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RUBINHO BARRICHELLO | JUNHO, 2002

Playboy Entrevista



O piloto fala sobre o dia em que a Ferrari o mandou frear,

da mágoa de ser chamado pé-de-chinelo e que o público deveria tratá-lo como um pai faz com o filho


O esporte número 1 dos brasileiros é, claro, o futebol. O esporte número dois? Falar mal do piloto paulista Rubens Barrichello: "Rubinho está sempre atrás do alemão", "Rubinho nunca ganha", "Quando ganha, chora", "Rubinho não tem garra"... Mas nos domingos de corrida, todos grudam os olhos na TV. No GP Brasil deste ano, 31 de março em Interlagos, a torcida urrou, de pé, em cada uma das seis ultrapassagens feitas em apenas seis voltas. Naquele dia, Rubinho largou em oitavo no grid e já estava em primeiro lugar quando seu carro parou com problemas hidráulicos. "Só o Rubinho mesmo!" Amor e ódio.


Do alto de medianos 1,72 metro de altura, 30 anos e 154 corridas completadas na F1 até o GP de Mônaco, Rubens Barrichello é o campeão incontestável de polêmicas homéricas. Mas nada em sua carreira se compara a renunciar a uma vitória – líquida, certa e merecida – a apenas dez metros da linha de chegada, como aconteceu no mês passado no GP da Áustria. Durante três dias de treinos e corrida, Barrichello pulverizou o favoritismo do seu companheiro de Ferrari, Michael Schumacher, o melhor piloto do mundo. Garantida a pole position, ele fez uma corrida impecável. Mas a segundos da bandeirada final, meteu o pé no freio e cedeu, de maneira acintosa, a vitória para o alemão. A ordem veio da Ferrari, que preferiu deixar ainda mais confortável a liderança do tetracampeão Schumacher. Barrichello garante que esperneou, mas lembrou-se da cláusula do contrato, assinado poucos dias antes com a escuderia, que o obriga a cumprir estritamente qualquer ordem que lhe seja dada pelo seu empregador.


As cenas a seguir entraram para a história do automobilismo. Sozinho no alto do pódio, o brasileiro escutou meio constrangido os acordes do hino alemão, que tocava por Schumacher, em meio a uma maré de vaias e polegares apontados para baixo em sinal de protesto, vindos das arquibancadas. Rápido, destemido e com fama de bom acertador de carros de corrida, Barrichello reinou no kart brasileiro e fez carreira na Europa, nas categorias de base do automobilismo (campeão da Fórmula Opel na Itália com 18 anos, campeão da Fórmula 3 inglesa no ano seguinte e terceiro colocado da Fórmula 3000), comprou uma vaga na Jordan (com o dinheiro dos patrocinadores). Ainda com o rosto de quase adolescente, desembarcou na F 1 em 1993. Tudo prometia. Tinha apenas 21 anos, seus passos pareciam estar bem planejados e, o melhor, seu ídolo, Ayrton Senna, se oferecera para ajudá-lo a deslanchar a carreira.


Mas o 1º de maio de 1994 virou a sua vida do avesso. Dois dias depois de ter sobrevivido por um triz a um acidente a mais de 250 km/h com sua Jordan (por seis minutos ele ficou sem respirar sufocado pela própria língua), assistiu da cama de sua casa na Inglaterra à horripilante morte de Senna na curva Tamburello.


Barrichello deixava de ser o promissor Rubinho e era promovido à maior esperança brasileira na F1. E até ele acreditou ser um predestinado. Tanto assim que nove meses depois arriscou-se a disputar o GP de Interlagos com as cores do capacete do tricampeão falecido. A ousadia se deu a bordo de um Jordan-Peugeot, um autêntico pangaré. "Achei que dava para segurar a barra e prometi o que não podia para a torcida brasileira", diz. "Naquele domingo, meu mundo caiu."


E cairia mais. Em 1996, seus serviços foram secamente dispensados pela Jordan e ele transferiu-se para a minúscula Stewart. Quando parecia estar condenado a guiar apenas em times pequenos, Barrichello tornou-se o primeiro brasileiro contratado pela Ferrari, a mais tradicional escuderia do planeta. Mais uma vez, quase se perdeu pela boca. Disse que seria campeão e que disputaria corridas de igual para igual com o Schumacher. Mas teve de contentar-se com o papel de coadjuvante.


Finalmente Barrichello resolveu mudar: "Decidi falar menos, deixar as pessoas pensarem o que quiserem e fazer o meu trabalho sem limites". Competência para isso não lhe falta, garante quem é do ramo. "Ainda que muita gente não queira reconhecer, o fato é que Rubens é um dos melhores pilotos que já vi na pista", disse Michael Schumacher a PLAYBOY.


Para ouvir Rubens Barrichello, PLAYBOY enviou o repórter Fernando Valeika de Barros a Mugello, na Itália, onde fica a pista de testes da Ferrari. Suas impressões: "Rubens me prometeu duas sessões de 25 minutos de entrevista nos intervalos dos treinos. Era pouco tempo, mas decidimos arriscar. Valeu a pena. Choveu muito na região e o ajuste do carro de Barrichello teve que ser modificado para enfrentar a pista molhada. O abençoado clima ruim esticou o nosso tempo para quatro horas. Como o encontro se deu antes da corrida na Áustria e da renovação do contrato com a Ferrari, novas perguntas foram enviadas por e-mail para Barrichello, que as respondeu em MP3 – arquivo com sua voz gravada. Aliás Barrichello grava todas as suas entrevistas.


Em Mugello, nossa conversa foi no caminhão de ginástica que a Ferrari leva para os circuitos (Barrichello faz musculação três vezes por semana durante 90 minutos e corre entre 9 e 18 quilômetros todos os dias). Barrichello é um bom papo. Além de falar sobre a sua trajetória nas pistas, ele festejou a temporada de bons resultados do Corinthians e lembrou-se de episódios pessoais divertidos, como o dia em que, garotão, teve que entrar em um motel com uma garota escondida no porta-malas do carro de Felipe Giaffone, um dos primos da sua mulher, Silvana, com quem é casado há cinco anos e tem um filho, Eduardo".


PLAYBOY – Por que você não ganhou o GP da Áustria deste ano ?


BARRICHELLO – Porque na volta 63 a minha equipe pediu para eu deixar o Michael me ultrapassar. No meu contrato está escrito que devo respeitar as ordens que me são dadas pela escuderia e não quero saber de polêmicas. Preferia que não tivessem me falado para deixar o Michael passar na Áustria, como aconteceu. Mas a ordem veio. Se não obedeço, comprometo o meu relacionamento com a Ferrari e acabei de assinar minha renovação por dois anos. Se mandarem que ele me passe novamente, deixarei passar.


Preferia que não tivessem falado para deixar o Michael passar. Mas a ordem veio. Se mandarem de novo, deixarei passar.

PLAYBOY – Não é frustrante?


BARRICHELLO – Se eu fiquei contente com o que aconteceu? Claro que não, já que eu merecia ser o primeiro. Eu não brigo nunca para ser o segundo. Na Áustria lutei com toda a minha força de vontade para vencer e todo mundo viu o que aconteceu naquele dia: deixei de vencer por uma escolha da equipe, sim, mas isso não reduzirá a minha determinação, minha vontade de vencer. Sinto que esse momento está chegando e não é motivo para ficar discutindo. Acho que saí do GP da Áustria como ganhador, provei que o carro novo junto com o meu estado de espírito e a minha força de vontade me levarão a muitas vitórias.


PLAYBOY – A F1 não perde um pouco da credibilidade com atitudes assim?


BARRICHELLO – Não sei. Foi uma decisão tomada por uma equipe e eu não tenho poder de responder por ela. Não comento as ordens da escuderia, obedeço.


PLAYBOY – Você concordou com a decisão?


BARRICHELLO – Quando fui informado pelo rádio que era o Michael que deveria vencer a corrida tentei argumentar. Disse que estava em primeiro e que gostaria de saber qual era a razão de tal imposição, já que estávamos andando os dois velocíssimos e bem à frente dos outros, mas eu estava mais rápido e na frente. Ainda tentei dar uma conversada, disse que o gesto poderia causar polêmica. Me responderam que queriam que fosse dessa forma e eu disse o.k., tudo bem, farei o que vocês querem.


PLAYBOY – Quem decidiu que você não poderia ganhar o GP da Áustria?


BARRICHELLO – Isso é assunto interno, é uma decisão da equipe. Não importa quem foi o responsável, já que o tempo não voltará atrás e eu não vou mais ganhar aquela corrida. O que eu sei é que tenho duas opções: correr com um carro que não me dê condições de chegar na frente nunca ou ter paciência e mais tarde conquistar as minhas vitórias. Ganhar corridas é o grande sonho da minha vida. As pessoas podem falar o que quiserem, mas eu vou vencer na Ferrari. Para quem, como eu, já correu com tantos carros ruins, a melhor chance que tenho para ganhar é aqui. Não sei quando, mas vou vencer. Mas não desejo que para que isso aconteça o Michael quebre. Eu me dou muito bem com ele. Tenho prazer em discutir as coisas com ele, um superpiloto. Se posso demonstrar, como fiz na Áustria, que posso ganhar uma corrida em cima dele, é sinal de que estou indo muito bem, obrigado.


PLAYBOY – Por que vocês trocaram de posição apenas no último momento?


BARRICHELLO – A equipe fez isso para demonstrar que quem ganhou a corrida fui eu, apesar de o Michael ter somado os pontos do primeiro colocado.


PLAYBOY – Não daria para vencer na marra?


BARRICHELLO – O ambiente ficaria muito pesado. Não entre mim e o Michael, mas no meu relacionamento com a equipe. Talvez o Guiness Book não publique que eu já ganhei duas vezes na F1, mas quando eu vencer a próxima corrida a considerarei como a minha vitória número 3.


PLAYBOY – O que o Michael lhe falou no pódio quando lhe deu o troféu de primeiro?


BARRICHELLO – A atitude dele foi legal. Logo que a prova terminou, eu lhe disse que sinceramente não gostava daquela situação. Ele me respondeu que não estava a par da decisão e que foi a equipe quem a impôs. Guardei o troféu com carinho e o ofereci de presente de aniversário para a Silvana [a mulher de Rubens], a quem eu tinha prometido a vitória naquele dia.


PLAYBOY – E você pode ganhar com o Michael Schumacher na equipe ou está condenado a fazer sempre o papel de fiel escudeiro dele?


BARRICHELLO – Não há e nem nunca houve cláusula no meu contrato e nem no do Michael que diga o nome de um dos pilotos como preferencial. O que está escrito é que temos que seguir as ordens da equipe caso isso seja necessário. Isso está no meu contrato e também no dele.


PLAYBOY – Por que só você teve que obedecer a essa cláusula até hoje?


BARRICHELLO – Porque até hoje o Michael andou mais na frente e, portanto, foi quem somou entre nós dois mais pontos depois das corridas. Na visão da equipe nos dois anos passados foi ele quem teve mais chances de lutar pelo título e vencer o campeonato. O mesmo está se repetindo este ano. Até que o Michael conquiste o título, se ele estiver em segundo terei que dar passagem.


PLAYBOY – Foi melhor ter ficado na Ferrari com o Michael Schumacher do que arriscar a ser o primeiro piloto em outra equipe?


BARRICHELLO – Fiquei na Ferrari porque acredito que eles farão coisas boas por mim. Muitos acham que a equipe é do Schumacher, que é ele quem manda em tudo, e o Barrichello não faz nada, mas não é bem assim. Tenho uma parte importante nos bons resultados e no desenvolvimento do carro. Muitas vezes testo sozinho e, nesse caso, tenho 100% de responsabilidade nas evoluções que serão feitas no carro para a próxima corrida. Se quiseram que eu ficasse aqui, foi porque viram que fui o cara que até hoje mais perto chegou do Michael Schumacher. Sabem que tenho vontade de ser grande e de vencer.


PLAYBOY – As cobranças o incomodam?


BARRICHELLO – Qualquer pessoa que colocasse a bunda no lugar em que eu coloquei depois da morte do Ayrton teria sofrido a cobrança por bons resultados. Ele próprio seria cobrado se tivesse corrido sete anos em carros ruins e chegasse a uma equipe que foi feita pelo Michael Schumacher. Era aceitar esse desafio ao Schumacher ou continuar a minha carreira em equipes menores. Não teria jeito de ser diferente. Quando o Eddie Irvine correu aqui, ele chegou junto do Schumacher e nunca conseguiu ser mais rápido do que ele. As situações foram criadas para que o Michael fizesse a equipe como queria. Quando eu cheguei as estruturas já estavam prontas para ele.


PLAYBOY – Não dá para modificar essa situação?


BARRICHELLO – É como começar a namorar uma garota que ainda está pensando no ex-namorado. Se forçar a barra de uma vez, corre-se o risco de perdê-la. Tem que ir devagarinho. É melhor soltar as suas florzinhas só numa hora boa, em vez de se precipitar e arriscar-se a colocar tudo a perder. Eu estou ganhando o meu espaço na Ferrari. O presente é um pouco duro para mim, já que o Schumacher é o melhor e tal e todo mundo acha que eu deveria ganhar corridas. Daqui a dez anos certamente dirão que ele foi, sem dúvida, um dos maiores pilotos da história, mas que teve um cara chamado Rubens Barrichello que chegou muito perto dele em termos de velocidade. E talvez até mais, já que a minha carreira na escuderia não vai se encerrar por aqui.


PLAYBOY – Você então pretende ser o sucessor do Schumacher?


BARRICHELLO – Não faço nenhum plano, senão tentar tirar do carro que dirijo o que ele pode ter de melhor. O modelo de 2000 não tinha nada do meu trabalho. O do ano passado tinha um pouco mais. Este ano eu já contribuí mais para o desenvolvimento do F 2002 e estou andando mais perto do Schumacher do que já fez qualquer outro piloto que fosse companheiro dele na equipe. Eu estou em plena evolução.


PLAYBOY – No ano passado, no GP da Áustria, você recebeu a ordem de deixar o Michael passar. Como você se sentiu? [Esta pergunta foi feita antes do episódio no GP da Áustria deste ano.]


BARRICHELLO – Eu estava em segundo lugar, e o Schumacher em terceiro, e o que me foi prometido é que se eu estivesse em primeiro não teria de abrir mão da posição para ele. Mas não vale a pena gastar energia agora e pensar numa situação que já aconteceu. Eu não espero as coisas caírem do céu. Luto pelos meus objetivos. Não espero que uma vitória seja dada de presente, embrulhada.


Em 2001, na Áustria, foi prometido que se estivesse em primeiro não teria de abrir mão da posição para ele [Schumacher]

PLAYBOY – Mas não foi brochante ter que abdicar de um lugar melhor no pódio por ordens vindas do box?


BARRICHELLO – Foi extremamente difícil. Eu estava fazendo de tudo para tentar passar o David Coulthard, da McLaren, tinha que acelerar forte, manter o carro na pista, mexer nos botões de controle de tração e mudança de marcha e falar pelo rádio com a equipe. E, no meio de tudo isso, recebi a ordem do Ross Brawn [diretor técnico e estrategista da escuderia] pedindo para que eu deixasse o Michael passar. Ele dizia que a equipe estava preocupada com o campeonato e que por isso era para eu deixar o Michael passar. Era uma situação de escritório só que sendo resolvida a 300 km/h.


PLAYBOY – Por que você demorou tanto para cumprir o que eles pediram? Não estava entendendo a ordem do box?


BARRICHELLO – Não. Naquele dia o sistema de rádio estava tão perfeito que parecia que o Ross estava dentro do cockpit, dirigindo comigo. O que aconteceu naquele momento foi que eu fiquei sem entender a situação. No começo até fui contra já que na minha opinião o Michael só estava se aproximando de mim porque eu não conseguia passar o Coulthard, que era um pouco mais lento.


PLAYBOY – Por que não passava?


BARRICHELLO – Porque hoje em dia a aerodinâmica faz com que seja virtualmente impossível passar um carro que é um pouco mais lento. Se dois pilotos estiverem virando a dois décimos de segundo de diferença por volta, fica muito difícil que o que estiver atrás passe o da frente. Perde-se a frente do carro e ele fica quase que ingovernável. Tem que esperar o ponto certo, ter calma. E tudo o que eu não tinha naquele dia era calma. Eram várias pessoas falando uma coisa e uma outra pensando diferente. Até que vi que não tinha jeito e o deixei passar no último instante.


PLAYBOY – Chegou a pensar em segurar o segundo lugar na marra?


BARRICHELLO – Eu teria feito mal se fizesse isso. Aqueles dois pontos a mais na classificação acabariam custando caro para mim na equipe.


PLAYBOY – Você levou bronca no final daquela corrida, por ter demorado a ceder seu lugar?


BARRICHELLO – Não. Mesmo porque eles sabem o quanto é difícil a vida de um piloto número dois de um Michael Schumacher, o melhor piloto do mundo hoje em dia. E até se orgulham de como eu lido bem com essa história.


PLAYBOY – Como assim?


BARRICHELLO – Eu ando rápido na pista, não falo tanto, pressiono o campeão do mundo e procuro trazer soluções que ajudem a melhorar o desempenho dos carros da Ferrari. Foi o que aconteceu com o acerto que eu fiz no meu carro durante os treinos para o GP da Catalunha e que o Michael sugou para o carro dele.


PLAYBOY – O que você descobriu nos treinos do GP da Espanha que ele não sabia?


BARRICHELLO – Entre outras coisas, o acerto de um carro de F1 depende das suas asas. Se colocar mais asa, ele anda menos nas retas e encara melhor as curvas, gruda mais no chão nos pontos sinuosos. Com menos asa, ganha velocidade nas retas e fica mais difícil de dirigir nas curvas. Na Catalunha, Michael estava usando mais asa do que eu, que estava conseguindo girar mais rápido. Como o meu ajuste era melhor, ele transferiu as informações para a máquina dele.


PLAYBOY – Vocês trocam muitas figurinhas um com o outro?


BARRICHELLO – Sempre. No final de cada treino, de cada corrida, temos uma reunião bem aberta em que falamos de tudo, desempenho do carro, motor, freios, trabalho dos mecânicos. Eu escuto o que ele tem a dizer e ele escuta as minhas opiniões. Fazemos um verdadeiro trabalho de equipe.


PLAYBOY – O ambiente na Ferrari é bom?


BARRICHELLO – Excelente. O pessoal da equipe gosta de mim e eu gosto deles também. Eu me sinto em casa até porque aprendi a falar italiano nos meus tempos de Florença, na Drago [onde ganhou o título de campeão da Fórmula Opel, em 1990], e depois na Il Barone Rampante, a minha equipe de Fórmula 3 000 [chegou em terceiro lugar no campeonato de 1992]. Quando estou testando, o Ross Brawn me liga e acredita no que eu falo. Também me dou bem com o Jean Todt [diretor-geral da equipe] e até acho bonito o relacionamento de amizade que ele mantém com o Michael Schumacher fora das pistas. Eu nunca quis chegar num lugar e tomar o espaço de ninguém na marra e é exatamente isso o que estou fazendo aqui.


PLAYBOY – Certa vez o Alain Prost disse que para correr na Ferrari um piloto tem que estar blindado. É assim mesmo?


BARRICHELLO – É. A Ferrari é uma equipe diferente de qualquer outra. É um outro mundo. E isso você aprende logo que assina o contrato com a escuderia. No minuto seguinte você começa a ser seguido pelos jornalistas aonde quer que vá, e realmente em qualquer lugar do planeta. E tudo o que declara, mesmo uma frase pequena, faz barulho. Na apresentação do carro novo das outras escuderias vão 300 pessoas, no máximo. Aqui vêm 2 mil. É um assédio incrível.


PLAYBOY – Você é muito assediado?


BARRICHELLO – Sou desde o primeiro instante em que entrei na equipe. Ganhei muitos amigos, até gente que falou mal de mim antes. Tem uma história engraçada, que aconteceu dias depois que assinei o meu contrato, quando eu estava no Brasil, descansando no sítio que minha família tem perto de Jacareí. Estava lá e percebi que um cara estranho rondava os muros. Fiquei na minha até que ele pulou para dentro do terreno. Fui falar com ele, e a resposta que tive é que eu era uma celebridade e que por isso estava sendo seguido de perto. Na Itália, esse assédio é ainda pior. Para conseguir chegar aos compromissos na hora certa, muitas vezes tenho que escapulir por uma saída estratégica para não perder um tempão com autógrafos, entrevistas e comentários.


PLAYBOY – As pessoas chegam para conversar com você como se fossem suas amigas íntimas?


BARRICHELLO – Claro. O ferrarista o vê tanto na televisão que se sente seu amigão, mesmo sem nunca ter visto você pessoalmente. O piloto passa a fazer parte da vida dele. Se tenho tempo, eu não ligo de falar com fãs ou jornalistas. Quando o assunto é o carro e as corridas, tudo bem. Mas me recuso a falar da minha vida privada. Eu não sou artista. Teve uma época em que eu ia muito à televisão fazer programa com o Gugu Liberato, Faustão, e aí ficava aquela coisa de fã querendo abraçar, pegar um pedaço e eu não gosto. Não sou o Elvis Presley.


Eu ia muito a programa de TV, Gugu, Faustão. Ficava aquela coisa: fã querendo abraçar. Não gosto. Não sou o Elvis Presley.

PLAYBOY – Há alguma rivalidade particular com o Ralf Schumacher, o irmão do Michael que corre na Williams, com quem você andou se enroscando e batendo nas últimas corridas?


BARRICHELLO – Não tenho nenhuma afinidade com o Ralf, mas também nada contra ele. Acontece que na pista a gente está sempre muito perto um do outro e, com isso, o risco de batidas aumenta, principalmente nas largadas. Foi mais ou menos o que aconteceu na primeira corrida deste ano, na Austrália, quando eu larguei na pole position e ele me acertou em cheio. Estava tão focado no meu carro, que passou do ponto de freada e bateu em mim.


PLAYBOY – Mas no caso do Juan Pablo Montoya, que também corre perto de você, há mais confusão com o Michael Schumacher e menos com você...


BARRICHELLO – Pura coincidência. Aliás eu gosto muito do comportamento do Montoya na pista. Ele é duro de ultrapassar, mas leal. Nunca me fechou ou jogou o meu carro na grama. Os problemas dele com o Michael Schumacher são coincidência e são rivalidade criada para vender mais jornal. Você não faz idéia das batidas que eu via nos tempos em que largava na sexta fileira com os Stewart. Muitas vezes voavam pedaços de carro para todos os lados e a encrenca era sempre com o mesmo cara. Acidentes fazem parte da regra do jogo e evidentemente acontecem com quem está perto de você.


PLAYBOY – Não há briga nem com o Eddie Irvine, para quem você gesticulou nas últimas corridas e que o chamou de feio como resposta?


BARRICHELLO – Foi uma respostinha mixuruca, mas não tenho nenhuma rivalidade com o Irvine. Ele é um cara desligado e que demorei para entender que era assim. Quando nós estávamos juntos na Jordan eu fiz questão de mostrar tudo o que eu sabia sobre Interlagos, que eu conhecia bem. Falei dos melhores pontos para frear, para ultrapassar, tudo. Quando chegou Aida [no Japão], que ele conhecia bem dos tempos em que correu no Japão, ficou na dele e não falou nada da pista para mim. Na hora achei que ele estava com sacanagem, depois vi que esse é apenas o jeito dele.


PLAYBOY – Você larga mal nas corridas?


BARRICHELLO – Atualmente não existe essa história de largar mal. É tudo gerenciado eletronicamente. Você chega no grid, aperta um botão do controle de tração, aperta outro e engata a primeira marcha. Quando as luzes vermelhas do sinal se apagam, aperta novamente e pisa fundo no acelerador. Se você apertar uma fração de segundo antes talvez salve mais pneu e freio, mas não é isso o que definirá uma boa largada.


PLAYBOY – O que é então?


BARRICHELLO – A posição dos carros no grid, por exemplo, é mais importante. Normalmente quem está na pole position está no lado mais emborrachado da pista, aquele em que todo mundo passa, faça chuva ou faça sol, e tem mais aderência. Quem sai em segundo, fica mais prejudicado. Se eu estiver dividindo a primeira fila com o Michael, nós dois apertaremos os botões de engate da primeira marcha e do controle de tração e pisaremos no acelerador com uma diferença de milésimos de segundo. É o mesmo que a reação de competidores numa corrida de 100 metros. Nos carros que se posicionam na fileira do segundo colocado, o trabalho do controle de tração será sempre maior.


PLAYBOY – Como explicar que o Ralf tenha alcançado você logo na largada do GP da Austrália se ele estava em terceiro na saída?


BARRICHELLO – Quem assistir às imagens da corrida verá que quando é dada a largada eu pulo na frente e o Michael fica para trás. O Ralf, que tem um sistema muito bom de largada na Williams, e estava do lado do pole position, também pulou na frente dele e foi para cima de mim. Foi quando eu tentei defender a minha trajetória e nós dois batemos.


PLAYBOY – Se a eletrônica faz tanta diferença, o Niki Lauda tem razão quando diz que hoje em dia até macaco dirige um carro de F1?


BARRICHELLO – Não é bem assim. É verdade que a eletrônica ajudou muito a melhorar o desempenho dos carros nas pistas, mas quem faz as curvas e acelera no limite ainda são os pilotos. Na verdade eu acho até que ficou mais difícil de dirigir com tantos recursos eletrônicos. Tanto que, outro dia, o próprio Lauda foi fazer um teste com um carro de F1 da Jaguar, de última geração, e rodou duas vezes. Ele dirige bem melhor do que qualquer macaco.


PLAYBOY – Você se acha azarado com tantas quebras como as que o afetaram nesta temporada?


BARRICHELLO – Quem diz que eu tenho falta de sorte não tem noção do que isso significa. Quebrar como eu quebrei, até no início de corridas, como o GP da Catalunha, é algo que só pode acontecer com quem está na pista. Falta de sorte é perder alguém de quem se gosta ou aquele sujeito que era competente e um dia ficou desempregado porque a fábrica está demitindo sem ele nem saber o porquê. O meu caminho na F1 pode ser sinuoso, mas eu estou longe de ser azarado. Apesar de não ter muitos pontos no início desta temporada, eu estou simplesmente fazendo o que gosto, da melhor maneira possível e no melhor momento da minha carreira. Se tivesse chegado ao final das corridas, teria feito muitos pontos.


PLAYBOY – Teria ganho alguma prova?


BARRICHELLO – Acho que sim. Na corrida da Austrália, a primeira do campeonato deste ano, eu estava muito bem e até larguei na pole. Mas não existe "se". Como eu costumo dizer, se a minha avó tivesse bigode não era minha avó, era meu avô.


PLAYBOY – Chateia muito a história de lhe chamarem de Rubinho-Pé-de-Chinelo ou paródias como a que a Jovem Pan fez dizendo que você andava sempre atrás do alemão?


BARRICHELLO – Processei a Jovem Pan e ganhei uma indenização que reverti para uma instituição de caridade. Que brincadeira é essa de fazer uma musiquinha como aquela, colocá-la em um CD e vender discos à minha custa, como eles fizeram? Hoje isso acabou e eles não falam mais mal e voltamos a ter uma boa relação. O pessoal do Casseta e Planeta já fez coisas engraçadas. Acho que eles já vestiram até o Bussunda de Silvana. Mas nesse caso eu não ligo. Só não vou lá participar.


Processei a Jovem Pan [por causa da paródia 'Sempre atrás do alemão']. Ganhei e doei o dinheiro para uma instituição.

PLAYBOY – Já lhe chamaram de Rubinho-Pé-de-Chinelo na rua?


BARRICHELLO – Adultos nunca. Já fui chamado de Rubinho-Pé-de-Chinelo por uma criança, que talvez tenha visto o pai bravo comigo numa corrida, gostou da história e falou isso para mim na maior inocência. Fazer o quê? Mas isso não acontece só comigo. O Guga foi o número um do mundo e bastou ele perder alguns jogos para que começassem a dizer que ele não jogava mais nada. Não acho justo denegrir a imagem de alguém que está tentando representar o país lá fora. E quer saber? Acho que a maioria do público não acha nem graça quando as sátiras ficam pesadas.


PLAYBOY – Mas o público não tem o direito de criticá-lo?


BARRICHELLO – Desde que exista bom senso, sim. Mas seria bom entender quando eu estou fazendo o máximo e tentar me incentivar. Uma vez eu fui assistir a um jogo do Guga contra um cara que tinha saído do qualyfing. O cara sacava forte e ele passava por dificuldades no jogo. Poderia até perder, mas eu não iria jogar a raquete nele por causa disso. O público tem que torcer nos bons e nos maus momentos, como um pai faz com um filho até nas horas difíceis.


PLAYBOY – Você também anda com a bandeira do Brasil junto do macacão como o Ayrton Senna fazia?


BARRICHELLO – Ando, sempre. Tenho a bandeira aqui, na minha sacola [remexe e tira uma bandeira do Brasil de dentro das suas coisas]. Sou brasileiro mesmo. Sempre quis mostrar a eles a minha vontade. Nunca falei nada ou prometi algo demais para o público, só queria ganhar corridas por eles. E o público entendeu. Quem nunca entendeu foram aqueles jornalistas que gostam de fazer polêmica.


PLAYBOY – Nelson Piquet não perde a chance de alfinetá-lo. Por que tanta antipatia por parte dele?


BARRICHELLO – Sei lá, já que nunca tivemos nenhum problema. Mas todo mundo sabe que o Nelson fala demais. Começou a me criticar depois de uma corrida em que eu rodei há alguns anos e nunca mais parou. Talvez tenha se esquecido de que ele mesmo já rodou várias vezes. Nem quero saber do que ele escreve a meu respeito. Mas ele deve se preparar: o filho dele está querendo fazer carreira no automobilismo e logo logo de estilingue ele pode se transformar em vidraça.


PLAYBOY – Com os jornalistas que cobrem a F1 já houve algum problema?


BARRICHELLO – Não. Dentro do possível, sempre tive um relacionamento aberto com todos os que cobrem a F1. Com a Globo também nunca tive problemas. Nosso relacionamento foi sempre muito aberto e acho que para eles foi bom eu ter ido para a Ferrari, já que a audiência das corridas de F1 que eles transmitem para o Brasil subiu.


PLAYBOY – A TV Globo teve algum envolvimento na sua ida para a escuderia?


BARRICHELLO – Nenhum. Eles não tiveram nenhum envolvimento nas minhas conversações com a Ferrari. Até porque naquele momento parecia ser o [Ricardo] Zonta que estava mais perto de ir para uma equipe grande do que eu. Para muitos no Brasil eu já estava em decadência. Ninguém quis saber de analisar a minha situação e os resultados diante dos calhambeques que eu guiava. Falei com a Ferrari por minha conta, porque sou eu mesmo quem toco a minha carreira. Eles não tiveram nada com isso.


PLAYBOY – Como começou o seu contato com a Ferrari?


BARRICHELLO – No GP de Mônaco de 1999, duas semanas depois de eu ter conseguido chegar ao pódio com a Stewart em Imola [ficou em terceiro lugar no GP de San Marino]. Eu tenho o hábito de ficar no autódromo até tarde e topei com o Jean Todt [chefe de escuderia da Ferrari] que disse que queria falar comigo. Marcamos um encontro para o quarto dele no Hotel de Paris, em Monte Carlo.


PLAYBOY – Como foi o papo?


BARRICHELLO – Ele começou perguntando quais eram as minhas intenções na F1, se queria vencer. No começo não foi direto ao assunto, não falou abertamente do interesse da Ferrari em me contratar. Não disse declaradamente: eu quero você. Mas aprendi que essa é a maneira pela qual se negocia na F1, em que o jogo nunca é muito aberto. O fato é que saí do hotel com o compromisso praticamente acertado. Nos dias seguintes as nossas conversas evoluíram e na quinta-feira seguinte eu já tinha uma minuta do contrato na mão. Quatro dias depois o termo já tinha passado pelo escritório dos meus advogados e estava oficialmente assinado.


PLAYBOY – Com dois anos e meio de equipe Ferrari você mudou muito?


BARRICHELLO – Mudei. Agora coisas pequenas me chateiam menos do que antes. Antes eu ficava "p" da vida com comentários e coisas com as quais hoje não perco mais tempo. Infelizmente no Brasil a polêmica dá mais resultado do que qualquer coisa. É assim comigo, no tênis, no futebol. Aquela história de que eu ia para a Toyota, por exemplo, ocupou as páginas dos jornais e foi pura invenção.


PLAYBOY – Então nunca existiu nenhuma conversa sua com a Toyota como se comentou tanto?


BARRICHELLO – Nem poderia existir já que eu não conheço e nunca fui procurado por nenhuma pessoa lá de dentro. Temos um respeito mútuo, todos ali me cumprimentam, até porque trabalhamos exatamente nos mesmos lugares, mas a verdade é que eu nunca falei com ninguém da Toyota sobre a possibilidade de correr pela escuderia.


PLAYBOY – Mas como nasceu essa história?


BARRICHELLO – Provavelmente porque os jornalistas foram atrás do cara da Toyota [Owe Anderson, o chefe da equipe] e devem ter especulado com o meu nome, entre os muitos pilotos que podem guiar os carros deles. Ele foi politicamente correto, disse que eu tinha experiência, que era rápido, jovem e falou que eu tinha condições de correr por eles. Foi apenas gentil comigo, mas imediatamente essa história cresceu e se transformou em boato.


PLAYBOY – Houve alguma reviravolta na sua situação na Ferrari para que você renovasse o contrato?


BARRICHELLO – Nenhuma. O que aconteceu foi mais uma vez um mal-entendido, em que inventaram que eu não estava satisfeito na equipe. Na coletiva para a imprensa durante o GP do Brasil deste ano, a gente sabia que eu seria perguntado sobre aquela história de correr com o carro do ano passado, enquanto o Michael foi para a pista com o novo. Acertamos que, se algum jornalista tocasse no assunto, eu passaria a bola para o Luca Colajanni [responsável pelas relações entre a escuderia e a imprensa]. Quando me perguntaram do carro novo e do velho, respondi com calma, uma vez, duas vezes. Fizeram a mesma pergunta pela terceira vez e respondi que a partir daquele momento falaria o Luca, como porta-voz da Ferrari. Daí para divulgarem que eu estava irritado, de saco cheio, bravo com a equipe, foi um passo. E o que é publicado no Brasil como verdade, desembarca na Itália como superverdade. Infelizmente é a polêmica que ajuda a vender mais jornal. É por isso que qualquer declaração que eu dê hoje em dia é gravada pela equipe.


PLAYBOY – A Ferrari lhe paga mesmo 8 milhões de dólares por ano de salário?


BARRICHELLO – Eu não vou falar sobre o quanto ganho.


PLAYBOY – É isso ou é menos?


BARRICHELLO – As pessoas exageram nas cifras. Todo ano apresentam valores que muitas vezes não correspondem à realidade. Recebo pelo menos três vezes menos do que falam. Com a ajuda da minha irmã, que trabalha em um banco, invisto o que ganho. Mas o meu sonho de vida não é ter barcos ou aviões, é viver bem.


PLAYBOY – Por falar nisso, que tal morar em Mônaco?


BARRICHELLO – Fui para lá no começo do meu contrato com a Stewart, em 1997. Aquilo ali é sempre agitado, cheio de gente, mas eu procuro ficar mais em casa. Quando estou no meu apartamento dificilmente saio e não quero saber de muita badalação. Até à praia eu e a Silvana vamos pouco.


PLAYBOY – O que você faz para se divertir?


BARRICHELLO – O meu grande passatempo atualmente é brincar com o meu filho, o Eduardo. De vez em quando vou jogar pôquer lá no cassino de Mônaco.


PLAYBOY – Como jogador de pôquer você blefa muito?


BARRICHELLO – Quando jogo pôquer em mesa sou bom blefador, sim. Mas, ao contrário dos tempos em que jogava buraco, nunca roubo. Gosto muito de jogar com a minha família quando estou de férias no sítio que temos perto de Jacareí ou com amigos em São Paulo. Quando tinha 8 anos, eu era louco para participar da mesa que era feita pelo meu pai e amigos dele. Hoje eu tenho lugar marcado na mesa e até o meu saldo. Foi meu pai quem me ensinou a me controlar com dinheiro e jogo. Quando vou ao cassino pego meus 100 dólares, troco em fichas e, se elas acabam, não quero saber de gastar mais.


Quando jogo pôquer sou um bom blefador. Mas, ao contrário dos tempos em que jogava buraco, eu nunca roubo.

PLAYBOY – Dá para cruzar com algum piloto em Mônaco, quando você está de folga?


BARRICHELLO – Às vezes vejo o [Juan Pablo] Montoya e o [David] Coulthard e o Luciano Burti, que é meu amigo há muito tempo e que hoje trabalha como piloto de testes da Ferrari.


PLAYBOY – Houve influência sua na contratação dele como piloto de testes da Ferrari?


BARRICHELLO – Dei o pontapé inicial e depois me afastei das conversas. No ano passado, soube que o Luciano não continuaria a guiar na Prost e perguntei se ele gostaria de dirigir uma Ferrari como piloto de testes. Dois dias depois ele me ligou topando e eu fui falar com o Jean Todt. Mas eu não podia falar o quão bom que ele é para acertar carros para não parecer que estava fazendo isso para ajudar um amigo. Dias depois o Todt o contratou. Pelos seus méritos, Luciano bateu gente boa como [o espanhol] Fernando Alonso – que está desenvolvendo os Renault – e está nos ajudando a fazer do F 2002 a melhor máquina da F1.


PLAYBOY – A Ferrari de 2002 é tão melhor do que o carro de 2001, com o qual você correu em Interlagos?


BARRICHELLO – Muito melhor. Seu conjunto é mais fácil de ser acertado, o motor é mais potente e ela gruda mais no chão, quando o assunto é estabilidade. Bem trabalhada, ela é pelo menos meio segundo mais rápida do que o modelo 2001 com que corri no GP do Brasil. Na pista, eu estava pastando para tentar ficar na frente das Williams. Pena que a equipe não conseguiu ter dois carros iguais em Interlagos e apenas o Michael pôde guiá-lo no GP do Brasil.


PLAYBOY – Ayrton Senna era alguém muito importante para você, não?


BARRICHELLO – Ayrton era um ídolo para mim. Quando eu alinhava no grid, o maior barato era saber que ele e a McLaren estavam lá. Era aquela coisa de moleque, meio "alô amigos da Globo, bem-vindos a Hungaroring" [imita Galvão Bueno]. E eu só sonhando em dirigir um Fórmula 1. Um dia aconteceu e ele estava lá quando comecei na Jordan.


PLAYBOY – Assim que você chegou à F1 foi logo falar com ele?


BARRICHELLO – Que nada. Foi o Ayrton quem veio falar comigo no primeiro dia de treinos para o GP da África do Sul em 1993, a minha estréia na F1. Ele foi até o box da Jordan, pediu para me chamar e disse que, se eu quisesse alguma dica ou instrução, ele estaria à minha disposição. Foi um dos melhores dias da minha vida. Simplesmente o cara que era o meu ídolo, que tinha tudo o que eu gostaria de ter, simpatia, humildade, que guiava o carro de uma maneira excepcional, estava lá querendo me ensinar o que sabia.


O Senna foi até o Jordan e disse que se eu quisesse alguma dica estaria à minha disposição. Foi um dos melhores dias da minha vida.

PLAYBOY – Por um triz você não morreu no mesmo final de semana que ele, quando o seu carro decolou nos treinos. O que aconteceu?


BARRICHELLO – Simplesmente guiei o carro acima da velocidade que poderia. Os carros, inclusive os de F1, são feitos para andar dentro de alguns limites. Mas os moleques, como eu era naquela época, muitas vezes iam além do limite. Devo ter entrado naquela curva a uns 10 km/h além da conta. Senti um barato enorme, até que pensei, "ih, não vai dar" e saí voando.


PLAYBOY – Você se lembra de tudo?


BARRICHELLO – Do momento em que decolei eu nem me lembro. É como se a minha memória fosse uma fita K7, que voltou e apagou um pedaço do que gravou. De vez em quando me revela uma cena a mais da qual eu já havia me esquecido. Mas não sei se quero saber o fim dessa história, ver o que passou comigo no momento do impacto. Só sei que acordei no hospital com um braço fraturado, um nariz quebrado, uma costela luxada e que engoli a minha língua por seis minutos. O doutor Sid Watkins [o médico oficial da F1] disse que morri por seis minutos.


PLAYBOY – Morreu como?


BARRICHELLO – É modo de falar. Na porrada a minha língua entrou para dentro da garganta, eu me auto-asfixiei e por um triz não morri mesmo. O doutor Watkins disse que era grave e que só não fui para o caixão porque não era a minha hora. Passei um mês com a memória vaga.


PLAYBOY – Você se encontrou com o Ayrton antes de ele morrer?


BARRICHELLO – Soube que ele telefonou ao hospital para saber como eu estava e foi até o ambulatório me ver, mas não falei com ele e nem me lembro disso. Acho que foi no sábado ou domingo, não me lembro direito por causa da pancada, de 90 G ["G" é o símbolo da força gravitacional terrestre. Em uma conta aproximada, uma pancada de 90 G seria como se Barrichello de repente pesasse 7 toneladas e se chocasse contra um obstáculo]. Sei que num dos dois dias fui à pista, de nariz quebrado e tudo, e falei com ele. Depois voei de volta para a minha casa na Inglaterra, onde assisti ao GP pela televisão. Na hora eu, como milhões de pessoas, pensei que não tinha nada e até achei um bom sinal quando a cabeça dele se mexeu, o que na verdade foi o seu último suspiro. Quando soube da sua morte, queria que a vida fosse como aqueles filmes do Super-Homem em que dá para fazer o tempo voltar. Fiquei amargurado. Nem quando o meu avô morreu eu fui a um velório. Sofri para caramba, mas fiz questão de ir ao dele.


PLAYBOY – Como é lidar com a morte na F1?


BARRICHELLO – Apesar de ter ficado arrasado com a morte do Ayrton, eu acho que a morte violenta é uma coisa que faz parte da vida de quem corre. Toda a minha família sabe que eu passo a minha vida nas pistas porque é assim que eu gosto. Tem horas em que estou a mais de 300 km/h e o meu corpo cansa, o freio não funciona direito e tudo pode acabar de uma hora para a outra. Parece brutal pensar que estou me arriscando tanto e que posso morrer de repente, mas faço uma coisa que me dá prazer que eu não encontraria em outra profissão. Quando entro no carro, peço a Deus que me dê proteção para eu não me machucar e vou fazer o meu trabalho.


PLAYBOY – Você é muito religioso?


BARRICHELLO – Rezo de noite e quando estou no cockpit do carro. De vez em quando acendo uma vela e escuto as músicas do padre Marcelo Rossi, mas não sou de ir à igreja todo dia, toda hora.


PLAYBOY – O que passou pela sua cabeça quando pintou o capacete com as cores do Ayrton Senna no GP do Brasil em 1995?


BARRICHELLO – Era para ser apenas uma homenagem ao meu ídolo. Eu acreditava que a Jordan tinha um bom carro em 1995, o ano de estréia do motor Peugeot, e decidi que dava para segurar a barra de tentar dar alguma alegria às pessoas que, como eu, estavam sofrendo com a morte do Ayrton. Só que deu tudo errado.


PLAYBOY – Por quê?


BARRICHELLO – Antes de mais nada, porque aquele carro da Jordan era ruim demais. Para complicar, os projetistas colocaram o pedal do freio do lado esquerdo, quando eu freio com o pé direito. Ou seja: eu brecava o carro até nas retas. Perdia velocidade e rendimento dos freios, já que o disco esquentava demais sem necessidade, e ninguém sabia o motivo. Naquele dia em Interlagos o meu mundo caiu. Quando vi que não teria condições de segurar a barra, que tudo quebrava naquele carro, explodiu tudo. Aquilo tudo me machucou tanto que eu nem fiquei com nenhum dos dois capacetes. Um dei para o Sid Mosca, que os pintava e foi o criador do desenho, e o outro foi para o pai do Ayrton.


PLAYBOY – Quando você descobriu o problema de posicionamento dos pedais?


BARRICHELLO – Demorei seis corridas para descobrir o que estava acontecendo. E a partir do momento em que eles reposicionaram os pedais eu consegui ser mais rápido do que o Eddie Irvine. Mas as seis primeiras provas daquele ano já tinham feito a história da temporada. A imprensa inglesa começou a dizer que eu não conseguia fazer o que os torcedores do Brasil queriam, que o grande talento era o Irvine e eu caí nessa coisa. Hoje eu sou menos vulnerável. Se tiver que chorar no pódio, choro, se tiver que rir, rio, mas quando entro no carro sou uma geladeira.


PLAYBOY – Todo piloto que se preza já fez xixi no macacão. Já aconteceu com você?


BARRICHELLO – Nunca fiz. Uma vez em Suzuka, no GP do Japão em 1995, eu quase fiz. Era uma prova com muita chuva e entrou o pace car na pista. Foram oito voltas até que ele saísse de lá. E aquele barulhinho de chuva era torturador. Mas deu tempo de ir ao banheiro assim que a corrida terminou. Mas eu sei que o [italiano] Gianni Morbidelli fazia xixi toda corrida. Era normal para ele.


PLAYBOY – Quando você estreou nas pistas?


BARRICHELLO – Quando eu tinha 7 anos e alguma coisa, ganhei um kart do meu avô materno e comecei a correr meio de brincadeira. Mas era só treino. E foi aí que com 8 anos, um pouco antes do meu aniversário, em maio de 1981, os meus tios Carlos e Sérgio [irmãos de Rubem, o seu pai] me prometeram que se eu conseguisse baixar o meu tempo de um minuto eu iria correr de verdade, disputar competição. Seria escondido do meu pai, que achava que ainda era muito novo para fazer isso. Eu nunca vou me esquecer: cheguei no kartódromo com meus tios numa camionete vinho, sentei no kart e dirigi em 59 segundos e 60 décimos. De presente pude voltar à oficina na caçamba da picape do tio Waltinho Travaglini [ex-piloto], e, o que é melhor, me deixariam finalmente competir.


PLAYBOY – Como você se saiu na primeira prova?


BARRICHELLO – Para um iniciante fui bem demais. O grid não era grande: tinha apenas dez pilotos alinhados e eu saí em terceiro, o que não era mau para uma primeira vez. Só então é que os meus tios contaram para o meu pai que eu iria disputar a minha primeira corrida. Ele ficou um pouco bravo, mas depois fez a maior festa. Acelerei na intuição, sustentei a posição, cheguei em terceiro e subi no pódio, logo na minha primeira largada. Fui segundo na terceira corrida, ganhei uma bateria na terceira e nunca mais parei de correr. Meu pai aceitou numa boa.


PLAYBOY – Você correu pouco no Brasil, não?


BARRICHELLO – Corri Fórmula Ford em 1989. Ganhei a minha corrida de estréia em Florianópolis, na rua, mas o carro não era bom e o máximo que consegui foi chegar em quarto lugar no campeonato. Tinha a equipe Texaco que era a bambambã e não tinha para ninguém. Enquanto isso, o meu motor me deixou na mão em Cascavel, o carro quebrou em Goiânia e eu fui caindo. Mas não achei ruim: numa equipe limitada pude aprender muito mais do que se estivesse com uma estrutura excelente. Eu sofri naquela época, mas aprendi como nunca. Quando fui correr na Itália, na Fórmula Opel, com 17 anos, eu estava numa boa equipe, a Draco, e já tinha um bocado de experiência com tudo o que tinha dado errado no Brasil. Fui campeão logo no meu primeiro ano de Europa.


PLAYBOY – Morava sozinho?


BARRICHELLO – Não. Vivi com os mecânicos em Florença durante um ano. Não tinha nem idade para correr. Pelo regulamento menores de 18 anos não podiam competir.


PLAYBOY – E como fazia para correr?


BARRICHELLO – Por seis corridas corri com a carteira de identidade do meu pai. Tive a sorte de ter o mesmo nome e ter nascido no mesmo dia em que ele nasceu. Eu botava uma foto minha em cima da dele, colocava a carteira em um saco plástico e mostrava rapidamente para a fiscal da federação italiana de automobilismo.


PLAYBOY – Você acredita em astrologia e horóscopo?


BARRICHELLO – Não fico por aí lendo revista e nem fazendo mapa astral toda hora, mas acredito um pouco, sim. Um amigo meu já fez o meu mapa. E eu também pedi para fazer o do Dudu [Eduardo, seu filho]. É uma ferramenta a mais para conhecer uma pessoa.


PLAYBOY – Você dividiu uma casa na Inglaterra com o Pedro Paulo Diniz. Tinha muita farra na casa de vocês?


BARRICHELLO – Na época tinha. Segunda e quinta a gente sempre arranjava umas festas para ir em Cambridge, onde havia muitos brasileiros e latinos. Tinha muita moçada, estudantes, uns pilotos mexicanos, nossos amigos que também iam, o Pedro de la Rosa, o espanhol que hoje corre na Jaguar, ficava na nossa casa e freqüentava também. Era um oba-oba legal. Depois, em 1994, quando eu já estava na F1, rachei uma casa com o Ricardo Rosset e outros pilotos brasileiros. Era em Bembry, também perto de Londres.


PLAYBOY – É verdade que todo piloto de F1 começa pagando para correr?


BARRICHELLO – Até o Ayrton Senna precisou levar alguma coisa para a Toleman no começo da carreira. Comigo não foi diferente. Meus patrocinadores pagaram 1,5 milhão de dólares por dois anos de contrato na Jordan.


PLAYBOY – Como é que você foi parar no caminho do Eddie Jordan?


BARRICHELLO – O Eddie tinha me visto correr na Fórmula 3 na Inglaterra e me convidou para fazer testes. Na primeira vez dei seis voltas em Silverstone e não valeu nada. Mas na segunda vez, também em Silverstone e na chuva, eu me dei bem: ainda com aquele carro com motor Yamaha consegui fazer um tempo melhor do que os pilotos que corriam para ele naquela época. Mas ele deixou claro que a gente precisava entrar com dinheiro se quisesse a vaga. Eu estava brigando pelo lugar com o Eddie Irvine, com gente boa da Fórmula 3.000 e alguns veteranos. Foi aí que a Arisco entrou na parada. Mas a verdade é que até 1997 eu praticamente não ganhei dinheiro nenhum para correr.


PLAYBOY – Nem o capacete, macacão essas coisas eles pagavam?


BARRICHELLO – Ganhava para sobreviver. Em termos financeiros todo o sacrifício que eu e a minha família tínhamos feito para eu ser piloto de F1 não tinha valido a pena. Foi só quando eu entrei na Stewart é que comecei a faturar mais. E, por incrível que pareça, eu não tinha outra saída.


PLAYBOY – Não tinha outra saída porque o Eddie Jordan não queria mais que você corresse para ele?


BARRICHELLO – Não queria. O Eddie Jordan é um sujeito engraçado e divertido: come de boca aberta, é meio espalhafatoso, mas mudou bruscamente de atitude comigo. Até o final de 1995 o Rubinho era fantástico, um moleque sensacional. Aí, de repente, eu deixei de ser tudo aquilo e perdi o meu lugar sem ter culpa pelo desempenho ruim da máquina. Apesar de ser equipada com motor Peugeot, o carro era uma porcaria e não conseguia fazer bons resultados. Tenho certeza de que hoje em dia, quando o Jordan vê tudo o que eu posso fazer diante de um Michael Schumacher, ele deve pensar duas vezes no que fez comigo daquela vez.


PLAYBOY – Ou seja: a Stewart era a única saída para continuar na F1.


BARRICHELLO – Eu não tinha outra opção. Apesar de o Eddie Jordan ter aberto as portas para mim, fui praticamente colocado de lado por ele. Já em agosto, fui informado de que a equipe não me queria mais. Era um caso encerrado. Eu poderia tentar conseguir vaga em outras equipes, mas teria que aguardar até dezembro e novamente correr para valer o risco de ficar na mão. Nesse caso a melhor saída profissional era trabalhar com o Jackie Stewart. Baixei a minha bola, joguei o meu orgulho no bolso e fui começar de novo numa equipe que estava saindo do zero.


PLAYBOY – Mas a Ford, que é uma das maiores companhias do planeta, não estava por trás da Stewart?


BARRICHELLO – Fornecia os motores, mas a equipe estava começando do zero. Para ter uma idéia, o primeiro teste que fizemos foi no estacionamento da Ford. Mas eu já estava acostumado com isso. Afinal, tinha percorrido o mesmo caminho na Jordan. O primeiro pódio e a primeira pole da equipe do Eddie Jordan fui eu quem fiz.


PLAYBOY – Quanto o Jackie Stewart lhe pagava?


BARRICHELLO – De dinheiro eu não falo. Mas a verdade é que era muito acima do que eu esperava receber de uma escuderia que começava do zero.


PLAYBOY – Mudando de assunto: você era muito galinha?


BARRICHELLO – Teve um tempo em que eu fui. Piloto de corrida, que aparece na televisão, fica até bonito para as mulheres. Daí você acaba se divertindo e de vez em quando rolava alguma coisa. E isso atrapalhou um pouco o meu início de namoro com a Silvana. Mas, em vez de ficar com uma mulher aqui e outra ali, eu gostava mesmo era de namorar. Fiquei quase cinco anos com a Daniela, a minha vizinha de frente em Interlagos. Depois tive namoros curtos, de cinco, seis meses.


PLAYBOY – Tem muita maria-gasolina na F1?


BARRICHELLO – Tem. No começo da minha carreira me chamava a atenção uma mulher que tinha uns 10, 15 anos a mais do que eu e que já tinha saído com um monte de pilotos. Em troca de um passe de acesso ao paddock fazia tudo. Mas eu não queria saber dela, nem de ficar toda noite nas boates.


PLAYBOY – Como foi a primeira vez que você transou?


BARRICHELLO – Foi bem cedo. Eu tinha 13 anos e fui com um monte de moleques, meus amigos, a uma casa de massagem nos Jardins, em São Paulo. Faz tanto tempo que eu nem me lembro como era a mulher. Achei o maior barato, sensacional. Antes de ir, eu tinha conversado com o meu pai, que me deu uns toques, dinheiro e me mandou levar preservativos.


PLAYBOY – Quem foi dirigindo o carro?


BARRICHELLO – O motorista de um dos colegas. Foi uma primeira vez em grande estilo. A Silvana, minha mulher, vai ficar "p" com essa história.


PLAYBOY – Como começou o seu relacionamento com ela?


BARRICHELLO – Comecei a sair com ela há sete anos e nos casamos há cinco. É engraçado: sempre fui muito amigo dos Giaffone [a família de Silvana], de estar junto com os primos dela na pista desde os tempos do kart, como o Felipe, que hoje corre nos Estados Unidos, na IRL. A Silvana ia às pistas para assistir aos primos correrem e de vez em quando a gente se cruzava. Até que um dia eu a vi numa boate. Ela vinha de um fim de namoro, eu também estava sem namorada há uns dois, três meses, estava num momento de curtição. Mas quando a vi naquela noite foi amor à primeira vista. Mexeu comigo. Mas ela não queria saber muito de conversa, tinha a imagem do Rubinho galinha, e sabia de umas histórias cabeludas a meu respeito.


PLAYBOY – Dá para contar uma?


BARRICHELLO – Uma vez entrei no motel escondido com uma mulher no carro dirigido por um dos primos dela. Eu não tinha 18 anos e dei um jeitinho de entrar no porta-malas com a mulher enquanto um dos Giaffone dirigia. E ela sabia disso e não queria saber de namorar comigo. Aí as coisas rolaram, a gente foi se falando mais pelo telefone, se vendo mais e estamos juntos até hoje. Mesmo quando já estávamos namorando não foi fácil. Na primeira vez em que saímos, eu estava entrando com ela no carro quando estourou um flash de um fotógrafo da Contigo! na nossa cara para sair na seção Flagra. Pensei: se os pais já eram preocupados, agora foi o fim. Ficar com ela foi uma conquista muito difícil.


Eu não tinha 18 anos. Entrei no motel escondido com a garota no bagageiro do carro. O motorista era primo da minha mulher.

PLAYBOY – A Silvana vai assistir às suas corridas?


BARRICHELLO – Sempre que as provas são legais, vai. Não vai a Magny-Cours [o autódromo próximo a Nevers, no interior da França, onde é disputado o GP daquele país] que é no fim do mundo e onde só tem a pista e o hotel. Mas em Mônaco certamente estará torcendo por mim.


PLAYBOY – Você sempre fala com muito carinho do seu pai. Qual foi o papel dele na sua carreira?


BARRICHELLO – Meu pai foi a pessoa mais importante na minha carreira. Quando eu ganhei o GP da Alemanha [em Hockenheim, no ano 2000], eu chorei, falei com o Ross Brawn [diretor técnico da Ferrari], chorei mais um pouco antes de subir no pódio. Quando subi no degrau mais alto, respirei fundo, olhei para o céu e a única coisa que veio à minha cabeça foi o dia em que meu pai decidiu vender o Fiat 147 dele para eu poder disputar o campeonato brasileiro de Fórmula Ford. Deu um nó na minha garganta. Meu pai sofreu e deixou de fazer muita coisa de que gostava para que eu pudesse competir. Ele, meus dois tios e meu avô tinham uma loja de material de construção em Interlagos. Ele tinha que tirar dinheiro de dentro do caixa para que o filho dele pudesse correr. Quando eu estava no alto do pódio isso foi a única coisa da qual conseguia me lembrar.


Ganhei o GP, subi no pódio. O que veio à minha cabeça foi o dia em que meu pai vendeu o Fiat 147 para eu poder disputar a Fórmula Ford.

PLAYBOY – Era mesmo dura a vida de vocês?


BARRICHELLO – Era. A gente não tinha mesmo grana. Lembro que no começo eu competi com o nome do meu colégio, o [Externato] Elvira Brandão no meu macacão em troca das mensalidades. Quando eu acabei meu ciclo no kart, depois de oito anos, e comecei a correr de Fórmula Ford, a gente só teve grana para comprar um carro de segunda mão. Era barato e já tinha porrado duas vezes. O carro não era dos melhores, mas era o único que a gente poderia pagar. Mas aí eu tive sorte.


PLAYBOY – O que aconteceu?


BARRICHELLO – Um pouco antes da última prova do campeonato de 1988, a Ford pediu o meu carro emprestado para deixar em um showroom e ele caiu do caminhão que o transportava. Daí eles tiveram que me dar um carro novo em folha em troca de um carro usadíssimo. Tive a chance de disputar o campeonato brasileiro de Fórmula Ford com um excelente carro sem ter que pagar o que ele valia. Depois ganhei o patrocínio da Arisco de presente de Murilo Macedo Filho [filho do ex-ministro do Trabalho, Murilo Macedo, contemporâneo de Rubens no kart e cuja carreira era bancada pela companhia], que competia comigo. E foi com a ajuda da empresa que pude chegar à Jordan. Isso é para as pessoas que dizem que eu sou azarado verem que não é bem assim.


PLAYBOY – Com tantos caras novos como o Kimi Raikkonen, Jenson Button e Felipe Massa chegando, você não se sente um dinossauro na F1?


BARRICHELLO – Não, eu até acho que ainda sou jovem apesar de ter dez anos de experiência na F1. Fiz 30 anos em maio. Não acho nada de anormal na chegada de gente nova à F1 porque eu próprio comecei muito novo. Com 20 anos fiz o meu primeiro teste na Jordan e assinei o meu primeiro contrato com eles. Acho que a chegada de gente nova é um ciclo. Que graça teria um Fangio correndo com 90 anos de idade e não sendo mais competitivo. O que deve definir a conquista de um lugar numa equipe de F1 é a capacidade que um piloto tem de andar rápido, no limite. Essa é a regra do jogo em um esporte em que corre muito dinheiro e que exige sempre que os pilotos dêem o máximo. Quem se acomoda perde a vez.


PLAYBOY – Quanto tempo ainda dá para correr na F1?


BARRICHELLO – Não faço previsão. Na pista a minha performance melhorou no dia em que eu decidi não colocar mais limites. Não fico mais pensando em baixar dois milésimos e ficar contente. Agora eu tento fazer o meu melhor. Quero acertar o meu carro, ter prazer e fazer o meu trabalho. Nem o Schumacher e as marcas dele são o limite para mim. Não tem sentido ficar planejando o final da minha carreira. Quando ele chegar, chegou.


PLAYBOY – Você acredita que um dia ainda será campeão na F1?


BARRICHELLO – É o grande sonho da minha vida. Eu acordo todos os dias para vencer o meu dia. As pessoas podem falar o que quiserem, mas eu tenho dentro de mim a vitória. Ganhei em categorias menores, muitas vezes sem um mínimo de experiência e acho que na F1 será igual. Pastei para caramba com carros ruins e agora tenho uma chance. Mas, se eu serei ou não, depende da maneira como eu trabalhar e me mantiver motivado. Há muitos pilotos talentosos, que saem de cena depois que perderam o seu momento e desanimam. Na F1 não é como nas categorias intermediárias em que os carros são parecidos e prevalece o talento do piloto. A qualidade do carro e da equipe vale muito. Aqui você pode até guiar melhor do que o cara que ganhou a corrida e terminar apenas em décimo primeiro lugar.


POR FERNANDO VALEIKA DE BARROS

FOTOS FLAVIO MAZZI


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