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BOM DIA, LUÍZA BRUNET!

Ficção



Acordei com ela em minha casa, pedindo para tomar um banho;

logo depois, eu estava em meio às massagistas da Termas Xangai.

Que dia, rapaz!


Por NANI


Você acorda de manhã e, dormindo na sua cama, ao seu lado, está a Luíza Brunet. Você se senta bruscamente na cama, assustado, achando que ainda está sonhando. Ela começa a despertar e resmunga: "Que foi, querido?"


Não é sonho. Você tenta lembrar como ela foi parar ali, onde a cantou, como a levou até a sua casa, mas não consegue. Ela acorda: "Querido, deixou dinheiro pra empregada comprar pão e manteiga? Hoje é dia de pagar a conta de luz".


Você finge naturalidade. Melhor aproveitar a situação. Não tem nada demais fazer amor com ela ao despertar. Mas você está aturdido e, apesar de ser de manhã, nem aquela ereção matinal você tem. Vai ao banheiro e recrimina mentalmente a inibição daquele a que você se refere como o "amigo que nunca broxou" e que agora te decepciona.


Enquanto você escova os dentes, ela entra, despe a calcinha e entra no boxe.


— Hoje vou ter um dia cheio. Você me pega lá pelas 8 da noite?


— Cl... Claro... — Você fará qualquer coisa por ela, mas pegá-la onde? Não tem coragem de perguntar e, para não demonstrar que está boiando, diz decisivo:


— Eu vou junto com você e fico lá te esperando.


— Chega! Pra mim chega! — ela berra do boxe, pega a toalha e sai te espinafrando. — Não te falei que não agüento mais teus ciúmes? Ontem discutimos isso a noite inteira. Você jurou que não ia mais fazer ceninhas. Eu te disse que mais uma dessas eu ia embora. Pra mim chega. Acabou. Eu vou embora. Não agüento mais você pegando no meu pé.


Luíza Brunet está te abandonando. Para sempre. Ela estava ali, era sua mulher. E você não sabia de nada

Ela começa a fazer as malas. E você tenta lembrar se um dia pegou no pé dela, ou na mão, ou naqueles seios maravilhosos, se acariciou aquelas belas pernas, se a beijou, se agarrou suas ancas... Não, você não se lembra de ter pegado nela. E ela está com as malas prontas te chamando de ciumento, de porco-chauvinista, de feitor, que nunca mais quer te ver. Luíza Brunet está te abandonando. Bate a porta e se vai. Para sempre.


Luíza Brunet era sua esposa e você nem se lembra de como foi a lua-de-mel.



Há uma música ambiente relaxante que à medida que você acorda vai aumentando. O perfume no ar é gostoso. Você abre os olhos lentamente e vê vultos de mulheres e homens nus circulando à beira da piscina. É uma casa de massagens e você acha natural estar ali. Uma mulher passa e você a olha. Acha-a bonita mas, em vez de ter tesão por ela, você sente algo parecido com despeito e se flagra pensando que gostaria de ter seios grandes e firmes como os dela. Aí suas mãos sentem que suas pernas estão lisas e nervosas; suas mãos correm pelo seu corpo e você sente suas axilas depiladas e, ao olhar pro peito, vê que você possui um par de seios. Pequenos e um pouco caídos. Leva a mão à procura da sua masculinidade. Não há. O que você encontra é a prova definitiva da sua condição feminina. Mas por dentro você ainda se sente homem, macho e, pelo que lembra, trabalha num escritório e que é chamado de senhor pelos empregados, de doutor pela secretária, de paizinho pela esposa e de "Tuco" pela amante.


Mas não, você está numa casa de massagens e não é nenhum daqueles executivos que circulam ali, você é uma das panteras da Termas Xangai. Seus cabelos estão bem cuidados. Você é gostosa.


Você está apavorado mas mantém um sorriso nos lábios para dissimular o horror que está sentindo. Um senhor de bigodes ruivos, perfumado, se aproxima e lhe traz um uísque. Você agradece e estranha sua voz agora tão fina. E toma o uísque de um gole só para ver se se acalma.


— Meu nome é Japiassu. Estou te esperando na suíte 12 — diz ele, se afastando.


Você se levanta já decidido a se mandar dali. Mas o gerente da Termas te pega pelo braço e bronqueia contigo: "O doutor Japiassu não gosta de esperar. Você sabe muito bem o jeito que ele gosta de transar. Tome aqui a maleta e vá pra suíte 12".


"De que jeito Japiassu gosta?", você se pergunta. Mas vai. E antes de entrar abre a maleta para ver o que tem dentro: uma cabeleira de palhaço, uma batedeira de bolo, duas tartaruguinhas, uma foto do Amaral Neto, uma peteca e uma barra de goiabada cascão.


Japiassu te espera.



— Presidente, aqui estão os jornais.


Antes de poder responder que você não é presidente, mas um simples empregado da..., seus olhos vêem sua foto estampada em todos os jornais. Você é o presidente da República do Brasil e todas as manchetes estão metendo o pau em você.


— O que está acontecendo? — você pergunta em voz alta, mas a pessoa que trouxe os jornais já saiu.


E você lê o que está acontecendo. Você, o presidente, prendeu vários criminosos de colarinho branco, deu uma banana aos credores dizendo que o país não vai pagar a dívida externa, aumentou o salário de todo mundo, nacionalizou as multinacionais, pediu a Cláudia Raia em casamento e tornou o curso de corte e costura matéria obrigatória no currículo escolar.


Os jornais falam num golpe iminente. Os editoriais perguntam se o curso de corte e costura será pelo método centesimal ou pelo método Iole. Os jornais mais radicais te chamam de "o presidente tubinho". Há opiniões de Clodovil, Calvin Klein e Caetano Veloso.


Você é presidente da República e nem sabe quem é o seu vice, ou quem são seus ministros. É e está presidente, já tomou medidas e nem se lembra da sua posse ou se empregou seu irmão que é engenheiro e está desempregado. E toda essa polêmica sobre corte e costura.


O Estadão pergunta se você, o presidente, vai assinar mesmo a volta da saia plissada "caixa de abelha", já que o Exército é contra, a Marinha a favor e a Aeronáutica está dividida. Enfim, uma crise sem prece-dentes na história do país. O telefone toca. Alguém aconselha-o a deixar o país. Os tanques avançam sobre o palácio. Um puxa-saco traz uma metralhadora e diz para você resistir. O funcionário se manda e você fica sozinho. Ouve tiros. A porta está sendo forçada. Você está sendo derrubado.



Aconteceu a hecatombe nuclear. É o dia seguinte. O mundo foi destruído. Ao seu redor só escombros, cinzas, ferros retorcidos, entulho. A vida pereceu. Nada. Ninguém. Só restou você. Você, o que sobreviveu. Você é o único homem sobre a face da Terra? As evidências mostram que sim. Você se sente um Adão, disposto a procurar uma nova Eva e começar tudo de novo. E você, imbuído desta responsabilidade, anda pelo mundo à procura de uma única sobrevivente. O mundo a ser reconstruído será melhor.


E você caminha pensando que a Sônia Braga sobreviveu. Ela daria uma ótima Eva. Uma Eva com sangue latino e você até imagina uma humanidade brejeira, bem brasileira, cheia de dengo. Ou, quem sabe, a francesa Isabele Adjani? A metade da humanidade com olhos castanhos que nem os seus e a outra com olhos azuis. Uma Eva loura como a Xuxa é lugar-comum, mas, tudo bem, se o mundo tem que começar com clichê, que seja, vá lá.


E você procura, procura, procura... Um dia você avista no horizonte um vulto. É a outra pessoa que sobrou da guerra nuclear que dizimou toda a humanidade. Não interessa que seja loura, morena, mulata, negra ou amarela... É a pessoa destinada a você para que, juntos, reconstruam o admirável mundo novo, povoem a Terra. Você corre para o vulto como um espermatozoide correndo para o óvulo. Não importa que seja a Xuxa, a Laura Antonelli, a Luíza Brunet, a Jessica Lange, a Gal Costa ou a Maitê Proença. Você abre os braços para um abraço de amor e corre até o vulto, que vem crescendo, crescendo, e vai tomando forma. Fecha os olhos para saborear o momento bíblico e histórico e corre até sentir um abraço forte e apertado. E aí você abre os olhos. É o Jece Valadão.


ILUSTRAÇÃO MARCELO CIPIS


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