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XUXA | AGOSTO, 1996

Playboy Entrevista

Uma conversa franca com a rainha dos altinhos sobre Senna,

Pelé, Michael Jackson, sexo, amor ideal, carência afetiva,

cachorros na cama e outros bichos.


Deixe para trás os trombadinhas e os camelôs, as obras nas calçadas, as garotas à beira-mar e as ondas azuis clareando na areia. Deixe para trás o inferno e o paraíso do Rio de Janeiro, porque nós vamos mais além. No alto de uma montanha, dezenas de quilômetros ao sul da Zona Sul da cidade, existe uma rainha que se alimenta de pipoca e chocolate. Como no tempo em que havia vida nos castelos, está tudo lá: os guardas, os muros altos, alamedas de flores, piscinas redondas de pedra e flamingos que se movimentam quadro a quadro, como num filme congelado. Sobe-se a estrada de Jacarepaguá, numa sucessão de curvas, e bate-se na entrada da mansão, que parece arquitetada por um cenógrafo de Hollywood — o portão é descomunal e sustenta dois brasões onde estão desenhadas as letras XM. Xuxa Merteghel. É aqui que ela mora.


Xuxa vive sozinha num palacete cor de rosa de cinco quartos, a Casa Rosa, que antes dela pertenceu ao falecido cirurgião plástico Rogério Henrique Garraio e fica encravada no meio de um terreno de 70.000 metros quadrados. A 50 metros da sede está uma réplica do casarão, numa versão de três quartos, onde vive parte do clã da artista: o pai Luís Meneghel, capitão da reserva do Exército, uma irmã dele chamada Cleci e um sobrinho, Chester. Perto da casa dos agregados fica a garagem, onde a divisão é clara: de um lado espremem-se os Fiat, Gol e outros carros dos familiares e dos empregados domésticos; no outro, perfilam-se os quatro bólidos da apresentadora — dois Audi V-8, um Mitsubishi e uma Cherokee. Mas para percorrer os sete hectares da propriedade, avaliada em até 8 milhões de reais, Xuxa e seus convidados se valem de dois silenciosos carrinhos elétricos, daqueles utilizados nos campos de golfe. Com eles, sobe-se por uma alameda que passa por uma piscina, uma sauna, uma choupana com um sushi-bar, um quiosque com churrasqueira e por fim dá num heliporto.

Dali do alto Xuxa pode voar para outros dos seus domínios: a Ilha Catitas, que comprou em Angra dos Reis, ou a fazenda de 350 hectares em Rio Bonito, no interior fluminense, onde cria gado leiteiro. Ou, ainda, o sítio de 10 hectares em Pedra da Guaratiba, no município do Rio, onde mantém duas relíquias — um zoológico particular e uma casa atulhada com tudo o que já ganhou dos fãs em treze anos de estrelato na televisão. Nesse sítio, que não fica longe da fundação em que alimenta e dá estudo diário para 250 crianças carentes, a um custo de 600.000 reais por ano, Xuxa costuma passar boa parte das suas tardes livres. Ela se fecha sozinha na casa, relendo cartinhas apaixonadas e mexendo em painéis, quadros, bonecas, fitinhas coloridas e badulaques de todo tipo. Mais do que qualquer coisa que possa comprar, estes são os seus tesouros favoritos. O resto todo ela tem à mão, mas amor não é tão fácil.

A artista que fatura 1 milhão de reais por mês surpreendeu a todos, no fim do ano passado, ao se confessar pobre de amor. Em seu programa Xuxa Park, exibido pela Rede Globo nas manhãs de sábado, revelou que estava disposta a ter um filho por inseminação artificial, sem conhecer o doador do sêmen. Estava cansada de esperar por um príncipe encantado — uma constatação amarga, acima de tudo, para quem quase sempre conseguiu o que quis. Essa gaúcha de 33 anos, nascida em Santa Rosa do Sul, batizada Maria da Graça por ter sobrevivido a um parto difícil e crescida na Zona Norte carioca até chegar a 1,77 metro de formas perfeitas, conseguiu ser o máximo em praticamente tudo o que se propôs fazer. Primeiro venceu como modelo, depois como vendedora de discos (15 milhões de cópias até hoje) e como apresentadora de TV, desde sua estréia na Rede Manchete, em 1983. Na ocasião, Xuxa começou uma parceria aparentemente indissolúvel com Marlene Mattos, uma ex-professora primária maranhense de 44 anos que orienta toda a sua carreira e boa parte da sua vida pessoal.

Esse, sim, foi um casamento que deu certo: pelas mãos de Marlene, que recebe 20% da maioria dos seus contratos e é sua sócia numa série de empreendimentos, Xuxa chegou a ter simultaneamente um programa diário na Rede Globo, outro gravado na Argentina e distribuído para dezessete países da América Latina, um semanal na Espanha e outro diário nos Estados Unidos. O programa americano foi, aliás, o único fracasso profissional de Xuxa, iniciado e encerrado em 1993. Ela explica que se sentiu sem domínio suficiente do inglês para lidar com as crianças americanas que, desabituadas ao calor latino, limpavam o rosto com um certo horror cada vez que a animadora, como sempre faz com seus pequenos fãs, lascava um beijo nas suas bochechas. "Fiquei presa, estranhando tudo", conta Xuxa. A aventura, que culminou com uma séria crise na coluna, responsável por sua internação num hospital em Nova York, serviu para que Xuxa repensasse não só a carreira como a vida afetiva, na qual ela também acumulou alguns desencantos em romances como os que manteve com os astros esportivos Pelé e Ayrton Senna.


Xuxa já tinha falado longamente a PLAYBOY em 1983, quando era venerada como um dos maiores sex-symbols do Brasil, mas apenas engatinhava na televisão. Para entrevistar esta mulher ainda mais fascinante em que Xuxa se transformou de lá para cá, PLAYBOY destacou o editor-contribuinte Guilherme Cunha Pinto, que conviveu com ela durante uma semana, resumida nas seguintes anotações:

"Fizemos quatro sessões de gravações. A primeira num terraço da Casa Rosa, numa ocasião em que ela vestia jeans, botas brancas e uma camisa de abotoar. Maria do Rosário, a governanta alagoana de 50 anos que cuida dela como de uma filha, serviu suco de melão, chás, pipoca com queijo cheddar e, por fim, um pote de cristal com chocolates Garoto sortidos. Perto da meia-noite, depois das primeiras 3 horas de entrevista, Xuxa interrompeu a gravação para fazer ginástica. Antes de irmos embora, Marlene Mattos me levou para conhecer a propriedade, ela própria guiando um carrinho de golfe na noite silenciosa, entre as sombras das árvores e dos guarda-costas espalhados por todo o terreno.

"Continuamos a entrevista duas noites depois. Xuxa não acorda antes do meio-dia —, na sua suíte num hotel em São José do Rio Preto, no interior paulista. Nessa rodada, Xuxa vestia um abrigo cinza, de lãzinha, e havia um grupo de guarda-costas vigiando o corredor do hotel. A terceira sessão, na semana seguinte, foi durante um vôo de São Paulo para Porto Alegre num Lear Jet que a empresa de alimentos Arisco deixa à disposição de Xuxa; num beneficio adicional a um contrato de publicidade que vale em torno de 5 milhões de reais por ano. Durante o voo, Xuxa não tocou na colorida cesta de sanduíches que passou de mão em mão — os sanduíches de frango embrulhados em papel alumínio azul, os de peixe em alumínio prateado. Ela tem alergia, repulsa a carne vermelha em geral, e também rejeita carne de frango desde que viu num documentário como as aves são abatidas.

"Terminamos a entrevista na própria noite da viagem, na suíte de seu hotel em Porto Alegre, num intervalo de seu encontro com um grupo de primos e sobrinhos gaúchos. Na tarde seguinte, Xuxa visitou um hospital infantil da capital gaúcha. Uma das crianças internadas, uma garotinha de 5 anos chamada Mariana, que sofre de hipotermia — quedas de temperatura para 33 graus —, destacou-se da multidão, correu para agarrar a mão do artista e não a largou até o fim da visita. Na despedida, Xuxa levou um choque ao ser informada do nome inteiro da criança: Mariana Sena da Silva. Nascida, aliás, de mãe solteira, no Hospital Xuxa Meneghel, em Santa Rosa do Sul.

"Nos dias anteriores, Xuxa havia quebrado um longo silêncio e falado a PLAYBOY, como nunca em qualquer outra entrevista, sobre Ayrton Senna da Silva, sua última paixão. Por um instante, num corredor do hospital, ela fez aquele olhar para lugar nenhum, triste, de um azul abismado — o olhar de que existem coisas que só acontecem com ela."


PLAYBOY — Quando deu sua primeira grande entrevista para PLAYBOY, treze anos atrás, você tinha um apartamento no Grajaú [Zona Norte do Rio de Janeiro], duas casinhas na praia de Coroa Grande [no sul do Estado], um e três telefones. Hoje, você sabe tudo o que tem?

XUXA — Não. Sei que tenho muita coisa, mas não sei quantos apartamentos, onde e tal.

PLAYBOY — Você pode ter dez apartamentos no Rio, por exemplo?

XUXA — Não tenho ideia. Isso deixo sempre para a Marlene [Mattos] e para a Xuxa Produções. Às vezes, entra um dinheiro na firma e ela já compra no meu nome, entendeu? Mas nunca perguntei e nem quero saber.

PLAYBOY — Você pode ter um apartamento em São Paulo e pode não ter?


XUXA — Não sei. Por acaso fiquei sabendo, há pouco tempo, que tinha um em Miami. Estive lá e fui visitar um pessoa que trabalha para mim, a Lola. Comecei a elogiar tudo: "Que legal esse teu apartamento, que vista bonita!" Ela falou: "Não é meu, não. É teu." Eu não sabia! "É meu?" E ela: "É!" [Risos.]


PLAYBOY — Mas como é sua vida financeira? Você faz cheques ou não?


XUXA — Só cheque e cartão. [Repete, balançando a cabeça para a frente.] Só faço cheque e cartão. E quando entro num lugar não posso saber os preços, porque acho tudo caro. Uma noite entrei numa loja Versace, em Nova York — e o preço da Versace é uma coisa, não é? Peguei umas roupas, experimentei, achei lindas e dei o cartão. A mulher falou: "Você não quer saber o preço?" Respondi: "Não. Se me disser o preço não vou levar" [risos]. Quando cheguei em casa, liguei para a Marlene disse: "Comprei umas roupas lindas. Não me pergunte o preço."

PLAYBOY — Quando você não era tão rica e famosa, quais eram os seus objetos de desejo? Roupas?

XUXA — À noite eu só chorava. E rezava dizendo: "Um dia ainda vou ter muito dinheiro para comprar o que estiver fim". Queria comprar presentes para minha mãe, queria comprar coisas para mim e não podia. Uma vez, perto do Dia das Mães, fui a um supermercado em Bento Ribeiro [subúrbio do Rio] porque queria comprar umas bacias para a minha mãe bater bolo para a gente, para os cinco filhos. Queria tirar duas daquelas bacias de plástico, uma azul e uma rosinha, mas meu dinheiro não era suficiente. Então quis trocar o preço e um cara do supermercado me pegou. Chorei muito, pedi mil desculpas e disse que nunca mais eu iria fazer isso na vida. Hoje, saio de casa sem saber quanto vou ganhar. Não sei quanto ganho na Rede Globo, não sei nada. Quando vou fazer um comercial, não sei se dura 30 segundos, se dura 1 hora — faço da mesma maneira, porque sei que as pessoas que trabalham para mim brigaram para que eu ganhasse bem.

PLAYBOY — Desde quando a Marlene Mattos cuida de tudo para você?

XUXA — Quando eu era modelo, meu pai era o contador. Um ano e meio ou dois depois que comecei a trabalhar com a Marlene, na Rede Manchete, passei tudo para ela. No começo ela vinha com aqueles livros de débitos e créditos, quanto entrava e quanto saía por mês, porque queria que eu soubesse onde estava investindo. Falei: "Não estou a fim de saber." Simplesmente larguei na mão dela. É muito cômodo não querer, nem precisar saber.

PLAYBOY — Ainda voltando à sua primeira entrevista a PLAYBOY: treze anos atrás você disse outras coisas interessantes. Por exemplo, que poderia ficar seis meses sem sexo.

XUXA — Eu disse isso? Com 20 anos? Danadinha! [Risos.]

PLAYBOY — Depois, numa entrevista mais recente, você revelou que já estava há mais de dois anos sem relações.


XUXA — Quando a gente é jovem, pensa muito em transar. Em ficar com uma pessoa por ficar, ou para deixar as vontades em dia. Mas depois, quando a gente vai ficando mais velha, não há como fazer sexo — e sim como fazer amor. E isso a gente só faz quando gosta realmente da pessoa. Gosto muito do antes e do depois, sabe? O carinho que vem antes de transar. Gosto do depois, que é ficar agarradinha à pessoa. Fazendo o "S" da Sadia, aquele assim... [desenha um gesto no ar serpenteando a mão para o alto]. Sou carente de carteirinha, mas prefiro ficar sozinha do que mal acompanhada. Mesmo.

PLAYBOY — Mas você está há quanto sem se relacionar?

XUXA — Olha, vamos dizer assim: antigamente eu... [Faz uma pausa.] Acho, que isso não vem ao caso. O que importa é minha maneira de pensar. Só faço isso quando, realmente, gosto mais do que da ponta do nariz da pessoa. Se tiver essa química, essa essência no ar, e se achar que posso investir nesse relacionamento, aí pode acontecer.

PLAYBOY — Mas você entende a curiosidade? Um das mulheres mais lindas do mundo, morando sozinha numa casa cinematográfica, anuncia que procura um pai para o filho que quer ter... Criou-se urna expectativa internacional, até, em torno de sua vida íntima. Isso incomoda muito?

XUXA — Às vezes. As pessoas falam muito assim: "Ah, tadinha!" Esse "tadinha" me incomoda. Porque não sou "tadinha". Tenho a vida que escolhi e uma das coisas que não quero é ter um homem diferente a cada dia na minha cama. Se quisesse, isso poderia acontecer. Mas não quero. Não vou me forçar a nada para que parem de me chamar de "tadinha" ou parem de duvidar da minha sexualidade. Quero um namorado. Quero alguém por quem me apaixone. Uma pessoa que eu sonhe que possa ser o pai dos meus filhos, entendeu? É só isso. Mas como minha vida é pública, saem muitas notícias e parece que estou desesperada, à procura de um cara.

PLAYBOY — Você pensa muito ou pouco em sexo?

XUXA — Acho que o normal. O normal para uma pessoa de 33 anos, acho. Trabalho muito, penso muito no meu trabalho. Mas será mentira se disser que não penso em sexo. Afinal, ir para minha casa sozinha... Trabalhar com o sentimento de pessoas que demonstram carinho por mim o tempo inteiro, que falam: "Eu te adoro, eu te quero, eu te amo!" Já chego em casa com a minha carência gritando, entende? Com vontade de demonstrar o meu carinho por alguém. E quando não tenho essa pessoa... Quando vou dormir, sozinha, às vezes bate, sim. Dá uma vontade de ter alguém.

PLAYBOY — E isso você compensa de que maneira?

XUXA — Quando estou carente eu durmo.

PLAYBOY — Come chocolate e dorme?

XUXA — [Rindo.] Procuro dormir, rapidinho. Muitas vezes demoro. Fico lá com o olhão aberto, elétrica. E acabo fazendo muita ginástica, porque a energia tem de ir para algum lugar, não é? Fico 1 hora em cima de uma máquina, até sentir que estou um pouquinho cansada. Dormir bem para mim é muito importante. Preciso mais de dormir do que de comer. Falo para minha equipe: posso trabalhar 12, 14 horas — mas preciso dormir 10.


PLAYBOY — O que você precisa ter em torno para dormir bem?

XUXA — Gosto de dormir bem no escuro. Não entra uma claridade que seja, nem uma luzinha daquelas na televisão, nada. E no frio. Meu ar-condicionado é poderoso.

PLAYBOY — Poderoso quanto?

XUXA — Fica nos 12 graus.

PLAYBOY — Isso é Estocolmo. [Risos.] Doze graus! Então você dorme com lã.


XUXA — Não. Durmo sem roupa. Tenho muito calor.

PLAYBOY — Sem roupa, como a Marilyn Monroe? Só com duas gotas de Chanel número 5?

XUXA — Com dois vidros de Azzaro, porque sou exagerada [risos]. E um edredom por cima. O frio me faz bem. Tinha problemas no rosto, até que um dermatologista me explicou que minha pele pede o contraste entre o frio e o calor. Não é uma pele para o clima tropical.

PLAYBOY — É verdade que você dorme com seus cachorros?

XUXA — Com um, só. O Zé do Pimpo, aquele ali [aponta um Yorkshire Toy, de menos de dois palmos de comprimento].

PLAYBOY — Desculpe, mas não é meio mau-cheiroso, assim na cama?...

XUXA — Não. Só a boca, mas não durmo cheirando a boca dele.

PLAYBOY — Não corre o risco de você amassar o cachorrinho, se virando de repente em cima dele?

XUXA — Uma vez acordei para ir ao banheiro, levantei a coberta e ele voou longe [risos]. Ele viaja comigo na primeira classe, quando vou ficar muito tempo fora.

PLAYBOY — Xuxa, você sabe que se fala muito sobre sua sexualidade. Já se falou inclusive que você e a Marlene Mattos teriam um romance. Você pode dizer se isso é verdade?

XUXA — Ah, já falaram isso para mim. Para a Marlene também. Isso surgiu na época em que comecei a trabalhar na [Rede] Manchete. As pessoas falaram descaradamente, assim. A princípio me enchia um pouco. Até fiquei preocupada, me perguntando: "Será que eu tenho cara? Será que eu tenho jeito?" Já falaram que eu teria um caso com as Paquitas. Diziam que o caso era eu, Marlene e uma das Paquitas, porque a gente andava muito juntas. Da [cantora] Simone já falaram.

PLAYBOY — Você tem alguma dúvida sobre sua sexualidade?

XUXA — Não. Não, mesmo! Uma coisa que posso dizer que está resolvida na minha cabeça é essa. Tenho muitos amigos heterossexuais, homossexuais, bissexuais, trissexuais, entendeu? Assexuados também. Conheço um monte de gente. Posso dizer que se fico sozinha, é por opção minha. Mas sei muito bem o que gosto e o que quero. Não preciso provar para os outros que sou mulher. As pessoas que ficaram comigo poderiam responder melhor.

PLAYBOY — Você já teve alguma experiência homossexual?

XUXA — Não. Mas acho que não precisa ter experiência. Pode ter vontade.


PLAYBOY — E você já teve vontade?


XUXA — Não. Por isso é que estou falando. Já ouvi mulheres dizendo: "Nossa, aquela mulher é linda! Com ela eu teria um caso." Eu nunca senti isso.


PLAYBOY — Esses boatos podem ter aumentado depois que você anunciou a disposição de ter filho por inseminação artificial. Ficou a ideia de que não existe homem para você.

XUXA — Tanto existe que estou procurando. Nunca disse que um pai para o meu filho não é importante. O que eu disse é que quero ter um filho, e o meu relógio está avançando para um limite — por tudo o que li, pelos médicos que ouvi, o ideal é uma mulher ter o seu primeiro filho até os 35 anos de idade. A partir daí, a gravidez passa a ter algum risco. E, se existe uma chance de colocar em risco a vida de uma criança, por que não tê-la antes? Isso que estou dizendo não é uma história desesperadora, de uma pessoa carente, querendo preencher a vida com o capricho de ter uma criança — e sim de uma mulher que tem vontade de fazer uma família.

PLAYBOY — Mas não seria fundamental achar o pai antes?

XUXA — Uma família pode ter pai ou não. O difícil é não ter mãe. Quero me apaixonar. Evidentemente, quero ter alguém. Mas, se não aparecer, vou ter essa criança sozinha.


PLAYBOY — Você poderia adotar uma criança, depois de encontrar o parceiro — seja lá com que idade for.

XUXA — Mas primeiro não sei se vou encontrar o parceiro. E, se encontrar depois de ter a criança, ele vai aceitar meu filho como se fosse seu — se não for capaz disso, em princípio, já não serve para mim. Se eu adotasse uma criança, ela não saberia quem é o seu pai e a sua mãe. Já se eu tiver o filho por inseminação in vitro, ele vai conhecer ao menos a mãe.

PLAYBOY — Como as pessoas perto de você reagem a esse seu projeto? Seu pai, sua mãe, a Marlene...

XUXA — A Marlene é contra. Ela acha que a criança deve ter um pai e ponto. Não importa se eu goste ou não goste. Já o meu pai eu não sei o que acha. Não falo muito com ele.

PLAYBOY — Mesmo ele morando ao seu lado, vocês não se falam?

XUXA — A gente se vê muito pouco. Fiquei sete anos sem falar com ele, virou uma coisa meio esquisita... [Referência a um rompimento acontecido em 1988, quando o pai de Xuxa, Luís Meneghel, foi flagrado num romance com uma garota chamada Ana Lúcia Rocha Borges — depois de ter negado para a família que estivesse vivendo uma relação extra-conjugal. No ano passado, houve uma reconciliação pública entre Xuxa e o pai no programa que comemorou o 33° aniversário da apresentadora]. Quando meu pai voltou, quando ele reentrou na minha vida, eu já tinha meus bichos que não o reconheciam. Eu mesma não o reconhecia, porque ele tinha um outro jeito, outra maneira até de sentar, de falar, tinhas as novas amizades dele. Houve uma quebra de intimidade, de confiança mesmo. E sinto que tenho uma dificuldade em perdoar, descobri isso em mim.

PLAYBOY — E a sua mãe?

XUXA — Minha mãe mora na Espanha desde que se separou, e buscou saber os lugares onde a inseminação pode ser feita na Europa. Na Espanha nenhuma clinica tem os genes que quero. Na Alemanha e na França tem.

PLAYBOY — Que genes são esses? Você faz questão de algum tipo físico?


XUXA — Não tenho o menor preconceito, mas já que fazendo inseminação vou ser o pai e a mãe da criança, quero que ela seja o mais parecida possível comigo. Os genes da minha família são uma mistura de alemão, austríaco, italiano e polonês. [Sonhadora.] Estou doida pra ver se vai nascer com a ponta do meu nariz, se vai nascer com pouco cabelo, como eu, ou se vai nascer com muito...

PLAYBOY — Mas, afinal, qual é a dificuldade para encontrar um amor na vida, que evitaria essa decisão drástica?

XUXA — Encontrar a pessoa certa não é fácil para ninguém, e ainda é menos fácil para mim.

PLAYBOY — Você acha que os homens têm algum medo de se aproximar?

XUXA — Acho que, normalmente, os homens se aproximam de mulheres que dependem deles, não é? E eu dependeria de um homem só afetivamente, porque o resto todo eu tenho. Não dependo de um homem que me sustente. Pelo contrário. Então acho que inibe, que é uma responsabilidade o cara já chegar pensando: "Poxa, será que eu vou conseguir fazer a Xuxa feliz? Porque ela não precisa de mim para nada! O dia em que estiver um pouco triste ela vai me dizer `tchau'." Entendeu? Ele precisaria ter uma estrutura muito forte para aguentar tudo o que vem comigo, tudo o que vão dizer, o que vão vasculhar na vida dele. Se o cara não tiver dinheiro, vão dizer que quer o meu dinheiro. Se for rico, vão dizer que quer a fama. Se for do meio artístico, vão dizer que quer aparecer... Coitado. Coitado do cara!

PLAYBOY — E os seus medos, quais são?

XUXA — Acho que muitas pessoas que chegam perto de mim, ou declaram que gostariam de estar comigo, me vêem como um objeto, um troféu. Tenho de me preservar. Não é que eu queira virar poesia na cabeça das pessoas, mas também não quero ser um objeto na mão de ninguém. Porque a pessoa vai sair dizendo "Eu comi a Xuxa!", em vez de dizer: "Eu fiz amor com ela." Já me falaram: "Ah, você não pode encucar com isso, senão não vai se relacionar com ninguém." Mas imagina se eu não fizesse isso: tem gente que se especializa, é profissional em enganar os outros! De fazer um esqueminha assim: "OK, a Xuxa gosta de atletas, então vou ajeitar o meu corpo. Ela não gosta de quem fume nem beba, então vou dizer que não bebo nem fumo." E a minha carência é tão grande, a vontade de encontrar alguém, o medo de ficar sozinha... Eu tenho esse receio. Um dos meus medos é ter procurado tanto, tanto — e cair de cara na lama.

PLAYBOY — Como você pensa em ter a garantia de que encontrou a pessoa certa?

XUXA — Não sei... Já racionalizei muito, já achei que ele deveria ter isso ou aquilo, mas hoje acredito que a única coisa fundamental é que goste muito de mim. O resto eu mudo [risos]. Deve ter, em algum lugar, uma pessoa em quem vou bater o olho e sentir: "É esta!" Acho que deve ser aquele amor fulminante, porque é besteira, é demagogia eu ficar dizendo para as pessoas que quero um tempo para a gente se conhecer bem, sair de mão dada... Não dá. Estou com 33 anos. O cara que vai me namorar eu vou botar dentro da minha casa, entendeu?

PLAYBOY — Parece simples, desse ângulo.

XUXA — Mas é muito complicado, porque é difícil as situações acontecerem com naturalidade. É só eu sair uma noite com um cara, para jantar, as pessoas já dizem que esse cara vai ser o reprodutor, o pai dos meus filhos! É muito, não é?

PLAYBOY — Há algum tempo, a Folha de S.Paulo publicou a foto de um empresário paulista, o ex-modelo Luciano Szafir, informando que seria seu novo namorado.

XUXA — Ah, o Luciano eu conheci antes do Ayrton [Senna]. A gente se conheceu numa sessão de fotos para a revista NOVA. Rolou um climinha, assim. A foto era de três homens me agarrando. Em quase todas as fotos eu estou olhando mais para ele — moreno, bonitão... [risos]. Uma das fotos era de um beijo e eu fiz com ele. Quando acabou, o fotógrafo disse: "Tá bom!" E a gente continuou lá, se beijando.

PLAYBOY — Um beijo de verdade?


XUXA — Foi. Eu não sou atriz! [Risos.] Aí a gente ficou um pouco, saiu um pouquinho. Mas ele era muito jovenzinho para mim, a cabeça era outra. Na época, ele tinha 20 anos e eu 25. PLAYBOY — Vocês só se reencontraram agora?

XUXA — Em seguida conheci o Ayrton e a gente ficou namorando. Nunca mais tinha visto o Luciano, mas ele continuava falando com minha mãe e com algumas pessoas que trabalhavam comigo. Recentemente fui fazer umas fotos para a NOVA, outra vez, e ele estava lá. A gente saiu para jantar, com o fotógrafo, a mulher do fotógrafo e tal. No outro dia, já foi publicado que a gente estava namorando.

PLAYBOY — E não é verdade?

XUXA — Não é verdade. No outro dia, fiz fotos para a ELLE, e ele estava lá também. O Luciano se modificou, está mais homem, mais bonito. Queria conhecê-lo, mas não dá, entendeu? Nem dá para conhecer, porque as pessoas já dizem que vai ser o homem que... Já me sinto mal. É uma coisa esquisita, não dá nem tempo de conhecer alguém. As pessoas já te casam, te separam.

PLAYBOY — Sabe uma impressão que fica? Que uma pessoa comum nunca vai ter chance com você. Pensando nos seus namorados, ou são celebridades como Pelé e Ayrton Senna, ou modelos de beleza; como esse rapaz. É isso?


XUXA — Não, não é. As coisas simplesmente aconteceram. O encontro com o Pelé foi por acaso, a gente se conheceu numa fotografia que fui fazer. E no caso do Ayrton foi ele quem buscou, de todas as maneiras, chegar perto de mim. Eu me apaixonei por duas figuras conhecidas, mas pode pintar qualquer pessoa.

PLAYBOY — A aparência não é importante? Se não for um sujeito bonitão...

XUXA — E tu acha o Pele bonitão?

PLAYBOY — [Confuso.] O Pelé?

XUXA — Na época eu achava ele o máximo! Lindo. Mas já achava e continuo achando o pé dele horrível. O resto eu achava maravilhoso. Entendeu? PLAYBOY — Você não gosta dos pés do Pelé?

XUXA — São horríveis.

PLAYBOY — Aqueles pés que fizeram...

XUXA — Horríveis. Parecem garras.

PLAYBOY — Aqueles pés ganharam três Copas do Mundo!

XUXA — Uma mulher que gosta de pé não pode olhar para o pé dele.

PLAYBOY — Você deve ser a única pessoa do mundo que não admira os pés do Pelé.

XUXA — Eu dizia para ele: "Se um dia tu arrumar uma namorada que tenha tara por pé, tu tem de ficar de meia." Você não viu o pé dele [risos].

PLAYBOY — Você e o Pelé namoraram durante seis anos, no começo da sua carreira. Agora faz tempo que não se falam?

XUXA — [Séria.] Eu não falo mais com ele. Faz tempo, já.

PLAYBOY — Foi por causa da entrevista que ele deu para PLAYBOY três anos atrás? [Nessa entrevista, em meio a diversos outros comentários e afirmações sobre Xuxa, Pelé disse que ela teria revelado ser virgem quando os dois se conheceram no início da década de 80. E que a teria aconselhado a "resolver esse problema" antes de se envolver com ele.]

XUXA — Não. Foi por uma série de coisas que aconteceram.

PLAYBOY — Mas e o que ele falou na entrevista?

XUXA — O Pelé faz parte da minha história e eu faço parte da história dele, mas acho que isso era uma coisa que não deveria ser dita, porque se alguém teria de falar seria eu. Ficou uma coisa grotesca. E, já que ele resolveu falar, que falasse a verdade. Quando a gente se conheceu, ele não sabia que eu era — eu não me apresentava às pessoas e dizia: "Olá, meu nome é Xuxa, eu sou virgem." Eu era virgem, mas ele só foi descobrir depois, quando a gente já estava junto.

PLAYBOY — Você teria dito, depois dessa entrevista do Pelé, que se por acaso se apaixonasse de novo por um rei, não seria um rei tão pequeno como ele. A raiva continua tão grande?


XUXA — Vamos dizer assim: tive momentos bons e ruins com ele. Às vezes, a gente aprende muito mais errando. E eu aprendi muito com ele. Hoje, não poderia ficar com uma pessoa tão pequena.


PLAYBOY — Pequena em que sentido, precisamente?


XUXA — É aqui [apontando a cabeça]. Saem coisas que, às vezes, não dá para entender. Dá o microfone para ele falar, que você vai sentir, vai ouvir. Ele é pequeno. Mas faz parte, fez parte da minha vida. Não posso negar isso, nunca.

PLAYBOY — Numa certa medida ele apresentou o mundo para você, não foi?

XUXA — Ele me apresentou muita coisa. Muita coisa boa, também. Um ponto que o Pelé tinha de legal é que queria me ver crescendo profissionalmente. Mas talvez não soubesse que eu teria tantas oportunidades. Uma vez ele disse para mim: "Nunca queira ser a melhor. Porque é muito difícil ser o primeiro." Quando eu quis sair da Manchete para ir para a Globo, ele disse: "Não faça isso. Não queira. Você vai ter de provar que é a melhor todo dia." Pois hoje posso dizer que é muito bom ser a melhor. Não gostaria de ser a segunda.

PLAYBOY — Você tem uma história forte com vencedores. Primeiro, o Pelé. Por último, o Ayrton Senna — ele foi a sua última paixão?

XUXA — [Quase inaudivelmente.] Foi.

PLAYBOY — Por que você tem evitado falar sobre o seu romance com ele?

XUXA — Ao contrário de muita gente que quer tornar público o que viveu, eu não quero. Tenho ciúme dessa história, sabe? Tenho ela como minha, só. Até porque ninguém acreditou. Então acho que não tenho de provar para ninguém. O que vivi com ele, o que a gente viveu, vou guardar só para mim. [Faz uma pausa, emocionada.] Só gostaria de... As pessoas... Antes de ele morrer, as pessoas gostavam dele. Hoje adoram. Idolatram. Gostaria que ele estivesse vivo para ver isso. [Corrigindo.] Para viver isso. Ver, talvez ele até esteja vendo. Mas viver isso.

PLAYBOY — Ele não se sentia muito querido?

XUXA — Não. Pelo público dele, pelas pessoas que o admiravam, sim. Mas era muito cobrado, não é?

PLAYBOY — Bom, havia uma divisão: a turma do Senna e a turma do Nelson Piquet, que inclusive espalhava alguns boatos...

XUXA — Sei lá. É. Em outras coisas, também. Ele era muito cobrado e ficava meio... Ele era um crianção. A única coisa que posso deixar bem claro também, para as pessoas que não o conheceram, é que ele era muito criança. Muito, muito brincalhão. E também uma das pessoas mais cheirosas que já conheci [risos].

PLAYBOY — Cheirosas?

XUXA — Cheirosas. Muito cheiroso. Limpinho, cheirosinho. Em todos os sentidos. De longe, já dava para saber que ele estava em casa. "Tem homem cheiroso em casa!" Eu já sabia que ele estava chegando.

PLAYBOY — Como era a química entre vocês?

XUXA — Ele era ariano, e eu também. Ele nasceu dia 21 de março e eu 27 de março. A gente era bem parecido.

PLAYBOY — Deu para notar isso logo?

XUXA — Já percebi que a coisa ia ser meio esquisita porque meu cachorrinho grudou nele [risos]. O Zé do Pimpo tem ciúme de qualquer pessoa que chegue perto de mim, e já grudou nele. Eu falei: "Caramba!" E quando a gente foi se cumprimentar ficou muito tempo apertando a mão, um olhando a cara do outro. Pensei: "Que coisa estranha!" Não sou de fazer isso.

PLAYBOY — Quando duas pessoas se identificam muito, a intensidade tem dois lados — quando surgem os conflitos...

XUXA — É brabo. Eu sabia que, quando desse o choque, ia ser...

PLAYBOY — A pessoa é capaz de brigar por causa de uma besteira completa.

XUXA — [Cada vez mais triste.] Por nada!

PLAYBOY — No caso de vocês, qualquer um podia pegar seu próprio avião e sair voando.

XUXA — Ele era uma criança muito pura. Brincava de fazer barulho com a boca [imita o motor de um carro de corrida], dizendo: "Passou uma Ferrari agora!" Fazia a marcha e tudo com a boca. "Agora uma Benetton!"

PLAYBOY — A impressão que se tinha de longe é que o mundo dele era muito motorizado. Tudo girava em torno de corrida.

XUXA — A gente falava de um monte de coisa, também, além disso. Mas eu também tenho um fascínio por carros.

PLAYBOY — Você assistiu a mais alguma corrida de Fórmula-1 depois da morte dele?

XUXA — Não.

PLAYBOY — Você assistia?

XUXA — Assistia por ele, só. Assisti duas vezes ao vivo, com ele. Eu não podia deixar de trabalhar, de fazer tudo o que fazia, porque tenho várias atividades e uma é tão importante quanto a outra — a televisão é importante, o disco é importante, o show, as fotografias. Anda tudo junto. Eu tinha de fazer várias coisas, sabe? E não era o caso dele, porque ele tinha de treinar e correr. Ele tinha pouco tempo, também, mas tinha mais tempo livre do que eu. Muito mais.


PLAYBOY — É difícil, mesmo para uma celebridade, aceitar a independência da mulher? Você acha que isso pode ter prejudicado...

XUXA — Acho que ali acima de tudo foi falta de tempo. Acho que ele estava procurando uma pessoa para acompanhar a carreira dele, para seguir nos boxes com ele. Normalmente os corredores levam suas esposas, estão sempre com mulheres por perto, e ele estava sempre sem ninguém, sozinho. Me ligava às vezes do motor home: "Ah, estou aqui, não sei o quê."

PLAYBOY — E havia aquela história maldosa de que não se interessava muito pelas mulheres.

XUXA — Ele estava buscando se livrar de todos os fantasmas de que falaram. E, além do mais, a carência dele estava... Ele estava querendo alguém perto.


PLAYBOY — E você também.

XUXA — Acho que aí é que a coisa pegou. Não sei até se eu gostaria de alguém me acompanhando nos shows. Mas é muito bom chegar em casa e ter alguém te esperando. Eu nunca tive uma coisa assim, a não ser com o Béco [apelido de Ayrton Senna]. Aconteceu de eu ligar: "Daqui a 15 minutos vou estar aí." E ele dizia: "Vê se vem mais rápido." Aí eu chegava em 10 minutos, o motor do carro pegando fogo. E ele falava: "Muito rápido! Vai mais devagar." Eu nunca tive isso, entendeu? Alguém esperando.

PLAYBOY — Mas esse ritmo de vida foi desgastando o romance.

XUXA — A gente só podia ficar junto na folga dele. A princípio, ele disse: "Para ficar com você eu tenho de saber o quanto teu trabalho é importante." Depois de algum tempo, disse: "Não, não! Tem de diminuir o trabalho, senão não dá..." Mas eu tinha muito mais trabalho naquela época, estava fazendo muita coisa. Muita coisa. Estava com um programa diário no Brasil e outro na Argentina, estava com um programa semanal na Espanha e estava estudando inglês para fazer um programa diário nos Estados Unidos. E fazia quarenta shows ao vivo por ano.

PLAYBOY — O Ayrton Senna chegou a pedir para você parar com tudo para ficar com ele?

XUXA — Ele falou: "Ou você diminui o teu trabalho, ou arruma um espaço para mim."

PLAYBOY — Você chegou a discutir isso com a Marlene?

XUXA — Imagina! A Marlene nem sabe disso. Não falei porque nem considerei essa possibilidade. Para mim, o mais importante continua sendo o meu trabalho.

PLAYBOY — Mesmo se pudesse voltar no tempo, não consideraria essa possibilidade?

XUXA — Eu pensaria duas vezes. Não falaria um "não" tão seco quanto eu falei. Falaria um "não" mais devagar. Falei: "Não, nem pensar!" Hoje eu diria: "Vamos conversar."

PLAYBOY — Você já revelou, numa outra entrevista, que sua primeira relação foi com um namorado chamado Marquinhos, que era juvenil do Flamengo. Namorou também um outro jogador de futebol, chamado Valtinho "Coalhada". Depois foi o Pelé, depois o Senna. Os atletas têm mais chances com você?

XUXA — Não é isso. Talvez tenha acontecido porque, na maioria das vezes, os atletas não bebem e não fumam, porque têm de trabalhar com o corpo. Sempre gostei mais das pessoas que cuidam do corpo, porque é além de tudo uma demonstração de amor próprio. Eu não fumo e não bebo, então vai ser chato se eu ficar namorando alguém que fume. Eu beijo a pessoa cheirando. A pele é muito importante para mim. O cheiro da pessoa, o gosto.

PLAYBOY — Pelo que você vê na televisão e nas revistas, quais são os modelos de beleza masculina que estão no esporte?

XUXA — Existe um cara na Espanha, um triatleta, chamado Duran. Nossa, menino! É bonito, viu? Bonito!


PLAYBOY — E no futebol?

XUXA — [Depois de pensar um bom tempo.] O Raí.

PLAYBOY — E os rapazes do vôlei, que provocam uma histeria entre as adolescentes?

XUXA — Eles são legais. Outro dia me encontrei com eles no aeroporto, aproveitei e tirei fotos com todos. "Marlene, vamos trocar as Paquitas por eles! Olha, Marlene, que monte de homens!" [Risos.] Eles são enormes.

PLAYBOY — E nadadores? Você fez um comercial com o Xuxa.

XUXA — Não, não vi nenhum, assim... Tem uma pessoa, que não é atleta, mas que eu acho muito bonito. É o John-John [Fitzgerald Kennedy JR., filho do falecido presidente americano John Kennedy].

PLAYBOY — Já íamos chegar lá [risos]. Ficou famoso um flerte seu com ele.

XUXA — Jantamos uma vez, em Nova York. Aquele carinha é muito bonitinho. Olhos de mel, pele morena, cabelo preto — talvez por ser loira, me chama a atenção homem moreno. Gosto assim de homem mais de moreno para mulato...

PLAYBOY — Sem preconceitos.

XUXA — Me choca quando as pessoas falam isso de preconceito. Admiro também muitos homens louros, como o Mel Gibson, já namorei pessoas bem claras. Mas quando vejo uma pele tostada! Tostadinha, parecendo chocolate... Uma das coisas que me chamavam muito a atenção, quando eu estava com o Pelé, era a cor dele. Eu ficava olhando, assim... Eu lambia, mordia, para ver se saía [risos].

PLAYBOY — Voltando ao John-John Kennedy.

XUXA — Eu tinha uma foto dele no meu quarto. Uma dele e uma do Ayrton. O Ayrton até falava: "O que é que a foto dele está fazendo aqui?" Eu dizia: "Olha, a sua foto é maior do que a dele. Você é o titular, é o meu namorado. Mas ele é tão bonito..." [Risos.] E o Ayrton: "Você gosta desse cara!"

PLAYBOY — Entre as notícias mais recentes a respeito de John-John, uma foi sobre o leilão que os filhos fizeram de objetos que pertenceram a John Kennedy e a Jacqueline Kennedy Onassis, seus pais. Você pensou em comprar alguma coisa?

XUXA — Se o filho estivesse à venda, eu dava qualquer lance. Falei para a Marlene que dava até a Casa Rosa [risos].


PLAYBOY — Outra notícia é que ele foi visto num bar na West Broadway, em Nova York, fazendo uma pirâmide de copos de tequila.

XUXA — Tadinho!

PLAYBOY — Se for o John-John Kennedy , tudo bem beber?

XUXA — [Compreensiva.] Bom, nem sei se esses copos seriam todos dele. Pelo que eu sei, ele não bebe. Deve ter bebido aquilo por algum motivo. Ele deve estar precisando de alguém, de uma amizade. Alguém com pulso forte [risos].

PLAYBOY — Muitos homens já disseram "não" para você na vida?

XUXA — Um monte, na época da adolescência. Chegando perto dos 18 anos, eu queria deixar de ser virgem de qualquer jeito — e eles ficavam com medo.

PLAYBOY — Isso você chegou a mencionar, naquela primeira entrevista sua para PLAYBOY. Contou que no meio das modelos, naquela época, você era motivo de zombarias por não ter experiência sexual. Mas era uma outra época: não havia surgido a Aids, estávamos em plena explosão da liberdade sexual. Agora, passados treze anos, dá para entender melhor seus conflitos nessa fase?

XUXA — Me lembro que nessa época não existia ninfeta fotografando. As modelos eram todas mais vividas. Depois é que veio a [atriz americana] Brooke Shields e começaram a pintar as meninas mais novinhas. Na época em que comecei a fotografar, com 16 anos, isso não era comum. Eu vim novinha do subúrbio, insegura, não querendo destoar.

PLAYBOY — Mas você já apareceu fazendo fotos sensuais.

XUXA — A primeira vez que fotografei, com 15 para 16 anos, o cara falou assim: "Cara de tesão, minha filha!" Fiz uma cara qualquer e ele disse: "Você não sabe o que é tesão?" Respondi: "Não, senhor" [risos]. Então ele se aproximou e começou a explicar: "Está vendo essa luz? Olha pra essa luz e faz olhar de mormaço, faz de conta que não está aguentando a luz. Aí, fica assim!" Depois veio com um lápis e disse: "Põe o lápis atravessado na boca. Morde o lápis. Isso! Agora tira o lápis, mas não mexe a boca! Chupa o ar. Aí!" [Risos.] Então isso era cara de tesão. Em todas as fotos sensuais na época eu fazia isso.


PLAYBOY — Quando você começou a despertar para o sexo?

XUXA — Eu era tão ingênua que, na época dos bailinhos em Bento Ribeiro, achava que podia engravidar com beijo. Uma menina amiga minha explicou que não e trouxe uma revista de sexo explicito. Abriu e disse: "É assim, ó." E eu [carregando no acento gaúcho]: "Bá, o pai faz isso com a mãe!"

PLAYBOY — Eram fotos ou desenhos?

XUXA — Fotos, horríveis. Era um carrasco. A revista era sadomasoquista e tinha um cara com um capuz na cabeça, chicote, a mulher estava amarrada na cama [risos]. Fiquei desesperada: "Meu pai faz isso com a minha mãe!" Sempre que minha mãe trancava a porta eu achava que ele ia colocar aquele treco na cabeça e começar. Passei dias sem conseguir nem olhar para o meu pai, morrendo de pena da minha mãe. Entrei no quarto deles e procurei em todos os lugares, embaixo da cama, no armário, para ver se encontrava o capuz [risos]. Fiquei horrorizada, achando que eles tinham feito isso para eu nascer.

PLAYBOY — Você é a caçula de cinco filhos de um militar gaúcho. Sexo e corpo eram assuntos reprimidos na sua casa?

XUXA — Não, não, a minha mãe sempre tratou isso de uma forma muito natural. Não na teoria, porque ela casou muito cedo, com 15 anos. Com 16 já teve o primeiro filho... Então tinha coisas que ela mesma não sabia, para passar para a gente nessa fase. Mas ela não queria que a gente tivesse vergonha do corpo, sabe? Nós morávamos num apartamento de dois quartos — um quarto era dos meus pais, no outro ficavam quatro filhos e um irmão dormia na sala. Eram três meninas e dois meninos, para um banheiro só. Minha mãe dizia: "Rápido! Tomem banho vocês dois juntos." Não tínhamos ar-condicionado. Muitas vezes minhas irmãs dormiam nuas, ou só de calcinha, e já tinham peito e tudo. Eu sempre cresci vendo isso, sem problema.

PLAYBOY — Essa naturalidade deve ter ajudado bastante em sua carreira de modelo, apesar da ingenuidade.

XUXA — A primeira vez em que fiz [a revista] Ele Ela era uma foto só de bumbum. O texto era: "Abertura no Carnaval" [risos]. Eles precisavam de um bumbum num biquíni com umas franjinhas. Eu tinha 17 anos. Levei minha mãe para o estúdio e ela perguntou se podia me ver fotografar. Quando falei que podia, eles ficaram cheios de medo: "Ai, meu Deus, e agora?" Minha mãe olhou e falou: "Mas essa franja não está muito grande, não?" Pegou uma tesoura, cortou a franjinha e perguntou: "E se passar um óleo no bumbum dela?" Todo o mundo: "É bom, é bom!" Ainda arrumou um ventilador, para ter o efeito das franjinhas subindo... No outro dia, o pessoal do estúdio queria saber: "Quando é que tua mãe vem aí?" [Risos.] Ela adorou, quando a foto foi publicada em página dupla. Mostrava para todo o mundo: "Olha que lindo!" Era só uma foto. Ela tinha feito uma coisa para a foto ficar bonita — não estava vendendo meu corpo.

PLAYBOY — Você e a Luíza Brunet marcaram uma mudança no estilo das modelos brasileiras, não é? Recuperaram as curvas.

XUXA — Quando nós começamos a trabalhar — e ela começou um pouco antes que eu —, modelos de beleza eram aquelas mulheres mais esguias. Aparecemos como uma coisa mais Brasil, numa época em que as pessoas acho que estavam precisando de algo mais sensual. A gente era rechonchuda não porque quisesse, mas porque não conseguia emagrecer. Nós tentávamos de todas as maneiras. Logo fizemos amizade e andávamos juntas para todo lado. Chegávamos num hotel decididas: "Não vamos comer, não é?" "Não." "Vamos pedir um chá?" "É, um chá completo" [risos]. Aí a gente comia tudo: pãozinho, torrada, bolinho... Acabava com tudo. A gente era grudadíssima. Quando íamos fotografar fora do Rio, reservavam dois apartamentos, mas nós preferíamos ficar juntas. Lembro que uma vez. me queimei, quando tive a ideia de deixar a água bem quente para enfumaçar o banheiro e improvisar uma sauna. Começou a sair um foguinho da fiação, fui desligar e me queimei. A Luíza saiu correndo para o corredor, pelada e gritando: "Socorro! Socorro!" Os caras ficaram loucos. Ela trouxe um médico, ficou a noite toda cuidando de mim. Eu me mexia e ela dizia: "Você está bem?"

PLAYBOY — Vocês ainda são muito amigas?

XUXA — Tenho o maior carinho por ela e sei que ela torce por mim, mas não é mais a mesma coisa. Não é a paixão que a gente tinha. Primeiro houve um distanciamento natural, quando ela passou a ser modelo exclusivo da [griffe] Dijon e a gente deixou de trabalhar tão juntas. E depois aconteceu uma história. Quando a Luíza casou pela segunda vez, uma pessoa me fez uma fofoca do marido dela. Achei que deveria contar para ela, como amiga, e contei. Acho que se estivesse no lugar dela teria uma reação igual, iria falar com o meu marido e o meu marido diria alguma coisa como: "Ela está querendo separar a gente." Sei lá, nem sei se foi isso. Sei que, há um ano e meio, nós nos reencontramos. Ela foi lá em casa e, por mais que eu quisesse abraçá-la e falar... estava esquisito. Quebrou o encanto. Mesmo da parte dela, também. Parece que quebraram um copo, tentaram colar, colou, mas está trincado. Eu era doida por ela, sabe? Era a irmã que eu queria ter.

PLAYBOY — Ingênua do jeito que era, como você enfrentou o assédio que deve ter acontecido depois que virou sex symbol? Houve inclusive um episódio dramático em Cleveland, nos Estados Unidos, que até hoje nunca ficou muito bem explicado. Como foi aquilo?

XUXA — Fui chamada para fazer umas fotos nos Estados Unidos, em janeiro ou fevereiro de 1980. Lembro da data porque estava para fazer 18 anos. Meu pai teve de assinar uma autorização, uma pessoa levou o contrato até em casa, no Grajaú, depositaram no banco 50% do valor e eu viajei. No avião conversei com um militar brasileiro que me perguntou o que eu ia fazer em Cleveland. Disse que ia fotografar e ele estranhou. Me deu um cartão com o telefone dele e o nome de uma secretária. Falou: "Se precisar de alguma coisa, entre em contato comigo." Cheguei e tinha uma limusine me esperando, com um motorista brasileiro. Eu estava toda feliz na limusine, pulando de um banco para o outro. Falei alguma coisa com o motorista e ele perguntou: "Você sabe por que está aqui?" Respondi: "Vou fotografar." Ele riu: "Te disseram que e pra fotografar? Olha, é bom saber: acho que não é isso não." Fiquei com um pouco de medo, mas estava me divertindo tanto... Chegando no hotel, ele perguntou se eu queria alguma coisa, e comprei um monte de pipocas, de vários sabores, e muitos doces. Quando cheguei ao quarto, tinha um guarda na porta, fardado. O motorista disse: "Pronto. Está entregue." Me explicou que eu iria receber uma visita às 4 da tarde e que não poderia sair até lá. O guarda ficou do lado de fora, sem dizer uma palavra. Eu queria tomar banho, mas não achava a água quente. Abri a porta, para ver se o homem me ajudava, mas ele não se mexia. Eu disse: "O senhor não pode entrar pra arrumar o meu chuveiro? O senhor fala português?" O motorista acabou me ligando para me alertar que não haveria foto nenhuma e que um militar graduado iria entrar no quarto. Comecei a chorar, desesperada, mas não consegui ligar para a minha família no Brasil. Estava num terceiro andar. Pensei: "Meu Deus, vou pular daqui!" Aí me lembrei de ligar para aquele outro militar, que tinha me dado o cartão no avião. No cartão tinha o nome da secretária, Bárbara. Liguei e ela atendeu: "Bárbara?", perguntei. Ela disse: "É." Comecei a chorar: "Pelo amor de Deus..." Ela perguntou a minha idade. Eu disse: "Quase 18." Ela falava: "Calma, Calma."


PLAYBOY — Em 1980 estávamos no fim da ditadura. Hoje, passados dezesseis anos, você pode dizer o nome desse militar que chegaria às 4 da tarde em seu quarto?

XUXA — Não tive contato com essa pessoa. Não sei se o motorista falou o nome certo. Não posso falar uma coisa que não tenho certeza.

PLAYBOY — Mas era uma pessoa ligada ao governo do então presidente João Figueiredo?

XUXA — Como assim, uma pessoa do governo? Era um militar. E foi um outra militar que me tirou de lá...

PLAYBOY — Sim, o governo estava cheio de militares. Esse que ia chegar era ministro?

XUXA — Bá, não vou dizer o nome. Era um militar.

PLAYBOY — Do alto escalão?

XUXA — Alto escalão, mesmo. Cheio de estrelona.

PLAYBOY — Está vivo?

XUXA — Não sei. [Rindo, com ar impaciente.] Não sei se está vivo. Não vou falar mais sobre isso.

PLAYBOY — Em poucos anos, você era não só uma modelo de sucesso ou um dos maiores símbolos sexuais do país — você já tinha se transformado numa apresentadora de televisão de extraordinário sucesso e, além disso, começava a bater todos os recordes de vendagem de disco. Quando você se deu conta desse fenômeno?

XUXA — Uma vez, quando ainda estava na Manchete, me convidaram para ir para a Rede Globo, mas falaram que eu não poderia ter um programa com meu nome, porque não era costume da casa. Falei que só iria então quando pudesse ter um programa com meu nome. Uma outra vez conversei com uma pessoa da Globo, que me aconselhou a esquecer que era a Xuxa, teria de recomeçar como Maria da Graça. Eu só disse: "Vocês ainda vão falar muito desse nome." Passou-se um ano, acho que não chegou a dois anos, eu sei que um dia estava na Globo, deitada num bolão de cartas, esperando uma troca de câmera num intervalo da gravação do meu programa. Estava olhando para o teto, vendo o meu nome enorme escrito com umas luzinhas, deitada naquelas cartas, e falei: "Puxa vida, meu nome! Meu programa na Globo!" Nunca vou esquecer aquelas luzinhas brilhando, e eu ali embaixo deitada. Feliz, mais do que tudo, porque tinha conquistado tudo aquilo com meu trabalho, sem me vender. Ninguém tinha me dado nada de graça.

PLAYBOY — Você tinha ideia de que poderia ir tão longe?

XUXA — Quando era pequena eu falava coisas que não tinham o menor cabimento, vendo ali na hora. Como pegar uma revista e dizer para as pessoas lá em casa: "Vocês ainda vão me ver aqui." Uma vez o Pelé estava dando uma entrevista na televisão e eu parei de pular corda e disse: "Vou casar com ele." As pessoas olhavam espantadas para mim: "Está maluca, Xuxa?" O meu pai falou: "Não liga não, que ela é assim mesmo." Um amigo do meu pai que estava em casa é que me lembrou dessa história, outro dia, porque eu não lembrava mais. A primeira vez em que saí da Zona Norte e fui para a Zona Sul do Rio, fiquei deslumbrada com a Lagoa [Rodrigo de Freitas] e falei para minha irmã e o namorado dela: "Eles fazem prédios em cima das pedras! Ainda vou ter um apartamento aqui." Muitos anos depois, quando comprei meu primeiro apartamento, e não fui nem eu quem procurou, o apartamento era na lagoa.

PLAYBOY — Você era muito mística? Rezava muito?

XUXA — Falava muito com Deus. Batia altos papos. Chamava Ele de Cara, o Cara Lá de Cima, e as pessoas não entendiam, achavam pejorativo. Mas eu tinha muita intimidade, pedia tudo pra Ele... E sabe que Ele realizava? Pedidos de criança, coisas bobas tipo: "Quero um passarinho". Bá, a janela ficou aberta e, depois de uns dois dias, entrou um periquitinho azul, o Nando. Eu dizia: "Nossa, que rápido! Obrigada." Queria um cachorro, aparecia um em seguida. Eu era ruim de matemática, pintou um professor que gostou muito de mim. Eu era baixinha, chorava à noite por causa disso, e fiquei a mais alta entre as irmãs. Teve uma fase em que eu queria ter o cabelo preto como a Branca de Neve, e foi a época em que o meu cabelo escureceu mais, na minha vida toda. Pode parecer criancice para algumas pessoas, mas Ele conversa comigo muitas vezes.

PLAYBOY — Até hoje?

XUXA — Às vezes estou com uma pergunta na cabeça, pensando comigo mesma, e passa uma pessoa dizendo a resposta. Parece uma coisa de doido. Eu vinha vindo no corredor da Globo, pensando numa coisa e me perguntando se ela poderia acontecer ou se era ilusão minha. Aí passaram dois caras conversando e um falou para o outro: "Não, meu, isso nunca vai acontecer, é ilusão." Entendeu? Falei: "Caramba!"

PLAYBOY — Você teve a visão de alguma coisa que não aconteceu ainda?

XUXA — As coisas não vêm assim como uma visão. Não sei... Eu quero ter filhos gêmeos, sempre falei isso, desde pequena. E, se fizer inseminação artificial, a chance é maior, não é? Então, o fato de não ter encontrado uma pessoa pode levar a isso.

PLAYBOY — Você brincava mais do que, quando criança?

XUXA — Tive uma infância muito rica. Não era de brincar com bonecas. As bonecas não mexiam! Gostava de brincar com bichos. E tinha uma amiga invisível, conversava muito com ela. O nome dela era Anne. Tinha os cabelos meio encaracolados, usava uma roupa clara. Aparecia de repente e começávamos a brincar. Tomávamos banho juntas, fingindo que estávamos passeando na rua, no meio da chuva. A noite, eu deitava na beira da cama e minha mãe mandava eu ir mais para o meio. Eu dizia que não podia, porque aquele era o espaço da Anne. E a minha mãe, com aquela cabeça fantástica dela, falava: "Está certo, mas então diz para a Anne se apertar um pouquinho mais para lá, se não você vai cair" [risos].

PLAYBOY — Essa amiga invisível ficava direto com você?

XUXA — Ela me levava até a escola, mas não entrava. Eu dava um sorriso de despedida para ela e entrava.

PLAYBOY — As pessoas não achavam que você era maluca?

XUXA — Muitas achavam, porque eu ficava falando sozinha. Isso aconteceu quando eu tinha entre 8 e 10 anos. Depois dos 10 anos mudou, tanto que falei para as pessoas: "Fiquei adulta! Cresci!" Porque a Anne não apareceu mais. Chorei muito quando completei 11 anos, que foi quando houve uma virada muito grande na minha vida — dei o meu primeiro beijo, perdi a minha amiga.

PLAYBOY — Hoje, existe unta amiga muito visível, com você o tempo todo — Marlene Mattos. Você acha que teria chegado onde chegou sem ela por perto?

XUXA — Não acho, tenho certeza absoluta de que não. Certeza absoluta.

PLAYBOY — Onde ela é fundamental na sua vida?

XUXA — Na minha vida pessoal e na minha vida profissional.

PLAYBOY — Bom, não sobra muito mais, não é?

XUXA — A única certeza absoluta que tenho na vida é a de que eu só pude ter tudo isso porque alguém deu 24 horas do dia dela, nesses treze anos juntas, pensando e fazendo coisas para mim. E essa pessoa é a Marlene.


PLAYBOY — A Marlene Mattos diz que não tem a menor preocupação em ser simpática ou antipática para as pessoas, porque a única preocupação dela é proteger você. Ela está à sua frente para impedir que algo possa aborrecer ou incomodar você. Mas essa proteção toda não faz você se sentir, assim...

XUXA — Alienada?

PLAYBOY — É.

XUXA — Até em alguns pontos penso que sou. Mas eu também escolhi isso.

PLAYBOY — Como você se informa sobre o que está acontecendo no mundo? Vê os noticiários na televisão, por exemplo? Lê revistas?

XUXA — Telejornais, às vezes. Revistas, leio quase todas. Leio bastante no avião, porque viajo muito e as viagens são longas. Gosto muito da Marie Claire e da ELLE.

PLAYBOY — E jornais, você não lê?

XUXA — A gente assina o Jornal do Brasil e O Globo lá em casa. Às vezes eu leio um pouquinho. Não gosto muito de ler jornal, porque me dá muita preocupação. Não é uma coisa que não posso saber, ou que não tenho interesse em saber — eu não devo saber, entende? Eu, realmente, fico... caio em depressão. Teve uma época em que a Marlene me obrigava a ler. Eu abria a porta, já estavam todos os jornais ali. Eu ia tomar café, e ela mandava as pessoas lá de casa: "Pede pra Xuxa ler, nem que sejam as primeiras páginas, para ela saber o que está acontecendo." A minha tia Cleci, que mora comigo, marcava com bolinhas as coisas que achava que eu deveria ler mais... Tive uma crise, alguns anos atrás, por causa disso.

PLAYBOY — Que tipo de crise?

XUXA — Todo dia queria ler as notícias, até para ver se já tinha mudado alguma coisa, se já estava melhorando. E passava isso no programa. Não sou uma atriz, para segurar aquilo como informação e usar num personagem. Sou verdadeira e aquilo tudo estava na minha cara. Tinha dias em que eu abria o programa dizendo: "Se está ruim pra você, pensa positivo. Vai melhorar. Acredite que vai melhorar." Tinha dias em que eu falava: "Está ruim para todo o mundo, viu, gente? Está um horror!" E a Marlene: "Mas o que ela está falando? Não era pra ela falar isso!" Mas é que eu me via no programa, alegre, dizendo que o mundo era ótimo, e via o que estava acontecendo no mundo, um matando o outro. Me sentia fazendo papel de idiota.

PLAYBOY — Como você saiu dessa crise?

XUXA — Concluí que o meu público não é aquele que lê jornal, ou que precisa saber de tudo o que está no jornal. A criança, até uma certa idade, só tem a obrigação de se divertir. A infância passa rápido. A criança se preocupa muito em querer virar logo um adulto, mas ser adulto é sinônimo de problema, de obrigações. E a criança só tem uma obrigação: ser feliz.

PLAYBOY — Você acha que as pessoas devem formar ali uma reserva de felicidade que sirva de referência, de busca, quando elas estiverem enfrentando a vida mais tarde?

XUXA — Mais ou menos isso. Acho que existem várias pessoas amarguradas porque não tiveram uma infância boa, porque não puderam ou não souberam aproveitar. Então acho que minha função no programa é ser a hora do recreio. As brincadeiras que levei para o Xou da Xuxa eram muitas das que fiz quando pequena. Tanto é que a Marlene nem mexe nisso, talvez porque ela não tenha tido uma infância tão rica como a minha. Quando a gente prepara o repertório dos meus discos, ela deixa para mim a escolha das músicas bem infantis, as músicas de besteirol. E escolhe aquelas com mensagem, para ensinar, porque já foi professora no Maranhão e vê o outro lado.

PLAYBOY — Você gosta da sua voz?

XUXA — Odeio a minha voz. Odeio [risos]. Acho chatinha de ouvir. Quando ouço alguma coisa que gravei, e estou distraída, sempre acho que é uma criança que está falando.

PLAYBOY — Você não ouve os seus discos?

XUXA — Não ouço. Não gosto mesmo. Meu disco não toca em casa, de jeito nenhum! [Risos.] Ouço as músicas para aprender, gravo, ouço mais uma vez no carro, para ver se está legal. Depois que está pronto não tenho mais por que ouvir. Quando fui fazer aulas de canto, a primeira coisa que queriam fazer era mudar minha voz. Mas fiquei com medo. Porque esta voz, que eu não gosto, o público gosta. Muita gente pensa que falo de brincadeira, que fico fazendo essa vozinha infantil. Mas ela é assim.

PLAYBOY — Por que o seu programa deixou de ser diário?

XUXA — Porque a fórmula estava sendo muito usada, estava desgastada. Parei com o programa diário porque quis, poderia ter continuado aqui e na Argentina, fazendo programa para a América Latina inteira. Mas preferi ficar só com um semanal, tanto no Brasil como no programa em espanhol, que estou relançando na Argentina agora em setembro. Eu quis diminuir meu trabalho e também achei que o esquema do diário estava cansando, estava tudo muito parecido. Eu botava alguma coisa, mudava o canal e pouco tempo depois estava lá também — se eu punha bandeira, pompom, eles punham também. Comecei com quatro Paquitas, colocaram quatro meninas; mudei para oito, passaram para oito. As músicas, as roupas eram parecidas. Achei assim: "Se eu paro, eu que sou a base, as pessoas que me imitam não vão ter onde se espelhar, vão ter de parar." Que foi o que aconteceu, não é? Começaram a fazer qualquer coisa. Nesse sentido, acho que a fórmula do Xou da Xuxa foi guardada.

PLAYBOY — A direção da Globo não deve achar isso, porque contratou a Angélica para um programa diário.


XUXA — [Neutra] Isso eu não sei.


PLAYBOY — Você acha que alguma das apresentadoras que seguiram o seu caminho tem um estilo diferente, tem vida própria?

XUXA — Tem. Cada uma tem o seu valor. Acho que a Mara tem uma voz maravilhosa. Eu acho que ela é a cantora. A Angélica dá muito certo com adolescentes, passa uma coisa legal e tem uma imagem bonita. E a Eliana é bem infantil. Costumo chamá-la de Eliana dos Dedinhos, porque ela faz aquela coisa dos dedinhos.

PLAYBOY — Na sua opinião, existem mulheres mais bonitas do que você no Brasil?

XUXA — Muitas. Nem me acho muito bonita. Acho que sou fotogênica. Às vezes olho fotos minhas e digo: "Danada, bichinha, tu estava horrível e saiu bem na foto!" Mas o conjunto funciona.

PLAYBOY — De que você não gosta no seu rosto?

XUXA — Não gosto do meu nariz, que é bicudo, não gosto do olho, que acho pequeno, não gosto do cabelo, que é fino e pouco. Queria ter um cabelão grande, pesado.

PLAYBOY — Qual é a cor do seu cabelo?

XUXA — O cabelo é meu. É esta cor que está aqui. Só uso uma camomila que minha mãe manda da Espanha. Boto camomila no sol, e ele vai clareando.

PLAYBOY — Mas quem você acha mais bonita que você?

XUXA — A Luíza [Brunet].

PLAYBOY — Só?

XUXA — A Ana Paula Arósio. Ela é muito linda. Muito. Uma Brooke Shields melhorada. Como padrão de beleza, prefiro as morenas, mais tipo Gabriela. Sempre gostei das belezas mais selvagens — entre as loiras, mais para Brigitte Bardot do que para Marilyn Monroe, entende?

PLAYBOY — Você acha a Adriane Galisteu bonita?

XUXA — [Secamente.] Feia ela não é. [E repete.] Feia ela não é.

PLAYBOY — Xuxa, você convive com ídolos no Brasil e no exterior, é recebida por presidentes de vários países. Você tem algum interesse por política?

XUXA — Não.

PLAYBOY — Em quem você votou para presidente?

XUXA — É segredo, tá? O voto é secreto.

PLAYBOY — Mas você votaria pela reeleição do presidente Fernando Henrique Cardoso?

XUXA — Eu não falo sobre política.

PLAYBOY — Não é nem política, é uma questão de pele, de confiança: você compraria um carro usado do presidente?

XUXA — Não sei o suficiente para falar. Não acho nada, nem quero achar. Na política só tenho um amigo, de quem eu gosto muito. É o [governador do Ceará] Tasso Jereissati.

PLAYBOY — Ele é amigo do presidente Fernando Henrique, também, por acaso.

XUXA — Sei, mas eu não me meto nas amizades dele. [Risos.] Sabe do que eu gosto nele? Não é aquele político que diz: "Meu povo!" Ele é diferente, aperta a mão, olha no olho. Já disse para ele que, se for candidato a presidente, visto uma camiseta escrito: "Eu vou votar no Tasso." Ele disse que eu falo isso porque sei que ele nunca vai ser candidato.

PLAYBOY — De todas as celebridades que você conheceu nesses anos, juntando o Papa, os presidentes e os popstars, qual foi a mais impressionante?


XUXA — Michael Jackson.

PLAYBOY — Por quê?

XUXA — É um mistério.

PLAYBOY — Quantas vezes você esteve com ele?

XUXA — Duas. A primeira foi antes de um show dele. Na segunda, jantei com ele em Neverland [nome do rancho de Michael Jackson na região de Santa Barbara, Califórnia, nos Estados Unidos]. Perguntou sobre as crianças no Brasil e na Argentina, perguntou qual país precisava mais de ajuda. Sabia que tenho uma fundação, perguntou se ela precisava de alguma coisa.

PLAYBOY — O que mais ele sabia de você?

XUXA — Sabia que eu gostava de bichos. Me levou para ver os animais dele — tem girafa, elefante, chimpanzé... E tem um lugar onde ficam cobras, muitas cobras de vários tamanhos. Ele ficou preocupado porque uma vez por semana as cobras têm de comer bichos, e logo no dia em que fui lá as cobras estavam comendo uns coelhinhos. Ele ficou tapando o meu olho, dizendo [num tom de quem foi apanhado numa travessura]: "Não, Xuxa, não!" Imagine a cena!

PLAYBOY — Ele estava de luvas?

XUXA — Não. Estava normal. Sem maquiagem, sem nada. Ele me mostrou onde dança, onde ensaia, e fomos ao cinema que construiu, um cinemão mesmo, com duas poltronas especiais para ele e para um convidado. Tinha carrinhos de chocolates e doces espalhados por todo lado. Depois sentamos para ver alguns clipes dele. No terceiro eu comecei a chorar, olhava para a tela, olhava para o moço ali do meu lado. Lembrei de um pôster que tinha dele no tempo do Grajaú, do tanto que queria conhecê-lo. Comecei a chorar com o rosto de lado, disfarçando. Mas ele viu e pegou na minha mão. Começou a fazer um carinho, assim, e quanto mais pegava na minha mão mais as lágrimas escorriam. Quando acabou o clipe, me deu um abraço bem apertado e disse assim: "Fico muito feliz em saber que as crianças do Brasil estão em boas mãos."

PLAYBOY — É curioso ter selecionado esse momento. Tanto você como o Michael Jackson se rodearam de um mundo mágico, como num paraíso infantil. E você falou aquilo da busca da felicidade da criança. Você acha que ainda vai ser completamente feliz, algum dia?

XUXA — Completamente feliz a gente até pode ser, por algum tempo. Ninguém é por muito tempo. Acho que a gente tem momentos felizes. Sou uma pessoa contente. Mas, completamente feliz?

PLAYBOY — Alguns geriatras garantem que o ser humano está equipado, biologicamente, para viver muitos anos mais do que se vive. Quem, entre todas as pessoas do mundo, você gostaria que vivesse 200 anos?

XUXA — Minha mãe. Mas acho que é um egoísmo a gente querer que alguém viva demais, porque depois de uma certa idade é difícil viver bem. Se você me perguntar se eu gostaria de morrer cedo, eu diria que sim. Eu gostaria de morrer cedo.

PLAYBOY — É mesmo? Por quê?

XUXA — Eu não invejo as pessoas que vivem muito, com tanta violência, tanto desrespeito por aí, hoje em dia. Na minha opinião, seria melhor que a gente vivesse bem e morresse cedo, para não ficar sofrendo, amargurado com a passagem do tempo.

PLAYBOY — Mas tem também o medo de não suportar se ver envelhecendo fisicamente?

XUXA — Também. É muito difícil, para mim, que comecei como modelo, que vivi a vida toda trabalhando, precisando, no meu trabalho, do meu rosto, da minha cara... Eu preciso do meu rosto. Faço bastante ginástica para que me sinta bem com o corpo, e o que mais me preocupa é isso. É poder rir sem estar preocupada que alguém diga: "Nossa, olha como ela está de rugas!" Entendeu?


POR GUILHERME CUNHA PINTO

FOTOS ANDRÉ DURÃO


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