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CHUPA ESSA MANGA

Reportagem


Da boca para dentro

Como o sexo oral, prática realizada desde os tempos das cavernas, transformou nossa sociedade, modificou o jeito de assistirmos a filmes e quase derrubou um presidente americano


Por DAGOMIR MARQUEZI


Felação vem do latim fellatus, do verbo fellare, que significa... chupar. Refere-se à arte de satisfazer um homem usando a boca, especialmente em sua área genital. (A arte de satisfazer uma mulher da mesma maneira é chamada cunnilingus, que junta as palavras em latim para "vagina" e "língua"— mas esse é assunto para outro artigo.) A felação pode enlouquecer um homem, e as mulheres sabem disso. Quando um macho vê uma fêmea ajoelhada entre suas pernas se dedicando a provocar o prazer dele, a sensação de poder e superioridade é inevitável. Uma penetração vaginal (ou anal) tende a ser (em termos bem grosseiros) o preenchimento de um buraco. Num fellatio, a mulher pratica uma arte rica em detalhes e sutilezas. A plasticidade de um blow job o torna uma das atividades sexuais mais exploradas em filmes pornôs. Um desses, como veremos adiante, fez história. Não existe, obviamente, uma receita perfeita para uma felação, já que cada um é cada um.


O ensaísta Gershon Legman (no seu livro O Beijo Mais Íntimo) traça seu próprio roteiro de um fellatio perfeito. Começa com a excitação da chamada bolsa escrotal — uma das regiões mais sensíveis do homem, em vários sentidos. Segue-se a "inosculação" (descrita com detalhes de manual técnico):"A mulher esconde com a boca todos os contornos do órgão masculino sucessivamente: a glande com sua crista curva e a coroa esponjosa externa, o sulco bálano-prepucial em torno da glande da coroa e a própria haste do pénis a uma profundidade de 7 centímetros no máximo, dependendo da capacidade oral da mulher". A fase 3, segundo Legman, é o "atrito oral em que a boca e a língua da mulher procuram imitar (...) a vagina durante a cópula comum". Chegamos então ao ápice: "A desejada ejaculação seminal do homem se efetua. A mulher fecha então os olhos e recebe o licor sagrado sem resistência, sem sequer bater as pálpebras". Em seu "manual", Gershon Legman chega então à eterna questão: cospe ou engole? "Ela espera que tenham cessado os primeiros jatos da ejaculação do homem e, então, sem qualquer excitação ou voracidade, engole o sêmen. Depois, entreabrindo os lábios, deixa o pênis retirar-se (...). Em casos excepcionais, é permissível que ela rejeite (o sêmen) sem engolir o líquido. Mas é essencial que isso seja feito em silêncio e com a máxima discrição, sem corrida precipitada para o banheiro, sem gargarejos, sem barulhos de água, sem a descarga do vaso aberta e sem se iniciar um movimento de ânsia de vômito."


Seria essa uma demonstração explícita de machismo por parte do autor? A questão é mais profunda do que parece. O sexo oral envolve uma fantasia de domínio e submissão da mulher. E essa fantasia não é apenas masculina. Mulheres sabem que uma "peta" inesquecível é uma forma poderosa de manter um homem dominado. O que significa que, no fundo, a "submissa" é quem está dominando. Existem dois tipos básicos de felação. Na primeira, o homem é o "passivo". Relaxa com a cabeça apoiada num travesseiro alto, observando a mulher que se dedica a adorar cada centímetro de seu pênis. Ela o beija, lambe-o e o coloca entre os lábios em estado de devoção. O prazer dela é provocado pelo prazer que ela causa em você. Aos nossos olhos, é uma entrega absoluta por parte dela. E esquecemos que nosso precioso "músculo do amor" está numa guilhotina. Basta o segundo de uma mordida para que o prazer se transforme em tragédia. Mesmo assim, relaxamos... Ela faz o trabalho e eventualmente gozamos.


No outro extremo, os papéis se invertem. É a "irrumação", mais conhecida como "face fuck". O homem deixa de ser passivo para se tornar o único ativo. A mulher oferece sua boca apenas como mais um orifício. Ela permanece praticamente imóvel, e algumas colocam as mãos para trás, para deixar claro que não reagirão à penetração. E assim podem chegar ao estágio de deep throat propriamente dito. O pênis já não se limita à boca da mulher, mas se aprofunda por sua garganta. O que pode determinar, inclusive, sua parada respiratória. O prazer do homem se torna uma questão de vida ou morte para ela. Um passo além do deep throat é o gag: atrizes pornôs que engolem tudo e reagem vomitando, babando, tossindo, perdendo o fôlego com ajuda de pequenos estrangulamentos. Isso tudo é degradante para qualquer mulher. Mas filmes pornôs são território sem muitos princípios — ou não seriam filmes pornôs. As atrizes concordaram com aquilo. Algumas parecem gostar, de verdade. Outras não conseguem esconder o desconforto. Mas essas são práticas extremas.


A grande maioria dos casais pratica sexo oral dentro de uma certa "normalidade". Ele pode ficar ainda melhor se vocês ajustarem alguns detalhes: 1) Usando a boca, quanto mais ela demorar onde você quer, mais louco você vai ficar. Pense no seu corpo inteiro como um órgão sexual. 2) Se a sua companheira estiver fazendo sexo oral em você de forma mecânica e repetitiva, explique a ela que a variação é sempre melhor (para os dois) e peça para alternar lábios com língua e mãos, variar na velocidade e na pressão. 3) Mantenha alguma luz acesa, se ela topar. Sexo oral é um espetáculo para ser admirado. 4) Todo cuidado com dentes. Um pênis ereto é um órgão especialmente sensível, e qualquer descuido dela pode terminar com uma mancha roxa ou coisa muito pior. 5) Se antes do sexo ela estiver usando uma bala de menta ou hortelã, isso pode fazer uma boa diferença. Água gelada ou bebidas alcoólicas na boca dela podem também ajudar a mudar as sensações. 6) Alternem com naturalidade o comando das ações. 7) Ensine a ela que a parte mais sensível do seu pênis é a região na parte inferior da glande, também chamada de "cabresto". 8) Nem é preciso lembrar as delícias que podem ser encontradas num número: 69. Seguindo esses passos, você poderá atingir novos níveis de prazer. E se ela tiver sérias restrições a engolir o fluido que você produz?


Vamos encarar o fato de um ponto científico/nutricional. Esperma pode, sim, transmitir doenças, em certos casos. Desde que você e ela estejam com a saúde preservada, as vantagens de engolir o sêmen são muitas. Segundo o jornalista especializado em sexualidade (e consultor da PLAYBOY americana) Michael Castleman, o sêmen de um homens saudável é composto basicamente de água (97%) e 2% de esperma propriamente dito — que é essencialmente proteína. O 1% restante parece fórmula de suplemento alimentar: frutose, bicarbonato de sódio, magnésio, sódio, potássio, zinco. Contém cerca de 20 calorias. Quanto mais saudável for o homem que o produz, melhor o sabor para ela. Uma atriz pornô experimentou mais de mil fontes diferentes de sêmen e computou os dados: os melhores "drinques" vieram de homens saudáveis, especialmente os que não comem carne e que tomam suco de frutas regularmente.


Álcool, cigarros e muita carne deixam um gosto amargo no esperma. Ou seja, engolir (com as devidas precauções) não só não faz mal, como pode fazer muito bem. Cientistas da State University of New York estudaram a vida sexual de 293 mulheres e concluíram que aquelas que praticavam sexo oral eram mais felizes. A razão para isso? O esperma contém serotonina, oxitocina e melatonina, três poderosos antidepressivos. Combinados, eles provocam sensação de bem-estar, aumento de afetividade, relaxam e induzem o sono. Você pode imaginar uma cantada melhor que essa?



Uma história Oral

Desde os tempos mais primórdios que a felação está aí


Mulher pratica felação num homem enquanto outro a penetra por trás. Poderia ser uma simples cena de ménage à trois num filme pornô se não estivesse registrada numa caverna do período neolítico, mostrando nossa longa convivência com o blow job. A mitologia egípcia conta que o deus egípcio Osíris, depois de despedaçado por inimigos, foi 'remontado' pela sua irmã e esposa Ísis. Ela "soprou" vida nele através de um pênis reconstruído. A rainha egípcia Cleópatra (69-30 a.C.) teria praticado felação em mais de 100 nobres romanos durante uma grande orgia. Prostitutas egípcias "inventaram" o batom para fazer propaganda de suas habilidades orais. O Kama Sutra, livro clássico da sexualidade escrito na Índia entre, 400 a.C. e 200 d.C., dá orientações práticas de sexo a partir de expressões em sânscrito: chumbitaka ("beijar a ponta do pênis"); parimrishtaka ("beijar e lamber todos os lados do pênis com a ponta da língua"); amrachushitaka ("segurar e vigorosamente chupar o falo"); samgara ("tomar o falo na boca até onde for possível e apertá-lo até que o fluido do homem caia").


O célebre ocultista britânico Aleister Crowley registrou outros nomes poéticos originários da Índia para a prática do fellatio: "ratoeira" (mordiscar e beijar todo o pênis como um rato com seu pedaço de queijo), e "redemoinho" ("tomar o pênis todo na boca e passar a língua repetidamente em torno da glande"). No auge do Império Romano, o follatio era tabu e só podia ser realizado por uma mulher (ou homem) de classe inferior, como símbolo de subserviência.


No entanto, na Malásia de hoje, em pleno século 21, a introdução de um pênis na boca de alguém é crime. O autor pode ser chicoteado e mandado para a prisão por 20 anos. Cingapura pega mais lese: encarcera só por dez anos. Hoje o blow job é aceito como normal. Mas foi considerado uma aberração até 50 anos atrás nos Estados Unidos. Um caso célebre aconteceu com o cineasta Charlie Chaplin, que se casou com uma adolescente. Quando o casamento virou um divórcio, em 1927, sua ex o acusou de ter "desejos sexuais anormais", entre eles pedir uma chupeta. Chaplin teve que desembolsar 825 mil dólares no acordo. E não ganhou o que queria. Já em 1995, o ator britânico Hugh Grant foi apanhado dentro de um carro, em Los Angeles, sendo chupado por uma prostituta chamada Divine Brown. Foi um escândalo mundial, mas por razões diferentes. Grant pagou uma multa de 1.180 dólares, foi liberado na mesma hora e o fato nem abalou sua carreira. O maior espanto foi perguntar como um homem que tinha a espetacular atriz Elizabeth Hurley como esposa havia se arriscado com uma prostituta de rua. Com o incidente, Grant mostrou na prática a falta de lógica da sexualidade masculina, tão difícil de entender por quem não é homem.


Linda, tira a chupeta do armário

Como um filme fez com que todo mundo metesse a boca no assunto


Até o início dos anos 1970, filmes pornográficos eram clandestinos, geralmente produzidos em Super 8 ou 16 mm, escondidos em cantos secretos dos armários. Em 1972, tudo mudou por causa de uma garganta. Uma moça de família chamada Linda Susan Boreman levava uma vida tediosa nos subúrbios de Nova York quando sofreu um grave acidente de carro. Enquanto se recuperava, conheceu um sujeito aparentemente gentil e dedicado, chamado Chuck Traynor. Com o tempo ela se revelou um cafetão abusivo e explorador, que descobriu que Linda tinha a capacidade de engolir sem muita dificuldade coisas grandes e duras. Linda Boreman virou Linda Lovelace. O diretor Gerard Damiano enxergou o seu potencial comercial. E criou (por 22 mil dólares, mais 25 mil pela trilha sonora) uma produção pornô mais ambiciosa, com enredo, efeitos especiais e edição criativa. No filme, chamado Deep Throat (Garganta Profunda), Linda Lovelace — uma mulher sem grandes atrativos — pede ajuda a um médico chamado Dr. Young. Ele faz um rápido exame e descobre que o clitóris dela está localizado na garganta. Imediatamente a convida a comprovar sua descoberta. O doutor bigodudo (dono de um senhor pênis) se deita e Linda mostra seus atributos. O momento do orgasmo é alternado com as cenas do lançamento de um foguete e fogos de artifício. Sabe-se que o filme de 61 minutos custou 47 mil dólares. Sua rentabilidade, porém, é um mistério. Fala-se em lavagem de dinheiro. E em números entre 40 e 100 milhões de dólares. Deep Throat se tornou o primeiro filme pornô a ser exibido em cinemas "normais". A partir dele surgiu o termo "pornô chic", quando a atividade passou a ser mais aceita socialmente. Personalidades como Martin Scorsese, Frank Sinatra e Truman Capote, e até o vice-presidente americano da época, Spiro Agnew, admitiram tê-lo assistido. Linda Boreman, a princípio, defendeu o filma. Depois, acusou seu então marido, Chuck Traynor, de tê-la forçado a praticar aqueles atos, ora sob a mira de uma arma, ora por meio de espancamentos.


A fama de Deep Throat continuou pelo século seguinte e gerou cinco continuações, a maioria com o astro pornô Ron Jeremy. Em 2008, um remake do filme foi anunciado e se transformou num reality show à procura da "nova Linda Lovelace". A Lovelace original enfrentou um período de excesso de drogas depois do explosivo sucesso do filme. Lançou três autobiografias, virou evangélica, tornou-se militante antipornografia, casou de novo e continuou infeliz. Deu a chupada mais lucrativa da história, mas não ganhou nada com isso. Em 2002, sofreu outro grane acidente de carro, e morreu aos 53 anos de idade.


A mancha que abalou a Casa Branca

Monica trouxe o sexo oral de volta às manchetes nos anos 1990


Em novembro de 1995, uma garota gorducha de expressão meio infantil quase derrubou o mais importante líder político do mundo. Nascida em São Francisco, com 22 anos Monica conseguiu, por meio do pai, um estágio não remunerado na Casa Branca. Em julho de 1995, a moreninha estava em Washington vivendo uma história que daria uma boa temporada da série House of Cards. Quatro meses depois de iniciar o estágio, Monica Lewinsky se ajoelhou para o presidente Bill Clinton em plena Sala Oval. O sêmen presidencial escorreu e manchou seu vestido azul. Entre novembro de 1995 e março de 1997, Monica Lewinsky teve relações com Clinton, geralmente orais.


O caso virou um escândalo, e Monica se tomou celebridade mundial da noite para o dia Clinton negou tudo a princípio. Até que um dia apareceu a prova irrefutável: o vestido azul, ainda sem lavar. Ameaçado de impeachment, Bill Clinton reconheceu o erro, pediu desculpas ao povo americano e à sua mulher, Hillary. Completou seu mandato em 1998, o escândalo foi relevado e Clinton não só se tomou um líder de respeito, como a ex-primeira-dama tem boas chances de virar ela mesma presidente. Quanto a Monica Lewinsky, no início escreveu um livro contando a sua versão do caso e deu uma entrevista exclusiva à jornalista Barbara Walter. Só nesses dois movimentos, faturou um milhão e meio de dólares. Virou convidada do programa Saturday Night Live, falou com jornais, revistas e TVs, lançou uma linha de bolsas cem seu nome, ganhou outro milhão para virar garota-propaganda de um refrigerante. Virou apresentadora de reality show. Aí se cansou de ser celebridade por uma "causa errada", nas suas próprias palavras. Em 2005, foi estudar psicologia social em Londres, onde sua fama não era tão forte. Em 2014 voltou a chamara atenção numa campanha contra o cyberbullying, declarando-se a primeira vitima de assédio da internet. Passou a fazer parte da organização Bystander Revolution.


E, como num bom 69, os dois lados saíram ganhando.


ILUSTRAÇÃO PEDRO PICCININI


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