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DAVID CARDOSO

Perfil


O NOVO REI DAS TELAS

Sua receita: erotismo, violência, aventura e contabilidade


Por GERALDO MAYRINK


Partindo de Maracaju, a 150 quilômetros de Campo Grande, em Mato Grosso, David Cardoso demorou dezessete anos e 39 filmes para chegar ao outro lado do mundo. Quando ele galgou a mais alta das mansões de Beverly Hills, em maio último, rumo a um encontro com o mais poderoso chefão acastelado no bairro-dormitório de Hollywood, levava debaixo dos braços discos de Martinho da Vila e de Jorge Ben. Eram lembranças singelas, sem dúvida, mas que outras poderiam ser ofertadas naquelas circunstâncias? Entrando na mansão de dezesseis quartos, dezesseis empregados, dezesseis garçons e de outros plurais, o visitante pensou por um momento que tudo aquilo era tão irreal quanto os filmes que ainda se fabricam a alguns quilômetros dali. O que aconteceu em seguida foi a "coisa mais impressionante" na vida de David Cardoso.


Impressionante, para fazer justiça ao encontro, talvez seja pouco. Durante treze horas, o ator-produtor-diretor de 19 Mulheres e um Homem passou para o produtor de King-Kong, Dino de Laurentiis, um documentário de sua autoria rodado no Pantanal de Mato Grosso, repleto de sucuris, onças, rios portentosos.


Sentado na sua poltrona, ou como quer que se chame o veículo que se locomovia pela sala, comandado por botões e oferecendo ao espectador a possibilidade de ver a tela de vários ângulos, Dino de Laurentiis retribuiu com um espetáculo não menos deslumbrante para os olhos de David Cardoso. O lugar todo, comentava-se ante a mudez diáfana da anfitriã Silvana Mangano, e o interesse esportivo do filho do dono da casa, Federico, custara 3 milhões de dólares — isto é, tanto quanto a produção do esplêndido orangotango ora em exibição em todo o mundo. E, apesar da frota de garçons uniformizados, nenhum deles apareceu para servir bebidas. Dino de Laurentiis tinha, também para isso, uma surpresa reservada a sua reduzida platéia. Federico caminhou na direção de dois leões de mármore, de 1,20 m de altura cada um, colocou os pés junto às patas dos bichos e acionou um pedal. O uísque então jorrou para os copos que ele segurava junto às bocas dos dois reis dos animais.


DE LAURENTIIS ACIONOU UM PEDAL. E O UÍSQUE JORROU DA BOCA DOS LEÕES

De volta à realidade — Sentado na sua imóvel poltrona cinzenta, de onde chefia as operações da Dacar Produções Cinematográficas, David Cardoso está de volta à realidade — ou quase. Ali, numa casa de dois andares, onze quartos, alugada por Cr$ 4.200 mensais, no bairro dos Campos Elísios, entre a estação rodoviária e uma estação ferroviária, David relembra sua oitava viagem a Hollywood e os progressos que tem feito na perseguição aos mitos de sua infância.


É um lugar extraordinariamente representativo de quem o habita — a começar pela presença de um cofre enfeitado com a fotografia de uma mulher com os seios à mostra. Não é apenas por gosto, por exemplo, que um grande retrato de Marlon Brando em O Poderoso Chefão está pendurado na parede, bem acima da cabeça de David Cardoso, como não é nenhuma coincidência a imaginária edição do jornal Hollywood Evening Star, pregada num quadro, gritando uma manchete de sonhos: "David Cardoso to Star with Marlon Brando". Como símbolo de tudo, de bom e de mau, que Hollywood produziu para rechear as fantasias dos meninos de todo o mundo, Marlon Brando é uma presença até natural naquele congestionado escritório na capital de São Paulo.


Pois é dali, segundo as ordens do chefão David Cardoso, que vem saindo, à média de um por ano, alguns dos mais ressonantes sucessos de bilheteria do cinema brasileiro. São filmes como Amadas e Violentadas (que em São Paulo, quem diria!, rendeu mais que O Poderoso Chefão, arrecadando Cr$ 1,2 milhão em seis semanas), por exemplo, que estão fazendo de David Cardoso uma esperança, se não do cinema nacional, pelo menos do grupo fixo de onze profissionais (aumentado para 40 ou 50 em épocas de filmagens) que ali ganham o pão de cada dia.


A quinta e mais recente produção da casa, 19 Mulheres e um Homem, atualmente em exibição em grande circuito nacional, traz finalmente a marca de David como diretor. Ele não apenas teve a idéia original da história como faz o papel do homem do título, riquíssimo dono de uma empresa de ônibus que, por puro divertimento, pilota um dos seus veículos rumo a Mato Grosso (onde David nasceu) levando 19 universitárias da Faculdade de Direito de Guarulhos (onde ele cursa o terceiro ano). Autor e ator, David também pagou a conta desta viagem, Cr$ 2 milhões, tirados do próprio bolso e vindos dos quatro filmes anteriores produzidos pela Dacar. "É meu grito de independência", confia ele.


Sonho infantil — Esta independência, como se verá no fim da história, pode ter conseqüências notáveis, se não para o cinema brasileiro, pelo menos para o próprio David Cardoso. Pois ela será a prova que não foi em vão que o pequeno David, filho do dono de uma loja de ferragens em Maracaju, usava bigode postiço e outros disfarces para se embriagar nos filmes que lhe eram proibidos. Todos os filmes de Marlon Brando, todos os filmes de James Dean, todos os filmes de Pat Boone, vistos no mínimo duas vezes, gravaram-se para sempre no fundo do seu coração, onde logo palpitou o sonho de ser artista. Não foi em vão, também, que desde pequeno ele seguiu à risca o conselho paterno: "Se quiser ser artista, não fume, não beba e faça ginástica". Hoje, aos 33 anos, David ostenta do alto do seu 1,76 m um sorriso de comercial de dentifrício e pesa os mesmos 73 quilos de quinze anos atrás. Mas gosta de beber — não, é claro, nas proporções leoninas servidas na mansão de Beverly Hills — e procura compensar este estufante prazer com uma, duas horas diárias de exercícios físicos. Não é por coincidência, também, que ele mora na própria sede da empresa, num pequeno apartamento de solteiro onde os drinques são oferecidos pelo próprio anfitrião, tirados de garrafas normais, e onde se exibe, em 16 mm, as fitas produzidas pela Dacar. Como o cinema foi a sua primeira e única obsessão, ele programou sua vida para tentar ser, na tela ou fora dela, tão bom quanto seus ídolos.


Assim, David conseguiu bater alguns recordes. Viu Lawrence da Arábia dezoito vezes, Vidas Amargas quinze vezes, 2001 nove vezes. Em 17 dias de Nova York, em maio, achou tempo para assistir a 49 filmes. Sua conversa de treze horas com Dino de Laurentiis, portanto, deve ter sido para ele mais que um prazer.


As longas jornadas de trabalho de modo algum parecem abatê-lo. Acorda entre 5 e 6 horas da manhã e vai dormir quase na hora de levantar — 1 ou 2 da manhã, depois de passar por alguma churrascaria "limpa e tranqüila", como ele gosta. À tarde, está tão bem posto e arrumado, nos ternos bem cortados do produtor que decide e ordena, como de manhã, quando guia o seu Chevette branco, atado num cinto de segurança, rumo à faculdade em Guarulhos. David adora cintos de segurança. "Se estas coisas existem, é para serem usadas", pondera ele. Por isso não entra em táxi que não tenha cinto de segurança. Por isso ele admira tanto "o modo de vida americano", pragmático e voltado à eficiência. E, também por acreditar e colocar em prática a regra máxima do sucesso americano, o senso publicitário, ele dedicou ao seu 19 Mulheres e um Homem um tratamento promocional superlativo. Fez vinte cópias do filme, para exibição simultânea em vários cinemas, mandou imprimir 4 mil cartazes e encomendou aos compositores Gabino Correia e Ronald Lark as músicas que compõem a trilha original do filme, investindo mais Cr$ 120 mil na produção de um LP que será vendido em lojas e portas de cinema.


Na pequena porta da produtora Dacar, enfim, um desses cartazes foi pregado semanas antes do filme entrar em cartaz. Ele mostra David Cardoso, torso nu, abraçado a uma das 19 mulheres do seu ônibus. Ela está inteiramente nua, mas quase não se nota.


Autodidata — Para um produtor especializado em misturar aventura, mortes, ação e duas dezenas de sugestões sensuais já no titulo, é uma proeza que seus filmes saiam inteiramente virgens das mãos dos censores. Mas saem. "Eu não posso errar, não posso perder dinheiro", repete ele, citando de cor as estatísticas da sua última produção: 1.600 quilômetros de viagens, 14 técnicos, 46 atores, 40 dias de filmagem. Três automóveis e um avião explodidos para reforçar o realismo. Catorze aviões voando rumo ao Pantanal para salvar David Cardoso e as sobreviventes de seu ônibus atacado por cinco facínoras fugidos da prisão.


Sílvio Santos, outro sorriso consagrado no país, patrão dos destinos de uma equipe várias vezes maior que a de David, viu o filme e gostou. Pelo menos é o que dá a entender seu comentário: "O filme não tem nada, mas me prendeu a atenção o tempo todo". É o único elogio que David gosta de ouvir.


Gosta de ouvir também, e não nega, o barulho da caixa registradora. E entre estes dois sons, do elogio de Sílvio Santos e de moedas soando, parece estar contido o segredo do sucesso de David Cardoso. Autodidata, ele aprendeu tudo que sabe sobre cinema trabalhando em incontáveis produções alheias, desde um documentário em sua terra natal, em 1962, e primeira aparição profissional em O Lamparina, de Mazzaroppi, no ano seguinte. Foi uma estréia tão discreta que o pai de David, trazido de Maracaju para a presumível emoção de ver o filho ingressando no mundo do cinema, teve que esperar uma outra sessão pois desviara o olhar da tela nos três ou quatro únicos segundos em que David sorria. Durante quatro anos, lembra hoje o então estreante, ele literalmente engraxou as botas de Mazzaroppi.


Modéstia à parte — Os futuros historiadores do cinema nacional ou, talvez, algum biógrafo de David Cardoso, encontrarão sinais mais visíveis de sua passagem pela sétima arte em Noite Vazia, de Walter Hugo Khoury, em 1964; em Corpo Ardente, também de Khoury, em 1966 (dois ou três minutos em cada um) e, principalmente, em A Moreninha, de Glauco Laurelli, em 1970, onde estrelava ao lado de outra engatinhante celebridade, Sônia Braga.


Aquela altura, porém, David já desvendara alguns dos segredos do mundo em que escolhera viver. Trabalhara como assistente de direção, continuidade, gerente de produção, diretor de produção, produtor executivo. "Modéstia à parte", desculpa-se David, "fui um dos melhores técnicos que já existiu em São Paulo." Nada mais natural, portanto, que fosse cuidar da sua vida. Em 1972, nasceu a Da (de David) car (de Cardoso), onde ele detém 90% das ações (as outras 10% ficaram com seu pai, que ainda mora em Maracaju).


Desde então David Cardoso passou a trabalhar somente para si. Ele não esquece, por exemplo, que o seu cofre ornado com uma mulher pelada é mais que um símbolo eloqüente da sua empresa — dentro do cofre, infelizmente, jazem quase sem esperança de ressurreição cerca de Cr$ 75 mil em cheques sem fundos. Algo desencantado com o que descobriu por trás das telas, "muita desonestidade, muita gente roubando", ele começou a cobrar os juros de uma dedicação que até então não via reconhecida. "Eu sempre dei mais do que recebi do cinema", magoa-se ele. "Por isso, aquela aura, aquela gana de ver dezoito vezes um filme, acabou deteriorando um pouco." Trabalhar para si mesmo, de resto, foi a principal lição aprendida com o sábio caipira Mazzaroppi, ainda hoje o Rei Midas do cinema nacional. "Eu deixava de ir a festival, deixava de pegar mulher só para ficar tomando conta de um cavalo que na manhã seguinte não podia estar doente de jeito nenhum", orgulha-se ele. Essa dedicação foi imposta, firme mas educadamente, aos que hoje trabalham com David Cardoso. Durante as filmagens de 19 Mulheres e um Homem, por exemplo, pelo menos duas atrizes foram "assassinadas" para que a equipe se livrasse delas — levantavam tarde, criavam caso, atrasavam o, digamos, organograma da produção. "Eu disse para elas que ia filmar o assassinato antes e no dia seguinte as cenas com elas vivas", conta David. Mas, uma vez mortas a tiros pelos facínoras, foram despachadas de volta à vida noturna de São Paulo, onde o produtor as havia recrutado.


Shazam! — Os cuidados de David se explicam. 19 Mulheres e um Homem, afinal, foi planejado para fazer a Dacar uma empresa ainda maior e principalmente para provar às platéias que as concepções de David Cardoso sobre o que seja o cinema estão corretas. As dez horas de material filmado foram reduzidas a 1 hora e 42 minutos, existem três mil "tomadas" (o que significa que dificilmente uma cena dura mais de um minuto) e a receita de ingredientes é a mais ampla possível: gente pulando de páraquedas, carros, onça, jacaré, sucuri, crianças, mulheres, sexo. "Tudo que se possa imaginar eu pus no filme", diz David. "Talvez seja o melhor filme de aventuras já realizado no Brasil."


Salvo surpresas em contrário, as platéias têm dado razão à imodéstia do autor. Magnânimo, ele lotou um cinema de 2.500 lugares em Presidente Prudente (SP) e outro de mil em Campo Grande (MT), a Cr$ 50 o ingresso, e após as sessões preencheu dois cheques, um de Cr$ 52 mil, outro de Cr$ 50 mil, para doar a instituições de caridade. A platéia gostou, imagina David, porque o filme "prendeu" — e "prender" é a palavra-mágica, o "Shazam" do vocabulário técnico com que a Dacar procura conquistar público. E é de novo nos cinemas de Maracaju, muitos anos atrás, que se encontra uma explicação, nas frases evocadas pelo autor do filme: "É como naquelas fitas de capa-e-espada... o cara luta três horas, mata o pai da moça porque ele era um assassino... aí termina com a mocinha no meio do barco... o negócio é não dar o que pensar... não deixar que o espectador tente captar tudo, refletir... na minha fita já vem tudo mastigado, o espectador só tem um espetáculo visualmente bem feito... então é isso aí que eu quis fazer..."


Ser aceito pelas platéias, em suma, é tudo o que pretende David Cardoso. Ele não coloca seus filmes em festivais, que classifica como "panelas", nem persegue elogios às eventuais qualidades artísticas ali contidas. "Eu não faço filmes de arte, não tenho esta intenção", diz ele. "Não tenho nada contra, mas não faço. Não posso perder dinheiro, não posso." No entanto, o que pensaria disso Marlon Brando? Não se sabe, mas David pelo menos tenta sempre que pode ouvir a opinião do mais célebre mastigador de palavras em atividade no momento. Em Hollywood, ainda em maio, ele teve uma experiência — menos impressionante que a da casa de Dino de Laurentiis — com Jocelyn Brando, irmã do astro, que infelizmente não pôde fazer nada para arrumar um encontro. Marlon, disse ela, estava naquele momento filmando em algum canto do mundo — e cobrando a bagatela de 5 milhões de dólares.


"EU NÃO FAÇO FILMES DE ARTE. NÃO POSSO PERDER DINHEIRO, NÃO POSSO"

Cifras como esta, além do mais envolvendo Marlon Brando, têm o poder de abalar David Cardoso da cabeça aos sapatos. E, certamente pelo seu apego ao dinheiro, pela sua confessada disposição de ser um "Mazzaroppi no outro sentido" dentro do cinema brasileiro, é que ele introduziu uma outra palavra no seu vocabulário — "aprimorar". Ele está aprimorando seus conhecimentos de inglês e francês, está aprimorando o equipamento de sua empresa e, sempre para aprimorar seu campo de conhecimento, submete-se à rotina das aulas de Direito, embora saiba que jamais será um advogado. Experimentado na profissão de modelo, função que o levou a percorrer 105 cidades brasileiras, ele ainda acha que precisa também aprimorar o seu trato pessoal. "Eu me cuido pouco, lavo o cabelo com qualquer sabão, não faço unha, sou meio grosso neste aspecto", confessa ele. E, embora se considere um ator medíocre, "razoável, no máximo", ainda não encontrou tempo ou jeito para aprimorar sua linha de interpretação. Além de um rápido curso com o falecido professor Eugenio Kusnet, anos atrás, David só se arriscou a alguma coisa parecida com uma escola de arte dramática quando produziu, no ano passado, a peça Os Homens, sua única experiência no palco. Ali surgiram, lado a lado e em conflito, as duas personalidades de David, a do ator e a do produtor. O ator recebeu instruções para se deitar no chão, com o resto do elenco, para um exercício de sensibilização em que todos eles teriam que se imaginar sendo baratas. Após alguns minutos penosamente rastejados, o produtor levantou-se e ergue sua voz: "Vamos parar com isso e ensaiar de verdade".


E Marlon Brando, que já foi tido como o maior ator dos palcos americanos, o que pensaria de tal atitude? "Eu tenho certeza de que vou me decepcionar com ele", desconfia David. "Mas não interessa. Ele pode me cuspir na cara, fazer o que quiser, mas vou conhecê-lo."


"MARLON BRANDO PODE ME CUSPIR, FAZER QUALQUER COISA, MAS EU VOU CONHECÊ-LO"

Opera maxima — Foi essa determinação, naturalmente, que permitiu a David Cardoso ter hoje o que ele tem: uma fazenda de 300 hectares em Mato Grosso, três carros, um avião Cessna — mas também Cr$ 600 mil de dívidas bancárias, contraídas para reforçar o orçamento de 19 Mulheres e um Homem. Segundo suas contas, porém, dentro de um ano ou dois, seu filme terá rendido algo em torno de Cr$ 6 milhões e então a Dacar estará instalada numa nova sede, no bairro da Barra Funda, onde David já localizou um palacete de vinte cômodos, de Cr$ 2 milhões e garagem para oito carros.


Nestes próximos dois anos, também, pelo menos mais duas produções Dacar estarão sendo exibidas no país, sempre dentro do espírito de "prender", que é a marca registrada da empresa. A primeira é a história de quatro mulheres e quatro homens viajando num barco pela costa brasileira, "digladiando-se e destruindo-se entre si", conforme adiantava David, "meio na linha de O Sol por Testemunha". Outro será passado na Academia Militar das Agulhas Negras — que vê com simpatia o projeto —, contando as vicissitudes dos recrutas, alguns pobres, outros ricos, "mais ou menos na linha daqueles filmes de Pat Boone em West Point", segundo David pretende. A terceira, finalmente, será a sua opera maxima: A Retirada da Laguna.


Falar deste futuro superespetáculo provoca uma crescente euforia em David: serão precisos 3 mil soldados, 3 mil cavalos, milhares de figurantes — e um custo de pelo menos Cr$ 20 milhões, ao preço de hoje. Exigirá a ajuda do Exército, do governo de Mato Grosso e a presença de algum ator de fora, "que não seja caro demais", como por exemplo Robert Wagner, com quem David esteve recentemente em Palm Springs, na Califórnia. O roteiro já está em elaboração e deverá ser entregue a algum diretor também importado — segundo David, não existe no Brasil ninguém capaz de conduzir semelhante massa de gente e animais durante a longa marcha de sofrimento e miséria que marcou o célebre episódio da Guerra do Paraguai. "Meu Deus do Céu!", exclama, "se eu pudesse traria o Anthony Quinn... as pessoas fugindo, cobras, a lepra, uns se comendo aos outros... saem 2 mil homens, e chegam duzentos... aquela coisa toda, triste, grandiosa, com fidelidade histórica... um filme feito para ficar..."


É como se David já estivesse vendo as cenas projetadas em tela panorâmica. Portanto, se o roteirista que escreve as tramas do até agora generoso destino de David Cardoso premiá-lo outra vez com um final feliz, é certo que daqui a mais três anos e mais três filmes ele poderá estar outra vez escalando a mais alta das mansões de Beverly Hills. E, desta vez, quem sabe, para uma conversa de igual para igual.


ILUSTRACÃO NATANAEL DE OLIVEIRA

 

GERALDO MAYRINK, 35 anos, mineiro de Juiz de Fora, não é exatamente um especialista em artistas de cinema — aliás, como faz questão de dizer, não é especialista em coisa alguma. No entanto, ao longo de dezessete anos como repórter e redator no Diário de Minas, de Belo Horizonte, O Globo, Diário Carioca e Jornal do Brasil, no Rio, e finalmente como editor de Veja, em São Paulo, ele escreveu algumas dezenas de críticas de filmes que lhe deram alguma intimidade com o assunto. Bastante, diz ele, para encerrar voluntariamente sua atividade de crítico, em 1973, seis anos depois de um abalo do qual não se recuperou inteiramente: ao atribuir uma bola preta ao filme Os Sete Samurais, no Jornal do Brasil, conseguiu despertar mais ódios e ressentimentos entre os leitores do que qualquer um dos seus escritos, hoje guardados numa volumosa e esquecida pasta de fundo de gaveta. "Para que quebrar a cabeça, e talvez a cabeça dos leitores, se o público é tão preguiçoso que dá mais atenção a um sinal gráfico, uma bolota preta, do que aos textos dos críticos?", perguntou-se ele, sem obter resposta.


Nesta reportagem para Homem, Geraldo volta, de certa forma, a falar de cinema, mas sem quebrar a sua ou a cabeça alheia. "Isto seria impossível", diz ele, "em se tratando de David Cardoso, cujos filmes não podem ser alvejados com bolas pretas mas apenas avaliados em função do saldo em caixa."


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