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ESSE AMOR É AZUL

Reportagem


Foto: Joseph Shin

Os milagres da pílula

Desde os anticoncepcionais um medicamento não transforma de forma tão consistente nossa vida sexual. Mas por que os efeitos do Viagra são mais culturais do que físico? Nós explicamos


Por KEVIN COOK


Em 1998, o órgão governamental dos Estados Unidos responsável pelo controle dos alimentos e medicamentos, o FDA, aprovou o primeiro afrodisíaco eficaz. Na época, era chamado de Viagra, um nome que sugeria a vitalidade e o vigor criados com a força das Cataratas do Niágara. Mas teria vendido mesmo se eles o chamassem de cianeto. Se você gostasse de sexo, aquela droga era para você. "A medicina sexual estava prestes a ver uma bomba nuclear", relembra o médico especialista em doenças sexuais Irwin Goldstein. "E essa bomba era o Viagra."


E poucas bombas caíram em um momento melhor. Apenas meses após aprovar o Viagra, o FDA também aprovou os primeiros comerciais de TV voltados diretamente ao consumidor, aconselhando "conversar com seu médico" e levando milhões de homens a fazerem exatamente isso. Antes de 1998, os médicos funcionavam como um intermediário entre a indústria farmacêutica e o público faminto por medicamentos. Agora, o que estava em cena era a medicação por demanda. Os comerciais da Pfizer estrelados pelo senador Bob Dole (que havia perdido a eleição presidencial de 1996 para o candidato favorito de Monica Lewinsky) e o rebatedor do Texas Rangers Rafael Palmeiro, que ainda não havia sido maculado por seu outro medicamento favorito, os esteroides, ajudaram a desfazer os estigmas envolvendo a impotência. Os consumidores informados agora a chamavam de "disfunção erétil", e o "V" maiúsculo de Viagra conotava virilidade.


Apenas meses após seu lançamento, o Viagra já havia se transformado na droga mais conhecida desde a penicilina. Tornou-se assunto das principais matérias jornalísticas de 1998 ao lado de temas como o affair entre Lewinsky e Bill Clinton, o Euro, o Unabomber e o possível impeachment de Clinton. Revistas começavam a atrair os anunciantes com tabelas e gráficos do tipo "esta revista de golfe é a mais lida pelos homens com disfunção erétil".



Entre os famosos

No Brasil como fora dele, a pílula azul alterou de forma indelével a cultura pop. O seriado Sex in the City usou o Viagra e potencializou seu enredo. Já celebridades o usaram para potencializar suas vidas sexuais

Pelé

"Fale com o seu médico. Eu falaria" A frase de Pelé ficou no inconsciente popular brasileiro e foi uma das maiores bolas dentro da Pfizer.

Michael Douglas

Em 2010, Michael Douglas falou com entusiasmo sobre sua vida sexual com Catherine Zeta-Jones. "Graças a Deus, ela gosta de homens mais velhos", declarou. "Algumas melhorias maravilhosas sugiram nos últimos anos — Viagra, Cialis. Eles nos fazem sentir mais jovens."

Brandon Marshall

Em 2012, o wide receiver do time de futebol americano Chigaco Bears, Brandon Marshall, chamou o Viagra de "o mais potencializador de rendimento da NFL". Alguns testes sem base científica começaram a ser feitos em esportistas profissionais. Na Bolívia, o Viagra foi usado para tentar reverter os efeitos da altitude.


Os consumidores satisfeitos também usavam as salas de bate-papo na internet para espalhar a "notícia". Talvez você se lembre de algumas das piadas: "Você ouviu falar sobre uma morte por overdose de Viagra? Um cara tomou dez e a namorada morreu. Sorrindo". Não demorou muito para o comprimido se tornar um dos assuntos mais quentes do mundo virtual — e não apenas nos gigantes da internet Netscape e AOL, mas também no recém-surgido Google.com, onde se podia encontrar todo tipo de testemunho:


"Ouvi falar de alguns caras mais novos do que eu, com 20 ou 30 anos, que tomam a 'Vitamina V', então concluí que eu também precisava experimentar. Descobri que o Viagra me transforma em um comedor, e a garota cavalga em mim e sempre tem um ou dois orgasmos" — Pablo, 42, Texas.


"Antes da pílula, eu costumava manter a ereção por uns 15 minutos. Infelizmente minha esposa precisa de mais tempo do que isso para chegar ao orgasmo. Depois de passar a usar Viagra, tenho controle total do meu pênis e me sinto livre e me sinto livre para gozar quando eu quiser" — Anônimo, 28 anos, Vancouver.


A CARA DO VIAGRA


Graças ao Viagra, os lucros da Pfizer saltaram 38%, atingindo 628 milhões de dólares no segundo trimestre de 1998. Depois disso, as vendas do Viagra aumentaram e seguiram crescendo, alcançando 1 bilhão de dólares em 1999 e 2 bilhões em 2012. Igualmente crucial foi o efeito da droga na cultura popular. Além de tornar possível o sexo vigoroso para homens com disfunção erétil, o Viagra alimentava inúmeras maratonas sexuais. Já são aproximadamente 40 milhões de usuários pelo mundo, a maioria com prescrição, mas muitos outros comprando pela internet, no mercado negro ou comprimidos falsificados (ou simplesmente entrando em farmácias que vendiam o medicamento sem receita, como no Brasil). Há poucas dúvidas de que homens que jamais deveriam ter usado o medicamento acabaram mortos por usá-lo sem prescrição. "Podem ter ocorrido casos em que o coração do homem explodiu durante o sexo, comenta o escritor e especialista no assunto Jayson Gallaway. "Mas suspeito que a Pfizer prefira que a sociedade não fique sabendo.



A Pfizer faz o que companhias que valem 200 bilhões de dólares fazem: maximiza o lucro. Gallaway, por outro lado, fez o que bloggers que constroem marcas fazem. Depois de ter publicado um artigo no sito Salon.com, em 1999, sobre a medicação, que se tornou virai, ele conta: “Eu de repente me tornei o rosto do Viagra. E não apenas o rosto. Recebi e-mails de muitos homens no Oriente Médio me pedindo para arrumar Viagra ou mulheres para eles", relata. Gallaway acabou discutindo seus feitos sexuais no programa de TV 20/20, da ABC, no qual descreveu ereções "que poderiam ser usadas para defender a causa". Também escreveu o livro Viagra Friend, dedicado "ao meu pênis, sem o qual nada disso teria sido possível". Como era de se esperar, ele encontrou mulheres ansiosas por conhecer o homenageado, "mulheres que não aceitavam 'não' como resposta".


O MUNDO E AZUL


Gallaway não foi o único a capitalizar. Sex and the City e dezenas de outros programas de TV incluíram o Viagra em seus enredos. Um treinador da equipe profissional de futebol boliviano, imaginando que seus artilheiros poderiam se beneficiar com um aumento na captação sanguínea antes de jogar contra o Peru em altitude elevada, amassou comprimidos de Viagra e colocou o pó no suco de frutas do time. Os bolivianos passaram por uma série de vitórias. Um cientista, estudando os efeitos do fuso horário, descobriu que o Viagra talvez pudesse resolver o problema — pelo menos em hamsters. Ele espera fazer testes com humanos em breve — afinal, os humanos fazem mais voos internacionais do que os hamsters. Enquanto isso, zoólogos chineses tentam alimentar com Viagra tigres cativos que não demonstram interesse em acasalar.


Em 2012, os homens já haviam consumido mais de 45 toneladas de Viagra. No Brasil, de 1998 a 2015, cerca de 128 milhões de comprimidos foram vendidos. A droga havia passado mais de uma década como um dos termos mais pesquisados no Google, com centenas de milhões de buscas e milhares de elogios, com outros novos surgindo o tempo todo.


EU SÓ QUERO É SER FELIZ


Volta e meia, o establishment farmacêutico se esquivava da questão do uso recreativo. Essa posição fazia sentido para a Pfizer, a Eli Lily e os demais fabricantes de medicamentos para disfunção erétil. É mais fácil popularizar um remédio que trata uma disfunção do que promover um estimulante que possa ser usado em excesso por rapazes hétero e homossexuais, atores de filmes pornográficos e outros indivíduos que não se encaixem na imagem do homem grisalho jogando golfe apresentado nos comerciais desses medicamentos. Mas por que os urologistas deveriam se opor ao uso recreativo? "Eu lhe digo o motivo", explica o urologista Irwin Goldstein, um dos grandes nomes da área. "A ideia de que existem usuários recreativos normais por aí... Isso é um mito." Apontando que a artéria peniana na pélvis está sujeita a diversos insultos e lesões, variam de assentos de bicicletas e pancadas a chutes e acidentes com skates, ele se pergunta quantos rapazes não enfrentaram, em algum momento da vida, alguns impactos em seus escrotos. "Uma pancada desse tipo pode causar um problema duradouro, ou seja, danos naquela artéria estreita Depois disso, a ereção não é mais como costumava ser, mas, se você for jovem, acaba pensando que não pode ter uma disfunção erétil — afinal, você só tem 25 anos. Você toma um comprimido, tem urna ereção melhor e chama isso de uso recreativo. Mas aqui está o segredo: se eu pudesse estudar todos os que se autointitulam 'usuários recreativos', mostraria que a grande maioria tem algum grau de disfunção erétil." Sobre os homens que vivem em baladas e tomam um ou três comprimidos de Viagra para compensar os efeitos de álcool e drogas, ele diz: "Esse uso é recreativo? Cocaína, ecstasy, metanfetamina... Essas drogas atrapalham a função erétil. Não é recreativo, é reparar uma disfunção erétil autoinfligida."


APENAS MESES APÓS SEU LANÇAM ENTO, O VIAGRA JÁ HAVIA SE TRANSFORMADO NA DROGA MAIS CONHECIDA DESDE A PENICILINA

O urologista Ira Sharlip tem outra preocupação: "Muitos dos que se autointitulam 'usuários recreativos' compram Viagra genérico pela internet. Talvez não saibam o que estão comprando. Pode ser um produto falso, pode ser contaminado. Pode fazer mal". Ao mencionar uma virtude do Viagra que soa recreativa — a droga pode reduzir o tempo da "capacidade de se reerguer" pela metade, permitindo que o homem esteja ereto novamente em 10 minutos, em vez dos típicos 20 minutos —, Sharlip insiste que o "Viagra da internet" pode ser prejudicial à saúde. "Você pode querer ser um super-homem sexual. E pode querer economizar alguns trocados. Mas você sabe o que está tomando? É Viagra de verdade? É algo perigoso? Quem sabe?"


Matt Bassiur sabe. Ex-promotor federal e ex-chefe de segurança da Apple, ele agora busca falsificadores do medicamento para a Pfizer. As imitações de Viagra são um negócio em expansão, uma indústria mundial multibilionária apoiada pela Yakuza no Japão, narcoterroristas mexicanos, máfia russa, o que restou da máfia dos Estados Unidos e outros bandidos oportunistas em todos os cantos do mundo. "Alguns sites que vendem Viagra não vendem nada. Eles só pegam suas informações e roubam sua identidade", conta Bassiur. "Alguns vendem produtos não oficiais que estão próximos da data de vencimento ou que já venceram." Quatro anos atrás, Bassiur e sua equipe deram início a uma operação policial. Eles compraram o suposto Viagra de 22 farmácias na internet, depois fizeram testes com os comprimidos que chegaram pelo correio. "Oitenta por cento não eram Viagra", relata. "Alguns continham veneno de rato; outros, antibióticos. Também encontramos anticongelantes, tinta de asfalto e tinta de impressora — azul, obviamente". Bassiur tem uma galeria de fotos assustadora — imagens de buracos infernais no terceiro mundo, infestados por insetos e ratos. "Você tomaria um comprimido que vem de um lugar tão sujo assim?", questiona. Segundo ele, qualquer um que faz isso está brincando de roleta-russa com o próprio pênis.


EJACULAÇÃO PRECOCE


A venda direta pela internet é uma alternativa que a Pfizer espera ter encontrado para aumentar os lucros antes que a patente do Viagra expire nos Estados Unidos, em 2020. Já no Brasil, a patente do medicamento expirou em junho de 2010. Para defender a participação do medicamento no mercado logo após o vencimento de sua patente, a Pfizer reduziu em 50% o preço do Viagra e lançou uma nova apresentação do produto. Atualmente, o preço de um comprimido é de aproximadamente 13 reais. "Valor inferior à percepção que os pacientes têm a respeito do custo do medicamento", segundo o laboratório. A Pfizer também vende uma versão diferente do Viagra no México: um tablete de mascar.


VIAGRA PARA MULHER


"O que está por vir?", indaga Gallaway. Ele, pelo menos, espera ver um comprimido que dê ao homem uma relação mais duradoura. O urologista Goldstein tem uma visão de ainda mais longo prazo. "Este é apenas o começo das descobertas do mundo do levantamento erétil", ele diz. Ele vem trabalhando na sildenafila tópica: você e/ou sua parceira esfrega a substância no pênis e boom!, aí está a ereção — sem as dores musculares ou o estranho efeito azul na visão que aflige alguns usuários do Viagra. "Mas o Viagra não é a última palavra", afirma Irwin Goldstein. O FDA já aprovou 26 drogas para a disfunção sexual masculina e apenas uma, recentemente, para a disfunção sexual feminina. "Me parece preconceito de gênero. Bilhões de dólares foram investidos em drogas que podem ajudar mulheres que não sentem desejo, não chegam ao orgasmo ou não conseguem fazer sexo sem sentir dor, mas o FDA as rejeita. O órgão aprovou um medicamento para a doença de Peyronie, que causa cicatrizes e curvatura do pénis. Essa droga traz um risco de fratura peniana que requer cirurgia de emergência. Mas o FDA definiu o risco como aceitável e a aprovou".


NO BRASIL, ONDE A PATENTE DO VIAGRA CAIU EM 2010, CERCA DE 128 MILHÕES DOS COMPRIMIDOS DA PFIZER JÁ FORAM VENDIDOS

Segundo Goldstein, o futuro dos medicamentos sexuais trará menos preconceito de gênero. E mais sexo. "São necessárias duas pessoas para fazer sexo", ele lembra. "A sexualidade feminina é a próxima fronteira." Em 10 anos, os homens poderão estar diante de mulheres tomando o primeiro afrodisíaco feminino, com resultados que talvez tragam problemas para a indústria de ventiladores de teto. "Em termos sexuais, o futuro parece melhor do que nunca", ele diz.




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