top of page

50 TONS DE ROXO

Ficção


O Senhor Roxo era o homem dos sonhos de Anastácia Steele. Só era bruto e desumano, mas até que era gente boa


Por EDSON ARAN ao estilo de E.L. JAMES


O Senhor Roxo me aponta intensamente aqueles dois atrevidos olhos azuis, quase roxos.


Puta merda! Ele está me olhando! Respira fundo, Anastácia. Pensa em alguma coisa que não dá tesão. Justin Bieber pelado. José Luiz Datena vestido.


— Senhorita Steele, aqui está o contrato de submissão redigido pelo departamento de RH das Empresas Roxo...


Pego os papéis com minhas mãos trêmulas e começo a ler.


Puta merda!


— Belford... — eu digo com a voz de soprano de um cantor sertanejo universitário. — Sabe, mô, eu queria discutir o apêndice 1.3 da cláusula 2.7: "a submissa se compromete a ter relações anais com o dominador". Achei que a gente ia fazer amor mais vezes.


O Senhor Roxo sorri, condescendente.


— Não é "anual", criatura. É "anal". Puta merda!


— Ah, não! Isso não, Belford. Eu sou moça de família. Lá em casa ninguém dança kuduro nem faz sexo anal. A gente só escuta Chico Buarque e faz amor.


Ele me fuzila com seu sorriso branquíssimo.


Puta merda! É a primeira vez que vejo alguém fuzilar com um sorriso!


— Quantas vezes eu preciso repetir, Anastácia, querida? Eu não faço amor, eu fodo.


Puta merda!


Volto à leitura do Contrato de Submissão Unilateral Consensual Segundo a CLT.


Puta merda!

— Belford, querido — eu digo com a voz aguda de uma cantora tropicalista —, este item aqui... Parágrafo 15.11 da cláusula 2.9... "O Dominador pode açoitar, espancar, chicotear ou castigar fisicamente a Submissa como julgar apropriado." O que você quis dizer com isso?

O senhor Roxo franze o cenho, ergue as sobrancelhas, me dá um sorriso convencido e me lança aquele olhar atrevido dele. Como faz tudo isso ao mesmo tempo, o garçom pensa que ele está sofrendo um AVC e corre até a nossa mesa. Belford lhe entrega uma nota de 10 reais, e o garçom se manda.

— Anastácia, o que eu faço com você? — ele diz com seu olhar.


Ele sorri, e eu coro.


— Isso significa — prossegue o Senhor Roxo — que eu vou te dar umas palmadas toda vez que você fizer uma pergunta idiota.


Puta merda!


— Como assim, idiota? — eu digo com a voz grave de uma cantora de axé.


O senhor Roxo fecha seus dois olhos lânguidos e olha para cima, suspirando.


Puta merda! Como ele consegue olhar para cima com os dois olhos lânguidos fechados?!?


Volto à leitura do contrato e passo os olhos pelo apêndice 3.2 do parágrafo 37, alíquota B da subseção 4.


Puta merda!


— Belford, amor... — eu digo com a voz quase inexistente de um cantor de bossa nova.


Esta coisa aqui de enfiar consolos, vibradores e brinquedos... Olha, consolo e vibrador ainda vai. Mas brinquedo...


O Senhor Roxo sorri impaciente.


— Isso não é tão ruim quanto você pensa, senhorita Steele. Mas podemos estabelecer um limite. Só transformers e action figures.


Puta merda!


Meu inconsciente sai correndo e se esconde atrás do sofá. Eu o chamo de volta, e ele se aproxima assustado para se acomodar ganindo dentro do meu ser. Retomo a leitura do contrato. Minha deusa interior está arfando.


Meu inconsciente sai correndo e se esconde atrás do sofá. Eu o chamo de volta, e ele se aproxima assustado para se acomodar dentro do meu ser

Puta merda!


— Belford, honey — eu digo com a voz silenciosa de uma cantora de bolero aposentada —, esse item B.52 do parágrafo 18, alínea C da proposição C... Essa coisa de surra de vara... Sabe, eu gosto de vara.


O Senhor Roxo pisca as sobrancelhas, ergue os olhos azuis e sorri com seu queixo petulante. O garçom imagina que desta vez é mesmo AVC e ameaça se aproximar, mas é detido pelo sorriso frio na testa de Belford.


Puta merda!


— Anastácia Steele... Quando eu digo "vara", eu quero dizer "vara", e não... bem, humm, "vara".


Puta merda! Respira, Anastácia. Ele é o homem dos seus sonhos. Ele só é bruto e desumano, mas é gente boa.


— E tem outra coisa — prossegue ele, movendo suas orelhas sedutoras —, você precisa parar de falar "puta merda" em público.


Puta merda!


— Mas, Belford, meu amor — eu digo com uma voz sussurrada da Marina Lima —, eu não falei, eu pensei. Toda vez que o texto estiver em itálico, eu estou pensando, e não falando. Tipo assim: puta merda! Opa! Eu falei ou só pensei?


O Senhor Roxo me encara com angústia, absolutamente alquebrado, num sofrimento agonizante, refletindo o que ele sente por dentro do seu eu interior. O garçom olha ressabiado, mas fica na dele.


— Anastácia — ele diz com uma voz de barista —, isso não vai dar certo. Você fala "puta merda" toda hora. E não é voz de barista, anta! É voz de barítono. Barítono!


Ele se levanta da mesa e vai embora apressado como um rio que passou em minha vida e que meu coração se deixou levar. Fico sozinha na mesa e dou um grito mudo de tristeza. Minha deusa interior se assusta e se esconde dentro do meu inconsciente desolado. O garçom se aproxima e me entrega a conta.


— Vai ser cheque ou cartão? — ele pergunta.


Eu passo os olhos pelo valor da conta e me entrego à minha dor.


Puta merda!


FOTOS GETTY IMAGENS / CORBIS


215 visualizações0 comentário

Posts recentes

Ver tudo

Comments


bottom of page