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MARIA RITA MARIANO | JUNHO, 2003



A cantora revelação, filha de Elis Regina, garante que não quer ocupar o lugar da mãe e fala do cerco dos irmãos, de tesão em shows, tatuagens e transas na faculdade


POR MARCELO PLASSE

FOTO CAIO GUATELLI


Pequenina como a mãe, dona de uma risada marcante e gestual forte, ela não precisa mais que balançar os cabelos ondulados para evocar a lembrança de Elis Regina. Se a semelhança impressiona numa entrevista, quando abre a garganta para cantar é um nocaute. Maria Rita Mariano herdou bem mais que a aparência materna. Essa verdade acendeu uma disputa entre gravadoras como há muito não se via. Ganhou a Warner, que em agosto lança seu CD.


Apesar da indiscutível herança genética, só agora, aos 25 anos, Maria Rita tomou gosto pela coisa. "Mas não vai haver uma nova Elis, porque o posto nunca esteve vago", disse a Marcelo Plasse, que a entrevistou.


Até há pouco, seus planos envolviam duas faculdades nos Estados Unidos, para onde se mudou aos 16 anos com o pai — o músico César Camargo Mariano — e os irmãos. Independente, morou no dormitório estudantil na Universidade de Nova York (NYU). Ali, despertaram a saudade, o prazer de ouvir MPB e o sexo. Diz a lenda que, um dia, Maria Rita teve um estalo. Ainda na cama, gritou palavrões. Tinha decidido virar cantora. Seu namorado americano ficou sem entender nada.


De volta ao Brasil, no ano passado, fez participações especiais em shows e gravou com Milton Nascimento. A repercussão a assustou: capa de jornais, o prêmio de artista revelação da Associação Paulista dos Críticos de Arte, os telefonemas de gente como Ed Motta convidando-a para gravar... Maria Rita tem uma estrela tatuada no corpo. "É a minha mãe"„ brinca. Seu destino está mesmo entre os astros.





1. Vi, quando chegou, que você tem uma tatuagem acima do bumbum. Gosta de tatoo? Tenho duas e planos para a terceira. É meu único vício. Tenho uma estrela azul no ombro direito, nas costas, e, bem embaixo, o símbolo chinês da força. Foi numa época em gue estava me descobrindo mulher, no primeiro ano da faculdade, em 1997.


2. A família, é claro, adorou... Não muito. Eu já era de maior... Meu irmão João Marcelo teve a reação mais extrema: "Tatuagem! Sabe que isso não sai?" Foi a mesma coisa quando fiz o segundo furo na orelha. Cheguei em casa e meu pai olhou atravessado. Tinha 14, 15 anos. Mas em casa sempre foi assim: "Quer fazer, faz".


3. Como foi viver cercada por irmãos? Pegavam no pé? Agora tenho uma irmã caçula, de 9 anos, mas durante muito tempo vivi num lar dominado por mocinhos bagunceiros. Eu não namorava muito. Era muito tímida, bem introspectiva, gordinha. Mesmo assim, havia muito protecionismo. O Pedro era o mais enciumado com os meus namoricos, mas, ao mesmo tempo, foi quem me levou para comprar a primeira camisinha. Ele disse que eu estava virando mocinha e que precisava saber me defender. Aí me ensinou a bater: joelho primeiro, nas partes, e atacar com a mão fechada. Na pior das hipóteses, era para segurar firme "aquilo" [ri].


4. E na faculdade? Aí eu já era "adulta", e eles fingiam que não sabiam de nada. Uma vez, o Pedro me ligou: "Vê se não vai namorar um cara muito grande, porque, se ele fizer alguma coisa, não vou poder bater nele". É que eu tava de namorico com um jogador de futebol americano. O cara era grande! [Risos.]


5. O dormitório da NYU é só festa, como mostra a série Felicity? Mais ou menos. A gente estudava muito. Fiz duas faculdades simultaneamente: Comunicação Social e Estudos Latino-Americanos. Então, estudava no verão, tinha uma carga semanal enorme. Mas tinha as minhas aventuras, né? Gosto de beijar, mas não sou namoradeira. One night stand não rola comigo. Já tentei, achei uó. Com intimidade é melhor. Aí, fico "facinha", "facinha"...


6. E sua relação com o corpo? Acho os meus seios muito grandes, dão problemas na coluna. Mas, quando era adolescente e tinha peitão, bundão e cintura fina, achava que tudo em mim era um horror. Hoje, considero isso parte da minha sensualidade. Quando quero, brinco de mulher sexy.


7. Como lida com as cantadas? Eu não dou muito mole. Tem que saber aplicar. Outro dia, estava dançando e vi um moço bonitinho. Ele também estava de olho. "Ô, que milagre! Uhu!" Parou do meu lado, fez uma voz de galã: "Você vem sempre aqui"? Eu comecei a rir. Original, né? Aí acabou a graça.


8. Qual é a cantada perfeita? Não existe. Quem tenta ser muito esperto faz tudo errado. Recebi uma, sutil, que só entendi depois. Azar dele. O cara diz para mim: "Que perfume bom. Qual é?" Falei: "O cheiro é meu, não dou para ninguém". Ele: "Você não entendeu". E se foi. Quando ele sumiu, pensei: tava me cantando, não percebi... "Ô, volta aqui!"


9. Você tem jeito de quem deve cortar muito... Ah, eu me divirto. Me faço de difícil. Adoro ver a cara do cidadão bem branca. Deve ser por isso que continuo solteira. Estou disponível, só não sei se tenho tempo...


10. Consome tanto tempo assim ser cantora? Tem shows, entrevistas, fazer as unhas, cortar o cabelo, ir ao médico. Eu reservo tempo para ouvir música, conversar com músicos. Saio à noite para ver shows. E tem as coisas da minha mãe, que eu e meus irmãos cuidamos. Uso de imagem, liberação para trilha de comercial, peça, cinema etc. A gente fica em cima de tudo.


11. Você era pequena quando Elis morreu. O que lembra dela? Tinha 4 anos, mas lembro dela com carinho. Muita coisa, a família conta. Ela cozinhava e lavava a louça em casa, não era um mito intocável. Sua diversão favorita era receber os amigos e cozinhar. Era uma excelente cozinheira — eu sou péssima. Lembro de uma história engraçada, em que um amigo foi elogiar o peixe que ela preparou, dizendo que era o melhor que tinha comido na vida. Ela respondeu: "É porque você ainda não me viu cantando!"[Risos.]


12. Elis morreu num incidente envolvendo cocaína. Como é sua relação com as drogas? Drogas, simplesmente, não suporto. Por tudo o que aconteceu, droga é igual à morte. Demorei para aceitar que algumas pessoas que conhecia podiam usar drogas, mas é algo que detesto. Outra coisa: a história da morte da minha mãe nunca ficou bem esclarecida. Há quem diga que ela morreu de careta que era, porque uma pessoa acostumada com drogas jamais usaria cocaína do jeito que ela usou.


13. Houve algum incidente marcante, de alguém que a abordou por ser filha da Elis? Foi num evento estudantil em Nova York. De repente, desaba um menino correndo: "Você é filha da Elis?!", disse em inglês. Fazia uns 18 anos que a minha mãe tinha morrido, e o moleque tinha 18. Ele se ajoelhou no chão, pegou a minha mão, tremendo e chorando: "Sua mãe mudou minha vida!" Fedelho, como assim? [Ri.] Ele teve uma babá brasileira e sempre ouviu a minha mãe. A música dela o levou à faculdade de música. Veja o poder da mulher. Por isso, não me acho sucessora da Elis.


14. Você ouve os discos dela? Sempre. Só não escuto como um fã, mas como a filha. Quando os ouço, são momentos pessoais. É a única coisa que eu tenho, a presença dela por meio dos discos.


15. Há vários filhos de artistas da MPB se lançando como cantor. Como isso afeta você? É pavoroso. Só eu sei o que passei para assumir a música, até chegar ao ponto de não mais temer as cobranças. Quando decidi voltar ao Brasil, vi esse cenário, em que todo mundo é "filho de". A situação independe do mérito, porque tem "filho de" muito bom e tem "filho de" que é uma merda. Evitei ficar no meio dos "filhos de". Fui procurar a minha turma.


16. Mas sempre vão lembrar de quem você é filha. O problema não é se lembrarem da minha mãe, mas o contexto dos "filhos de". No momento em que alguém disser "você é oportunista", estou acabada. Não decidi virar cantora porque era mais fácil. Ao contrário. Por mais tarde que eu tenha assumido a música, ela nunca deixou de ser importante para mim.


17. Cantar é um orgasmo? Nada supera um orgasmo. Mas é uma experiência fora do comum. Tem tanta gente envolvida — os músicos, você e o público batendo palmas —, que vira muita adrenalina. Eu fiz uma participação num show em Belo Horizonte em que finquei os pés no chão e achei que fosse desabar. Minhas pernas começaram a pingar suor. É a energia, é foda!


18. Há um estereótipo forte na MPB, de que as cantoras de sucesso são sapatões. Pronta para lidar com o estigma? A sociedade está mais aberta à "esquisitice". Eu sou amiga de mandar e-mails para a Zélia [Duncan] — ela me liga: "Vem no show". Não sou preconceituosa. Mas não é a minha praia. Nunca experimentei, nem tenho curiosidade.


A gente bebeu umas cervejas a mais e deu aquela vontade. Mas dividíamos o quarto com mais gente. Então, fomos para a sacada...

19. Qual sua transa mais louca? Foi num albergue estudantil na Espanha. Tinha ido viajar com o namorado. A gente bebeu umas cervejas a mais e deu aquela vontade. Mas dividíamos o quarto com mais gente. Então, fomos para a sacada. Tapamos os vidros da janela com lençol, torcendo para o moleque que estava no quarto não acordar. Mas era final do Campeonato Europeu de Clubes — quando o Manchester United venceu o Bayern —, e as ramblas estavam lotadas. Rolou na sacada mesmo, em meio às gritarias dos torcedores e fogos.


20. O que os irmãos superprotetores vão achar de saber disso? Tô ferrada. Vou mandar um e-mail para eles explicando. É o seguinte, aconteceu um negócio... O machismo ali vai pegar ferrado.


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1 Comment


Ademar Amâncio
Ademar Amâncio
Aug 14, 2023

Sou apaixonado pela mãe,Elis Regina.

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