro que minha mãe dava para o lanche da escola, pegava um táxi e ia encontrar com o Ivan no escritório dele. E voltava para a escola a tempo de pegar a quarta aula.


PLAYBOY: Uma rapidinha no sofá do escritório?


ADRIANE: Várias. No sofá, no carpete.


PLAYBOY: Quanto tempo durou essa atividade extracurricular?


ADRIANE: Até o final do ano letivo. Nas férias, o Meia Soquete estava se apresentando no Verão Vivo da Rede Bandeirantes, numa praia do Guarujá [litoral norte de São Paulo], quando vejo de longe, no meio da multidão, uma crista vermelha. Ele não queria, tinha me proibido de cantar e tentou armar uma cena ali. Saí do palco chorando e terminei o namoro nesse dia.


PLAYBOY: Você tomava pílula?


ADRIANE: Nunca tomei. Eu seguia como sigo até hoje, a tabelinha. Nunca falhou, e nunca engravidei.


PLAYBOY: E camisinha?


ADRIANE: Virei adepta da camisinha depois do Paulo, o meu segundo namorado. Foi o namoro mais longo da minha vida — três anos. Até hoje sou amiga dele, da mãe e da mulher com quem ele se casou. Esse namoro meus pais aprovaram, não houve drama. Ou melhor, houve drama, sim, mas Paulo não teve culpa.


PLAYBOY: O que aconteceu?


ADRIANE: Nós combinamos passar um fim de semana num sítio em Arujá [cidade da Grande São Paulo]. Eram ao todo oito casais. Eu nunca tinha viajado com namorado, minha mãe não concordava de jeito nenhum. Para amenizar, eu dizia que o passeio era ao Guarujá, com um grupo de amigas. Nem assim. "Vai pedir para o teu pai", desafiou. Fui, ele estava deitado, tirando uma soneca. Comuniquei: "Olha estou avisando que vou para o Guarujá com uma turma grande, e o vai Paulo junto". Sonolento, ele disse: "Vai". Saí de casa brigada com minha mãe e deixando atrás um clima pesado.


PLAYBOY: Compensou?


ADRIANE: Que nada! O lugar não tinha a mínima infraestrutura, nem mesmo telefone. Dormi mal e acordei às 4 e meia da madrugada com um sobressalto. Lembro-me de que pensar: "Tem alguma coisa errada". Acorde o Paulo e pedi para sair e procurar um orelhão. As 5 horas achamos um, liguei para casa e ninguém atendia. Liguei para a vizinha, que me disse: "Estamos desesperados tentando te localizar, até para a polícia já apelamos, porque alguém na sua casa está muito mal" — e não disse quem. Voltamos para São Paulo imediatamente. Eu pensava no meu avô, no meu irmão e até na minha tia mãe. Quando chegamos em casa, havia um papel colado na porta: "O corpo está sendo velado no cemitério da Lapa". Eu sentei na calçada e desatei a chorar. E me mandei para lá.


PLAYBOY: Você foi sem saber quem tinha morrido?


ADRIANE: Exatamente. Ao chegar ao velório, à medida que via as pessoas ia raciocinando por dedução. Até que cheguei junto ao caixão e me certifiquei de que era o meu pai. O mundo desabou sobre a minha cabeça.


PLAYBOY: Você se sentiu culpada?


ADRIANE: Meu pai tinha 54 anos. Sentiu-se mal, entrou andando, enfartado, no hospital, e morreu minutos depois. Me senti péssima por ter mentido e por ter feito a minha família mobilizar o Guarujá inteiro à minha procura. A vida já estava difícil, a gráfica do meu pai tinha quebrado, era um stress permanente... Aí eu virei mãe da minha mãe e, desde então, nunca mais menti. Minha família ficou reduzida a minha avó, minha mãe, meu irmão e um casal de tios. Aos 17 anos, tive de assumir uma postura mais responsável, trabalhar muito para ajudar em casa.


PLAYBOY: Esse episódio foi definitivo na sua formação?


ADRIANE: Quando digo que o meu eixo está na Lapa, é disso que estou falando. Muita gente pensa que nasci para a vida quando namorei o Ayrton. Bobagem. Eu já estava curtida por experiências e traumas... Até porque, antes de conhecer o Ayrton, a vida ainda me reservou outro grave problema em casa. Meu irmão [Alberto Galisteu Filho, o Beto] tornou-se viciado em drogas. Foi internado uma primeira vez, para tratamento, que aliás custou uma grana. E houve uma segunda vez. Então eu trabalhava para sustentar a casa e para financiar o tratamento do meu irmão. Era um desespero, porque ele era muito inteligente, muito carinhoso, todo o mundo o adorava e doía muito vê-lo se destruindo dia após dia. Por causa das drogas ficava violento, não podia sair do quarto.


PLAYBOY: E você, como modelo, vendendo felicidade nas fotos...


ADRIANE: Ainda bem que tinha bastante serviço. Depois de dois anos enclausurado, meu irmão passou a sair. Foi quando eu lhe dei um carro de presente. Ele se casou, mas foi apanhado pela Aids e morreu no ano passado. Lamento muito não ter podido ajudar mais do que ajudei. Minha avó também morreu e para minha mãe eu sou o que restou da família. Desde que meu irmão morreu eu me coloquei à disposição para campanhas educativas e até me filiei a uma ONG, a Associação de Parceria contra a Droga.


PLAYBOY: Você nunca usou droga?


ADRIANE: Nunca. Nem mesmo maconha, que costuma ser a primeira experiência. Além do mais, acho maconha brega, cafona. Acho que nessa questão das drogas a figura execrável é o traficante, aquele que leva as pessoas a se viciarem. O melhor combate à Aids é a guerra ao traficante de drogas. Pena de morte para eles.


PLAYBOY: Você passa a imagem de uma mulher saudável — e um de seus projetos nesse momento tem exatamente a ver com isso. Como é ele?


ADRIANE: O meu projeto tem um nome: Beleza sem Segredos. Trata-se de um livro e de um vídeo com dicas de como manter a forma. Olha que lido com este assunto há anos. Sabe como é, vida de modelo... Descobri que muitos conceitos teoricamente corretos na prática não funcionam. Ou podem funcionar para algumas pessoas, mas não para todas. Basicamente, narro minhas experiências, sempre ressalvando que elas podem não valer para todo o mundo.


PLAYBOY: Que tipo de coisa você desaconselha a quem quer emagrecer?


ADRIANE: Ginástica localizada, por exemplo. É a maior roubada. Às vezes vejo na academia uma gordinha fazendo ginástica localizada e morro de pena. Sabe o que vai acontecer com aquela gordura localizada, depois de tantos exercícios? Ela vai se desenvolver ali e o problema não só não estará resolvido como ficará praticamente insolúvel daí em diante.


PLAYBOY: Qual seria a saída?


ADRIANE: Primeiro, emagrecer. Ou seja, boca fechada. Depois, aeróbica. Andar, pedalar, correr. No meu caso, o problema de engordar está localizado na cabeça. Depois da morte do Ayrton, em seis meses morando em Portugal engordei 12 quilos. E olha que eu malhava 5 horas por dia! Mas não adiantava nada porque estava deprimida e, para aliviar, me dava o direito a pequenos prazeres. Só consegui começar a emagrecer depois que escrevi o livro, depois que comecei a ganhar dinheiro e depois que parei de comer chocolate como uma doida. Eu sou absolutamente ta-ra-da por chocolate.


PLAYBOY: O que mais, além do livro e do vídeo?


ADRIANE: Vai ter também um CD-ROM. Aí é uma espécie de "tudo sobre Adriane Galisteu". Desde o primeiro trabalho da minha vida, um comercial para o McDonald's que eu fiz quando tinha 9 anos, até a foto do meu primeiro encontro com o Ayrton, em Angra, passando por todas as capas de revista, todas as entrevistas...


PLAYBOY: Coisa de gente organizada. já era assim no tempo do Senna?


ADRIANE: Por incrível que pareça, a minha vida com o Ayrton tinha alguma rotina. Primeiro, porque a Fórmula 1 tem um calendário conhecido com um ano de antecedência. Você sabe onde vai estar e quando. Em segundo lugar, o Ayrton era um cara extremamente organizado, metódico, meticuloso.


PLAYBOY: Fora das pistas também era metódico? O Teodoro Madureira, primeiro marido de Dona Flor [do romance Dona Flor e Seus Dois Maridos, de Jorge Amado] , fazia papai e mamãe às quartas e sábados, mas aos sábados tinha bis. [Risos.] Era assim com vocês?


ADRIANE: Que quartas e sábados? Você está louco? Nessa coisa não tinha regulamento... E só não teve mais porque sou muito dorminhoca [risos]. Mas em outras coisas o Béco — como era tratado por mim e pelos amigos —tinha suas rotinas, sim. Só dormia de pijama, de preferência aquele já bem usado, que fica mais gostoso de vestir. Outra mania era fazer a barba todo dia, às 3 da tarde.


PLAYBOY: Você se adaptou às rotinas dele?


ADRIANE: Com o maior prazer. Mas de vez em quando eu dava uns toques. Gosto de homem de barba cerrada, de dois ou três dias... acho lindo. Muitas vezes ele deixou de fazer a barba atendendo aos meus apelos. Com o cabelo era a mesma coisa. Eu achava que ele ficava lindo com o cabelo mais comprido, e pedia para não cortar. Quando morreu, estava com o cabelo comprido... Aliás, ele nunca esteve tão bonito como no dia em que morreu. Outra coisa com a qual eu às vezes implicava era a roupa. Ele curtia demais cintos e sapatos, mas usava muito as roupas que a Hugo Boss mandava — fazia parte do patrocínio. Sei que ele detestava paletó e gravata e por isso não me conformo de terem vestido um terno nele quando morreu.


PLAYBOY: Como todo bom atleta, ele era disciplinado...


ADRIANE: Tudo bem, mas acho que dei uma boa desregrada na vida dele. Às vezes eu implorava: "Não corra hoje, descanse..."


PLAYBOY: Como "não corra"? Ele era um corredor!


ADRIANE: [Rindo.] Não, não... eu dizia para não correr a pé, não fazer exercício... Todo santo dia ele corria, mesmo estafado depois de um grande prêmio. Eu achava aquilo um absurdo, pensava que ele deveria dar-se ao luxo de vagabundear nos períodos entre uma prova e outra.


PLAYBOY: E antes da prova?


ADRIANE: Era um stress total. Na noite de sábado para domingo, então, começava o processo de concentração para a corrida e nós quase não conversávamos. Ele lia trechos da Bíblia antes de dormir e aquilo lhe dava uma paz interior muito grande.


PLAYBOY: Depois da prova...


ADRIANE: [Atropelando.] Aí dependia do resultado. Se ele não ganhasse, ficava com um mau humor, com uma tromba que ia até a esquina. Com esse meu jeito de molecona eu levava na brincadeira e uma vez dei a ele de presente um elefantinho de pelúcia. Ele entendeu o recado, levou na esportiva, mas nem por isso mudou. Ficava de tromba até quando perdia em casa no jogo de baralho.


PLAYBOY: O que vocês jogavam?


ADRIANE: Tranca. Uma vez passamos uma semana em Portugal jogando tranca todas as noites e madrugadas, até o dia amanhecer. Foi uma semana extremamente tensa porque o Ayrton já tinha decidido sair da McLaren [no final da temporada de 1993] e a sua única possibilidade era a Williams. O [piloto francês] Alain Prost tinha anunciado que ia parar, e o Ayrton ocuparia sua vaga, mas soube-se naquela semana que o contrato do Prost era mais longo, ele só pararia se quisesse. O Prost até disse que o seu "herdeiro" natural na Williams era o Ayrton, mas fez questão de prolongar o sofrimento dele por uma semana. Foi o período em que nós menos dormimos, um stress permanente. Mas o Prost saiu mesmo, deixando o lugar para o Ayrton. Não sei se em circunstâncias opostas o Ayrton abriria passagem para o Prost na carreira.


PLAYBOY: Ir para a Williams significava entrar na última etapa da carreira? O Senna pensava em parar?


ADRIANE: Não podia ser a última etapa, porque ele tinha o sonho de encerrar a carreira na Ferrari. Na cabeça dele, a Ferrari viria logo em seguida à Williams, porque ele imaginava parar só em 1998.


PLAYBOY: Você achava que ele deveria parar logo, para curtir a vida?


ADRIANE: Apesar do medo, dos sobressaltos, o que eu achava mesmo é que ele devia fazer o que gostava. Confesso que naquele 1º de maio [de 1994, dia em que Senna morreu], quando falei com ele pelo telefone antes de começar a prova, tive vontade de dizer: "Você é o único que pode cancelar essa corrida". Estava todo o mundo traumatizado com a morte do [piloto austríaco Roland] Ratzenberger no treino da véspera. O Rubinho Barrichello também tinha dado uma batida, escapou por um triz. O Ayrton estava muito chocado com isso tudo, e acredito que todos os outros pilotos também. Não sei, talvez a gente às vezes se subestime. Eu, por exemplo, fico travada, com medo de meter o nariz onde não sou chamada. Falando comigo pelo celular, o Ayrton tinha todas as informações, sabia avaliar como ninguém os riscos, estava totalmente concentrado na prova, na estratégia da largada... Quem era eu para dizer "cancela a corrida"?


PLAYBOY: Você foi a última pessoa conversar com Senna?


ADRIANE: Não. Fora a checagem de rotina com a equipe, no grid, acho que a última conversa foi com o Prost.


PLAYBOY: Logo com o Prost, o arquirrival?


ADRIANE: Rivais, sim, até quase inimigos durante um bom tempo. Houve um período em que o Ayrton não mencionava sequer o nome do Prost. Referia-se a ele como "o anão". Mas um respeitava demais a competência profissional do outro. Por isso eu defendi o Prost quando o criticaram por ter vindo ao funeral. Disseram que ele estava sendo oportunista.


PLAYBOY: E como foi o papo dos dois antes da largada?


ADRIANE: O Ayrton já estava sentado no carro quando o Prost foi cumprimentá-lo e desejar boa prova. O Ayrton disse: "Sinto saudade de você". Ele não estava sendo gentil, como retribuição ao cumprimento. Ele estava sendo sincero. De fato, sentia falta dos pegas com o Prost, um estimulava o outro a ser cada vez melhor.


PLAYBOY: Voltando a vocês dois: o Senna era ciumento?


ADRIANE: De certa forma, sim. Certa vez vesti uma saia bem curta e ele ironizou: "Que coisa antiga! Essa saia era quando você tinha 10 anos?" Eu havia comprado na véspera. Troquei de saia e assimilei o comentário.


PLAYBOY: E a sua autodeterminação, onde foi parar? As feministas não aprovariam essa submissão.


ADRIANE: O feminismo acaba no primeiro pneu furado.


PLAYBOY: Alguma vez o Senna disse que queria se casar com você?


ADRIANE: Explicitamente, não. O que acontece é que nós vivíamos juntos há mais de um ano, nos amávamos loucamente e tenho certeza de que ele não fazia planos de se casar com outra mulher. Por isso, quando ele dizia que no futuro queria ter filhos, eu tinha todas as razões do mundo para crer que seriam os nossos filhos.


PLAYBOY: E você, pensava em se casar?


ADRIANE: Pensava naquele tempo e penso hoje. Quando era adolescente vivi uma época em que casar era careta, mas já então não concordava com isso. A moda era a produção independente, minhas amigas falavam que queriam ter filho, mas sem casar. Eu armava as maiores discussões. Sempre defendi o casamento e sempre achei que os meus filhos terão um lar bem convencional: papai, mamãe, cachorro. Acho que a figura paterna é fundamental para uma criança.


PLAYBOY: Depois que Senna morreu, quanto tempo você ficou sem fazer sexo?


ADRIANE: Seis meses. [Longa pausa; acende outro cigarro e seus olhos parecem dizer: "O que você tem a ver com isso?"] Fui para Portugal escrever o meu livro, o que me abrigou a remexer em toda a história recente da minha vida... Eu estava numa pior, sexo era um assunto que nem me passava pela cabeça. [Pausa.] Até porque não consigo pensar em sexo dissociado de amor, de romance.


PLAYBOY: Baita jejum!


ADRIANE: Confesso que depois do quinto mês comecei a considerar a hipótese...


PLAYBOY: Ah, bom...


ADRIANE: Não é o que você está pensando. Não é naquilo, assim... Na base do vamos lá. Pensava em reorganizar minha vida a partir do lançamento do livro. Sair da clausura afetiva em que me havia enfiado, voltar a ver pessoas, sair... Aquela coisa que a gente chama de "a vida continua".


PLAYBOY: Mas durante esse período de entressafra correu a boca pequena que o Romário [jogador de futebol] se ofereceu...


ADRIANE: [Rindo.] É, teve um assédiozinho do Romário, sim. Ele mandou um recado por uma amiga minha dizendo que gostaria de me conhecer.


PLAYBOY: Essa abstinência... Não era esquisito?


ADRIANE: Eu me sentia gorda, velha, um caco. Inconscientemente levantei uma muralha em torno de mim, o que desanimava qualquer aproximação. Um dia, estava andando na rua com minha mãe, passou um motoqueiro e fez um gracejo. Virei o rosto, ele me reconheceu e disse: "Desculpe, não sabia que era você". Aí pensei: nossa, preciso voltar a ser uma pessoa normal!


PLAYBOY: E você não pensava em ter pelo menos uma relação sem compromisso?


ADRIANE: [Olhos arregalados.] Não! Nem precisou. Eu conheci o Júlio e a minha vida recomeçou.


PLAYBOY: Ele tinha fama de ser um dos maiores garanhões do Rio de Janeiro.


ADRIANE: Eu sabia da fama, diziam que vivia assediado por mulheres. E o conheci quando fui entrevistada por ele em um programa de televisão. Ele veio com duas pedras na mão pra cima de mim, fazendo aquelas clássicas perguntas sobre oportunismo, exploração da memória do Ayrton... Foi bastante agressivo, mas não me incomodei. Já tinha me acostumado com isso.


PLAYBOY: Você gostou do gênero durão?


ADRIANE: Não foi isso. Gostei do gesto seguinte: ele me mandou flores para o hotel com um cartão muito gentil e um convite para um jantar em homenagem ao [tenor italiano] Luciano Pavarotti, que estava no Rio.


PLAYBOY: Longe das câmeras o discurso mudou?


ADRIANE: Saímos, depois fomos dar uma volta de carro e paramos numa praça, de frente para o mar — se não me engano, na Urca. Muito rapidamente percebi que ele não era nada daquilo que diziam. O Júlio não é nenhum filhinho de papai que sai por aí, pela noite, arrebatando corações. Ele também percebeu que eu não era aquela oportunista que a produção do programa de TV havia pintado. Houve, de parte a parte, uma identificação muito grande.


PLAYBOY: Em algum aspecto ele lembra o Senna?


ADRIANE: É o oposto dele. Quando começamos a namorar, ele me disse: "Não sou famoso, não sou rico, mas acho que comigo você vai ser feliz".


PLAYBOY: Quando você o conhecia só de fama, como imaginava que ele fosse?


ADRIANE: Eu imaginava: um cara bonito como esse, bem de vida, sempre rodeado de mulheres bonitas, não tem meio termo. Ou é um puro sangue ou então é veado [risos].


PLAYBOY: Na hora do vamos ver, deu cara ou coroa?


ADRIANE: [Simulando irritação.] Que coisa! O Júlio é um namorado extremamente carinhoso, gentil, bem humorado, culto e... puro sangue!


PLAYBOY: Ele mora no Rio e você em São Paulo. Casando, um dos dois vai ter de mudar de cidade.


ADRIANE: Tenho pensado nisso. O Júlio não pode deixar o Rio, os negócios dele estão lá, dependem totalmente da sua presença, do seu comando.


PLAYBOY: Em compensação, você é modelo e candidata a atriz. O Rio é uma ótima praça.


ADRIANE: Acontece que amo São Paulo, minha mãe está aqui, o meu eixo está aqui. Profissionalmente também é muito melhor São Paulo. As grandes agências [de modelos e de publicidade] também estão aqui. Vai ser uma decisão difícil.


PLAYBOY: Pode até não sair casamento?


ADRIANE: Acho que uma solução a ser tentada é a de ter uma casa lá e outra aqui, com a ponte aérea no meio — como, aliás, tem sido.


PLAYBOY: Você e o Júlio, dois arianos: são ambos detalhistas?


ADRIANE: E perfeccionistas. Agora, tem uma coisa que também admiro muito nele. O Júlio sabe respeitar e valorizar o meu espaço. Na minha atividade, não é todo homem que compreende. Eu vivo viajando, trabalhando, fotografando, gravando... Precisa ser alguém como ele, muito seguro a respeito da nossa relação, para conviver com esse dia a dia. Para mim, o maior complicador do casamento não é em que cidade vamos morar, mas a conciliação da vida conjugal com essa maratona permanente. Tudo que não quero na vida é um homem que me segure.


PLAYBOY: Você tem fama de briguenta, com esse nariz empinado aí.


ADRIANE: Fama, fama... Que nada, sou de boa paz, só não suporto injustiça e detesto mentira. Como eu disse, desde a morte do meu pai ficou para mim uma lição definitiva de nunca mentir. Só que eu sou extremamente crítica a meu respeito. Pode ter certeza: se eu der uma pisada de bola, antes que alguém fale alguma coisa já estou me penitenciando. Sei quando erro e não tenho o menor problema em pedir desculpas. E também agradeço quando um amigo me dá um toque, me chama a atenção para alguma coisa errada que eu esteja fazendo.


PLAYBOY: "Um amigo"? Você não tem amigas?


ADRIANE: Tenho, minha mãe. Amigona, conselheira, companheira. Tenho amigas, sim, mas vou dizer uma coisa: os homens são melhores amigos.


PLAYBOY: Assim... desinteressadamente?


ADRIANE: Sim, senhor. Os homens, em geral, são mais amigos de seus amigos homens, são mais solidários. Eles desenvolvem uma certa cumplicidade entre si. E também são mais amigos de suas amigas mulheres.


PLAYBOY: Em tese, por que as mulheres são assim?


ADRIANE: Por muitas razões, principalmente duas: a inveja e a insegurança. Mulheres invejam mais outras mulheres do que homens invejam outros homens. E também se sentem mais seguras em relação aos seus namorados e maridos do que o contrário. Outro dia minha mãe parou diante uma vitrine, no shopping, e lá estava um enorme pôster com uma foto minha. Duas garotas também estavam olhando e uma delas disse: "Detesto essa Galisteu". Minha mãe apurou os ouvidos. A outra menina perguntou porque e a resposta foi: "Porque o meu namorado vive falando nela, quer que eu pinte o cabelo dessa cor, quer que eu emagreça"... Deu pra entender?


PLAYBOY: Agora deu. No fundo a mulher tem mais é que confiar no próprio taco?


ADRIANE: [Risos.] Isso mesmo, se não é tão bonita, pode ser charmosa, inteligente, cativante, poderosa. Toda mulher tem alguma coisa especial, precisa é ir lá dentro buscar. Toda mulher é meio bruxa, não é?


PLAYBOY: Algumas são inteiras. Diga lá: você já foi cantada por mulher?


ADRIANE: Não exatamente. Mas, uma vez, no The Place, uma mulher me mandou um torpedo pelo garçom.


PLAYBOY: O que dizia o recado?


ADRIANE: Que eu tinha as pernas mais bonitas que ela já vira.


PLAYBOY: Não pode ter sido um comentário meramente estético?


ADRIANE: [Rindo.] Que nada! Ela tava almoçando sozinha e ficou o tempo todo olhando para mim. Se eu tivesse que fazer um elogio para uma mulher, coisa que acho supernatural, falaria com ela, numa boa. Nunca mandaria um torpedo.


PLAYBOY: E cantada de homem, tem algum tipo que você detesta?


ADRIANE: Tem, sim. Não é exatamente cantada, mas é uma atitude que considero muito cafajeste. Homem que faz isso, para mim não vale nada. É aquele tipo que está num restaurante, ou numa reunião social, e se coloca estrategicamente atrás da esposa, da namorada, para lançar olhares fulminantes para outras mulheres.


PLAYBOY: Qual é a receita da sedução?


ADRIANE: Simplicidade, naturalidade. Tem um anúncio que diz: ou você é, ou você não é. Perfeito. A única maneira de uma mulher irradiar fluidos positivos, se é que este é o jogo da sedução, é ser autêntica, ser ela mesma. Tem que agir com total e absoluta naturalidade. Nesse aspecto, acho que o melhor jogo é não jogar, não fingir, não tentar parecer o que não é. Não estou minimamente interessada nesse jogo, sou o que sou. Se me der vontade de sair com o meu cachorro, saio, posso estar de rabo de cavalo e camiseta, tênis velho, gostoso, não estou nem aí.


PLAYBOY: E a sua imagem, como é que fica?


ADRIANE: A minha imagem é a que está nas fotos e na tela da TV. A minha imagem diz respeito à minha pessoa jurídica, aos meus assuntos profissionais. Quando ando na rua, sou a minha pessoa física, uma mulher como qualquer outra que tem todo o direito de sair de cara lavada, por que não?


PLAYBOY: No imaginário das pessoas tem toda essa coisa de glamour.


ADRIANE: Você disse bem. No imaginário. Mas eu acho que uma profissional deve saber o que é realidade e o que é ficção. Se faço uma foto para um anúncio de lingerie, ou de xampu, sei lá, é claro que tenho que estar bem, tenho que me produzir, isso faz parte do trabalho. Seria ridículo depois sair do estúdio e desfilar na rua levando comigo aquele clima, você entendeu?


PLAYBOY: Você diria que vida de modelo não é tão glamorosa quanto as pessoas imaginam?


ADRIANE: Diria, não. Eu afirmo. É um trabalho como qualquer outro. Trabalho duro, cansativo, em alguns casos feito à custa de sacrifício.


PLAYBOY: Tirando aquela fase meia soquete, quando você ficou grandinha qual foi o seu primeiro trabalho como modelo?


ADRIANE: Foi uma série de fotos para uma campanha da Monizac, de calcinha e sutiã, usadas em outdoor. Eu tinha 15 anos.


PLAYBOY: É, verdade que as agências de modelos pressionam as meninas com essa questão de peso?


ADRIANE: É verdade, sim. Existe um padrão, uma relação altura/peso que é considerada ideal para você desfilar numa passarela. Acontece que ninguém vive numa passarela. Eu, por exemplo: por esse padrão, com um 1,74 metro de altura, deveria pesar 49 quilos. Se tivesse esse peso, eu seria um ET. Deus me livre. Estou com 55. O problema é que aqui se adotam padrões europeus e se esquecem de que a mulher brasileira tem bunda, tem curvas e mede, em média, 1,60 metro.


PLAYBOY: Você era pressionada para emagrecer?


ADRIANE: Não só para emagrecer, mas para mudar a sobrancelha, cortar o cabelo... A minha sorte é que a minha família estava sempre por perto, tomando conta. Fui criada no laço.


PLAYBOY: Além disso, o dia a dia deve ser cansativo.


ADRIANE: E casting e teste direto. Você anda com o book debaixo do braço, aí a agência te manda para uma produtora [de fotos, de comerciais de TV] que precisa de uma loira. Chegam cinquenta loiras, cada uma com seu book. Às vezes o cara [que escolhe] põe de cinco em cinco, de dez em dez, encostadas na parede e fica olhando até decidir quem vai fazer aquele trabalho. Isso pode levar um dia inteiro e você não ser escolhida.


PLAYBOY: Esse ambiente já é bem profissional, no Brasil, ou ainda predomina um certo amadorismo?


ADRIANE: Profissional... [pára para pensar] em termos. Existe uma praxe nesse meio que eu considero o oposto do profissionalismo. São os atrasos. Eu nunca chego atrasada a um compromisso. As modelos todas, salvo uma ou outra exceção, são bem pontuais. Marcou às 8 da manhã, lá estamos nós na hora combinada. Aí começa a encrenca. Espera-se o diretor de fotografia acertar a luz. Às vezes isso pode levar 3, 4 horas. Tem a espera da maquiagem, do guarda-roupa... Quando o diretor é muito estrela também costuma atrasar. Olha, eu gostaria de ganhar pelas horas que espero, em vez do cachê por horas trabalhadas.


PLAYBOY: Na TV é a mesma coisa?


ADRIANE: Sem tirar nem pôr. Eu tinha gravação na Manchete num sábado às 3 e meia. Telefonaram ao meio-dia dizendo que os preparativos estavam adiantados e que deveria chegar às 2 horas. Corri feito uma louca, peguei a ponte aérea e às 2 e cinco estava dentro da Manchete. A gravação começou às 6 e meia.


PLAYBOY: Como as agências fazem para conseguir tanta gente bonita?


ADRIANE: Hoje em dia a oferta é muito grande. [Joga o cabelo para trás.] A maior parte é de meninas que procuraram agência, e não o contrário. Elas chegam com seus sonhos, com suas ilusões — como eu, 10 anos atrás. Muitas vêm de longe, escondidas dos pais, para tentar a sorte em São Paulo. As agências gostam de ter sempre um número bem grande de garotas à disposição, embora somente um grupo mais reduzido tenha trabalho permanentemente. Com isso, as agências vão formando seus estoques. Botam catorze, quinze meninas num apartamento...


PLAYBOY: Alojamento de candidatas a modelo?


ADRIANE: Exatamente. Mas isso é o de menos. É melhor as meninas morarem juntas, sob controle, do que ficarem por aí, expostas aos riscos da cidade grande. O problema é que o controle da agência inclui a alimentação, o peso, tudo. É aí que muitas acabam perdendo a sua identidade, a sua personalidade, e viram outra pessoa. Foi contra isso que sempre lutei.


PLAYBOY: Por que você acha que foi um caso à parte?


ADRIANE: Porque eu comecei muito cedo, com 9 anos, e minha mãe estava sempre comigo. Quando cheguei ao ponto de ficar exposta àquelas pressões, já tinha quase dez anos de profissão, mas mesmo assim na agência o pessoal dava uns toques tipo "Olha lá, Adriane, pelo menos 4 quilos". Além do mais, eu não dependia totalmente desse trabalho. Também fui comerciária, trabalhava na Yes Brazil [loja de roupa jovem nos Jardins] e ainda fazia recepção em feiras no [pavilhão de exposições do] Anhembi.


PLAYBOY: Você faz várias coisas ao mesmo tempo. Isso também atrapalha?


ADRIANE: Bagunça a minha vida, mas não a dos outros. De fato, eu tenho esse problema de assumir muitos compromissos no mesmo dia, na mesma semana. Até hoje não consegui montar uma agenda decente. Reconheço que sou péssima nisso. Agora, tem uma coisa: eu me viro, acordo cedo, cumpro horários e chego a cada lugar com um sorriso de quem está leve e solta, como se cada compromisso fosse o primeiro do dia.


PLAYBOY: Você acha que sua carreira de atriz tem futuro?


ADRIANE: Posso dizer que estou me esforçando ao máximo [no papel da desmemoriada Clara da novela Xica da Silva, da Rede Manchete]. Antes que alguém me critique, aviso que tenho uma autocrítica implacável. Tanto tenho que recusei o convite do Roberto Irineu Marinho [vice-presidente executivo das Organizações Globo] para entrar numa novela da Globo. Não estou preparada para contracenar com um Lima Duarte. Mas tive na Manchete, com Xica da Silva, o melhor professor que alguém poderia desejar, o diretor Walter Avancini.


PLAYBOY: E, agora, você vai investir na carreira de atriz?


ADRIANE: Não tenho um plano de vôo traçado. Antes de entrar na novela Xica da Silva, perguntei ao Avancini se devia fazer algum treinamento, alguma coisa para assimilar a personagem, a Clara. Ele desaconselhou: "Tudo o que eu quero é você fria, sem vícios, em estado bruto. Quero você assustada, com medo do set, com medo de mim. Gosto de trabalhar com quem tem medo de mim". Achei maravilhoso. Agora vamos ver o que vai pintar nesse terreno. Por enquanto, estou empenhada no novo livro e no vídeo.


PLAYBOY: Os críticos caíram de pau na sua performance na novela...


ADRIANE: A maioria dos críticos tem má vontade comigo. Não sei por que, mas essas pessoas não se conformam com o fato de eu ter namorado o Ayrton e ter ficado famosa por causa disso — como se tivesse cometido um crime hediondo ao amar um homem que todos amavam. Noto nessas pessoas um certo rancor, como se eu fosse a responsável pela tragédia de Imola.


PLAYBOY: Quem são "essas pessoas" que torcem contra você?


ADRIANE: Eu mesma tenho dificuldade para identificar em um grupo social, digamos assim. Sei é que não são as pessoas simples, as pessoas comuns do povo, porque noto nas ruas um comportamento totalmente diferente. Levo uma vida normal, vou ao supermercado, ao shopping, saio com o meu cachorro — e quando as pessoas me reconhecem, me dirigem sempre um gesto de carinho, do tipo "Vai firme, menina"!


PLAYBOY: Como andam suas relações com a família Senna?


ADRIANE: Não andam. Não existem. Eles lá e eu cá. [Pausa.] Compreendo, faço enorme esforço para compreender... [Acende um cigarro.] Acho que com o tempo eles vão rever certos preconceitos. Outro dia encontrei por acaso o Leonardo [irmão de Senna], ele me abraçou e beijou, foi muito legal.


PLAYBOY: Você quer uma reaproximação?


ADRIANE: Quero ser feliz e que eles também sejam — com ou sem reaproximação. Eles perderam um filho que era um deus, um gênio, era a fonte da alegria, a fonte do dinheiro, a fonte da felicidade. Eu não era da família, mas havia conquistado um lugar especial no coração do Ayrton, fui uma últimas pessoas com quem ele conversou, minutos antes de morrer. Eu estava em Portugal e nos falamos pelo celular. Um dia vou ter um filho e tenho certeza de que não vou agir como agiram comigo.


PLAYBOY: Fora aquela cena que o mundo inteiro viu pela televisão, no funeral do Senna, aquele gelo que a família dele deu em você, houve alguma palavra, algum gesto hostil?


ADRIANE: Não gosto de remexer nessas coisas... Do fundo do meu coração, não desejo nenhum mal para eles. Já sofreram muito, e eu também. Não se pode apagar o passado, mas o melhor é que cada um viva a sua vida e, sobretudo, respeite a memória de alguém que era tão bom, tão sincero...


PLAYBOY: O que passava pela sua cabeça durante o velório?


ADRIANE: Eu só pensava nele, na perda imensa. Estava completamente destruída. Quem me tirou do fundo do poço foi o Braga, que me disse: "Eu estou com você, garota, conta comigo". O Prost também me deu a maior força.


PLAYBOY: Ficou a impressão de que, no funeral, houve uma competição de viuvez entre você e a Xuxa.


ADRIANE: Eu não estava competindo com ninguém. Minha vida tinha ido para o caralho [enfática] . No velório, o cerimonial botou nomes nas cadeiras e eu me sentei onde estava escrito, Adriane. Na cadeira ao lado estava escrito Xuxa. Não nos falamos. Não tinha nada a falar com ela, só conseguia rezar. Depois a família levou a Xuxa para junto deles. Problema deles. Fiquei na minha.


PLAYBOY: É verdade que a família tentou subornar você?


ADRIANE: Suborno é uma palavra muito pesada. Mas, no dia seguinte ao enterro, eu estava na fazenda do Braga, no interior de São Paulo, e aconteceu um episódio extremamente desagradável. A mãe do Ayrton foi até lá e me ofereceu um envelope com um maço de dólares, 5.000 ou 10.000: "Isso é para você recomeçar a sua vida".


PLAYBOY: Não pode ter sido apenas um gesto de generosidade? Depois da hostilidade da véspera, não pode ter sido uma tentativa de aparar arestas?


ADRIANE: Se foi, me desculpe, mas aconteceu na hora errada, com a pessoa errada. Eu disse a ela: "O seu filho ainda está quente na cova e a senhora vem aqui... por favor, vá embora".


PLAYBOY: Afinal, você aceitou ou não aceitou o dinheiro?


ADRIANE: [Ofendida.] Claro que não!


PLAYBOY: Na hora você pensou que aquilo era um cala boca?


ADRIANE: Aquilo era consequência do fato de estarem todos pirados, com a cabeça fora do lugar, totalmente desnorteados. Estavam todos tão abalados que qualquer atitude impensada pode perfeitamente ser entendida, desculpada. Não quero mais falar sobre isso.


PLAYBOY: Alguém testemunhou a cena do envelope?


ADRIANE: O Braga testemunhou. E, para desanuviar o ambiente, ele fez um comentário irônico, de banqueiro.


PLAYBOY: O que ele disse?


ADRIANE: "Está faltando zero aí".


PLAYBOY: Foi a última vez que você esteve com a mãe do Senna?


ADRIANE: Não. Dias depois nos encontramos no apartamento dele, na Rua Paraguai, onde vivemos meses e meses de enorme felicidade. Fui tirar roupas minhas de lá. Ela soube que eu ia e também foi.


PLAYBOY: Foi outro encontro desagradável?


ADRIANE: Dessa vez foi diferente. Haviam passado uns dez dias, todas as cabeças estavam mais frias. Ela estava muito abatida e tinha uma Bíblia na mão. Eu chorei no colo dela, como se fosse no da minha mãe. Peguei as minhas coisas e perguntei a ela se podia ficar com o pijama e a escova de dentes do Ayrton. São as únicas coisas dele que ficaram para mim e que tenho até hoje. Saí dali e nunca mais a vi. Chovia pra cacete e, ao me despedir do porteiro do prédio, ele caiu num choro convulsivo, não conseguia parar. Nunca mais passei pela Rua Paraguai.


PLAYBOY: Você diz que não vende souvenirs do Senna, que vive do seu trabalho. O que acha da exploração comercial do nome dele?


ADRIANE: Não acho nada. Não falo sobre esse assunto.


PLAYBOY: Tem a Fundação Ayrton Senna, que ajuda crianças carentes. Isso não é louvável?


ADRIANE: Não sei, não quero falar. O máximo que posso dizer é que ele ajudava muita gente, mas não fazia propaganda disso. Nem para mim ele dizia. Fazia tudo na moita. Depois de um certo tempo, descobri que ele tinha dado uma baita contribuição para a ala de crianças do Hospital das Clínicas [da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo]. Mas não fez evento de inauguração, não plantou notinha em coluna de jornal, não chamou a imprensa. Ele era assim. Fazia o bem sem pensar em promoção pessoal.


PLAYBOY: Você acabou ficando com a imagem de 'a namorada do Senna". Como seus amigos reagiram quando começou a namorar o Júlio?


ADRIANE: Levei o Júlio até o Braga e a mulher dele.. a Luiza. Eles me apoiaram da mesma forma como haviam apoiado quando caí no fundo do poço. Amo os dois de paixão, sou capaz de fazer qualquer coisa... qualquer coisa por eles. No dia em que eu me casar, faço questão de que os dois estejam comigo na igreja. Eu os considero pai e mãe.


PLAYBOY: Sua mãe não fica com ciúme?


ADRIANE: Ela sabe que naquele momento [quando Senna morreu] eu precisava muito mais do que um colo. Precisava de uma ajuda, digamos... racional. Eles me deram isso e muito mais. Minha mãe também os adora.


PLAYBOY: Ela não mora com você, mas está sempre por perto, não é?


ADRIANE: Mamãe é a minha sombra, e eu a dela. Quando fui convidada a posar para PLAYBOY, disse que tinha medo e pedi a opinião dela. Ela me acendeu um sinal verde: "Só tem medo quem tem responsabilidade. Vai em frente".


PLAYBOY: Foi uma boa experiência na sua vida?


ADRIANE: Maravilhosa! Nós fomos para a Grécia e, mal chegamos lá, o Duran [J.R. Duran, fotógrafo, autor do ensaio, publicado por PLAYBOY em agosto de 1995] se isolou do grupo. Aí eu o vi desenhando. Quando ele me viu escondeu os desenhos, mas agora vou entregar... Ele estava desenhando as cenas tal como queria fotografar do dia seguinte em diante! Além de um puta fotógrafo, o Duran também é um puta desenhista.



ADRIANE: Do Duran, claro! Eu até não queria, mas ele me convenceu a posar. Ele disse que o importante não era o ato de fotografar, era a hora de selecionar as fotos a serem publicadas. Quando voltamos para São Paulo, no dia da seleção, adivinhe de qual foto o Duran disse que tinha gostado mais? Ganha uma lâmina de barbear quem acertar [risos].


PLAYBOY: Na vida real você se depila daquele jeito?


ADRIANE: Não no sofá, na sala, como aparece na foto. Eu me depilo no banheiro.


PLAYBOY: Não estava me referindo ao local, mas ao jeito.


ADRIANE: [Gargalhando.] Caiu a ficha! Você quer saber se eu depilo... Ali? Sim senhor, eu depilo ali, na virilha, com lâmina de barbear.


POR OSVALDO MARTINS

FOTOS CACALO KFOURI


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1 Comment


Guest
Feb 14, 2022

Entrevista maravilhosa!! Ela já mostrou a que veio e falou a boca de muita gente que achou que ela só teria os “15 minutos de fama”.

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