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MARINA LIMA | NOVEMBRO, 1999



Música para os olhos

O dia que o cometa saiu do abrigo


FOTOS MURILLO MEIRELLES


Nos anos 80, marcados pela efervescência musical, o pop-rock nacional foi marcado por cantores e bandas predominantemente masculinos, como Cazuza, Lobão, Lulu Santos, RPM, Nenhum de Nós, Legião Urbana, Ultraje a Rigor. Quebrando tabus, uma carioca morena, tímida, de olhos amendoados, cabelos armados e cacheados, como pedia a moda da época, e voz deliciosamente rouca, fez seu próprio mundo de “música, letra e dança”. Seu nome, Marina Lima. Ou, simplesmente, Marina.


“Meu mundo você é quem faz”

Sua trajetória musical começou em 1978, quando Gal Costa gravou uma canção de sua autoria, Meu Doce Amor. No ano seguinte, em meio às gravações do seu álbum de estreia, fez parte do Projeto Pixinguinha, espetáculo liderado pelos cantores Luiz Melodia e Zezé Motta. Na terceira parte do show, Marina, usando uma malha preta justíssima, que escandalizou o público, adentrava o palco, guitarra em punho, apresentando canções que compunha junto com o irmão, o poeta Antonio Cícero. A despeito de sua já conhecida timidez, Marina se transformava no palco e exalava o mais puro rock and roll em um ambiente tradicionalmente tomado por ritmos como samba, chorinho e MPB. E mais um tabu estava quebrado.


Naquela época, Marina chamava a atenção não apenas pela voz ou pelo talento como compositora. Sua beleza sempre despertou paixões de homens e mulheres. Com o sucesso aumentando e suas músicas invadindo as danceterias e rádios do Brasil inteiro, veio o interesse da PLAYBOY em despir a cantora em suas páginas. O primeiro convite, prontamente recusado, veio já em 1983, para a edição de dezembro daquele ano (a atriz também cantora Tânia Alves acabaria estampando a capa). E durante vários anos continuaram a chegar. Depois de quase 10 anos de tentativas, a cartada final: em 1991, ela lançou o álbum Marina Lima, momento em que passou a usar artisticamente o seu sobrenome. Com hits de sucesso nas rádios como Grávida, Acontecimentos, e Não Sei Dançar, a revista ofereceu sua maior honraria: a capa de aniversário.


“Eu espero uns acontecimentos / só que quando anoitece / é festa no outro apartamento”

O acontecimento tão esperado pela PLAYBOY não veio e a festa acabou ficando por conta da super modelo Claudia Liz. Por fim, revista se deu por vencida e desistiu de tentar convencê-la a posar. Os anos se passaram. Com eles, os sucessos Uma Noite e ½, Me chama, Eu te Amo você, À Francesa, consagraram Marina, definitivamente, no cenário musical brasileiro. Na vida pessoal, Marina sofreu alguns baques, o primeiro deles em 1993, com a morte do seu pai. Em 1995, o cancelamento da turnê do CD Abrigo. Em 1998, sofreu uma séria lesão nas cordas vocais devido a um erro médico durante um processo de aspiração na garganta, que impossibilitou seus shows por muito tempo, desestabilizando suas finanças. A essa altura, havia rompido a parceria musical de mais de vinte anos com o irmão, Antonio Cícero.



Em meio a tantos dramas, uma desilusão amorosa acabou por acender o estopim de uma delicada crise de depressão. Marina se isolou de tudo e de todos, como uma espécie de vocação obsessiva para esticar aquela situação emocional insustentável até atingir o auge dos seus limites. E esse limite chegou. Marina, então foi parar no consultório do psiquiatra e psicanalista Arnaldo Goldenberg, que a tratou à base de medicamentos e, principalmente, lhe aplicou generosas doses de bom-humor e autoestima. E prescreveu o remédio que iria curar de vez a crise: posar nua.



Sobre esse momento inacreditável, Marina revelou, em entrevista à revista TPM, em 2002: "O meu psicanalista achava que eu estava me subestimando. Argumentava que o Brasil tinha que me ver como ele conseguia me ver. Então, quando ele disse 'Marina, é prescrição médica', pensei: 'Bom, não tenho mais argumentos, vou ter que obedecer'".



No dia seguinte, Marina ligou para sua advogada e disse: "Olha, eu quero fazer PLAYBOY". Perguntada se havia recebido algum convite, a cantora negou. Então a advogada embarcou para São Paulo, foi até a redação da revista e revelou o interesse da cantora em posar nua para uma das próximas edições. Diante do interesse da revista, Marina passou a conduzir as negociações que se iniciaram no início de junho de 1999 e duraram até 22 de julho, quando foram acertadas as cifras e o contrato foi assinado. Em 26 de agosto começaram os preparativos para o tão aguardado ensaio. Marina participou de todos os detalhes, sugerindo um clima cabeça, intimista, misterioso, bem à sua maneira de ser.


“Teria que ser com alguém / Que saberia compreender / o meu temperamento esquisito / minha maneira difícil de ser”

Os versos são da primeira canção solo de Marina, Maneira de Ser, (que também dá nome ao seu primeiro livro) e ditam a forma com que ela conduziu o seu ensaio. Rejeitou locações internacionais, preferindo realizar as fotos no Rio de Janeiro, o mais perto possível de sua casa, na Lagoa Rodrigo de Freitas; trouxe para a equipe o premiado diretor de arte Giovanni Bianco, responsável pelas capas dos seus discos mais recentes; à amiga pessoal e parceira musical, a escritora Fernanda Young, pediu um texto para emoldurar o ensaio; para os cliques, exigiu o fotógrafo Murillo Meirelles, amigo de longa data e autor da primeira (e até então única) foto onde Marina aparecia nua, uma polaroide feita em 1984 em seu apartamento. E assim, cercada de amigos, Marina se despiu quando quis se despir e, mais uma vez, rompeu tabu...



Em 1999, como em toda a sua história, PLAYBOY trazia em sua capa as mulheres mais famosas, mais desejadas do Brasil, os corpos mais espetaculares. Marina, aos 44 anos de idade, fora dos palcos e da mídia havia três, assumidamente bissexual, não parecia mais se encaixar no perfil da revista. Mas ela surpreendeu. Mostrou um corpo mignon, de 1.62m de altura e 50kg, mas perfeitamente esculpido pela malhação e pelo pilates, e seios levemente turbinados com 250 ml de silicone, implantados em 1991.


Durante três dias, Murillo Meirelles produziu 1.600 registros da cantora em três ambientes: num casarão antigo, um quarto de paredes brancas de textura chapiscada, ornamentado por uma cortina de veludo salmão. Ali, sem joias nem maquiagem, usando apenas uma calcinha de algodão, sentada sobre o piso de mogno, era a Gata Garota dos primeiros anos. Tímida, não encarava o fotógrafo nos primeiros cliques. Mantinha a cabeça baixa, abraçava o próprio corpo, como se resguardasse sua nudez. Deitada na cama, sobre lençóis e travesseiros brancos de algodão e uma almofada de pelúcia branca, permanece arredia. Quando encara as lentes, lança um olhar fulminante, desafiador, não se permite sorrir. Ao seu lado, seus óculos de aro preto.


Na segunda parte do ensaio, um antiquário desativado é o cenário. Em meio às antigas cadeiras e aparadores de jacarandá, empilhados ao fundo, encostados na parede de cerejeira, do prédio, Marina, nua, usando apenas um par de sapatos Gucci pretos, recosta-se em um velho sofá de couro, ressecado pelo tempo.



No clique seguinte, sentada em um sofá de veludo, Marina mostra seu primeiro sorriso. Discreto. Misterioso. Convidativo. Na área externa, paredes vermelhas, chão de pedra calcária, deitada sobre um banco entalhado em madeira, Marina sorri novamente. Está mais solta, manhosa, felina.



Por fim, o banheiro, cenário de suas fotos favoritas. Vaso sanitário, pia, bidê, as pastilhas de vidro na parede, tudo rosa, mas muito longe de ser um ambiente romântico e feminino. Sobre o tampo de vidro do aparador de ferro, frascos vazios de perfume. A luz fraca do candelabro na parede. A concha sobre a pia. Elementos que remetem à solidão. Marina sorri ao tentar segurar sua mão refletida no espelho. Não há mais solidão pois ela encontrou-se consigo mesma. Seus cabelos curtos revelam uma tatuagem com a letra M, feita em 1987, inspirada naquela feita pela roqueira Courtney Love, em homenagem ao marido Kurt Cobain. Segundo Marina, o M é uma homenagem a seu amor-próprio.



O ensaio de Marina Lima mostra sua nudez em ambientes decadentes, em contraste com a jovialidade que a cantora quis expor para o mundo. Lançado no dia 09 de novembro de 1999, com 32 páginas, sua revista contou com um texto primoroso, da escritora Fernanda Young. Dois meses antes, em setembro, Marina foi entrevistada por Fernanda para o Jornal do Brasil. Ao fim da entrevista, uma surpresa para a escritora: "... queria aproveitar esse encontro pra lhe fazer um convite: você toparia escrever alguma coisa sobre o ensaio da PLAYBOY? Eu me sentiria tão bem acompanhada..." O resultado do pedido veio em forma de poema, disposto em duas páginas ornamentadas com orquídeas, as flores favoritas de Marina:



Ela não lembra exatamente quando escolheu usar perfumes doces. Lembra, sim, que a decisão do aroma certo é tão derradeira quanto a medida de um verso nas notas de uma canção. Nada de cítricos. Queria o simples cheiro das flores. Das baunilhas. Das maçãs. Principalmente das flores. Gentil. Compartilhando comigo suas descobertas no incrível mundo dos cosméticos; e mais uns tantos segredos. Engraçada. Aconselhada por outra amiga, é dada a fazer misturas, espalhando um pouco de dois frascos por pontos de seu corpo. Fazendo-se, de si, duas. Oferecendo a opção, que seria dela, para você. Intimidades são relativas, e Marina sabe disso. Reservada e entregue: essa é a fórmula que ela consegue destilar em suas veias. Despertando coisas em homens, mulheres e demais animais de estimação. Deixando seu corpo largado como uma pauta de música, espalhando seus tons numa lógica de métrica suave; notas vivas a criar harmonia.



Pop enquanto símbolo, sexual enquanto disposta. Saliente como um bico de seio. Marina seduz de fãs a radiovitrolas, e você sabe do que eu estou falando. Mas não vou cantar suas linhas em verso ou prosa, seria redundante. E só um texto preciso caberia sobre o corpo de Marina. Poderia, imagino, perder-me em sutilezas, formas, traços, sombras, reentrâncias, ressaltando mínimos detalhes que quase passariam despercebidos; como uma maneira específica em que ela repousa a boca, ou talvez algum contorno de pele arrepiada, quem sabe comparar suas curvas com o Corcovado… Acidentes acontecem, e Marina é linda. Linda. Não sei quando as palavras se tornaram necessárias, mas acredito que foi num momento em que as imagens falharam em dizer tudo. Sei que não é o caso, agora. Assim, deixo meus olhos livres, como os seus, a buscar revelações que ainda não perceberam. Escritores não devem ficar na frente de uma nudez como essa, disfarçando sua verdade.



Em 2003, com o sucesso do álbum Acústico MTV, Marina foi convidada para fazer seu segundo ensaio, para o mês de dezembro. Com a recusa, veio o bis de outra musa dos anos 80, a atriz Luciana Vendramini. Assim, o cometa saiu do abrigo apenas uma vez. Mas deixou seu rastro. Inesquecível. Música para os olhos.



PRODUÇÃO DE ARTE ZEE NUNES PRODUÇÃO WAN VIEIRA

CABELO E MAQUIAGEM TON HYLL


Resenha de autoria do leitor Eder Cansino, de Aracaju - SE.

Nota: Agradecimento especial ao leitor Humberto Paiva pelos scans usados na matéria. Humberto é colecionador de PLAYBOY a 33 anos e possui todas as edições guardadas em formato de álbuns. Veja mais em sobre a sua coleção no perfil @playboy_albuns

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1 Comment


Leonardo José Raimundo
Leonardo José Raimundo
Nov 25, 2023

Marina Lima foi ótima nas fotos. A melhor foto de Marina foi a última, em que ela fica de pé no banheiro e se olha no espelho totalmente nua. Eu amo a bunda feminina.

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