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ZÉ CELSO MARTINEZ | NOVEMBRO, 2006

Playboy Entrevista



Uma conversa franca com o polêmico diretor do Teatro Oficina sobre sua disputa com Silvio Santos, dinheiro recebido de Maluf, brigas com comunistas, tortura e orgias embaladas a ácido.


Nos anos 30, na provinciana Araraquara, interior de São Paulo, um carpinteiro ousou desafiar a burguesia locai ao construir um teatro de arena, todo aberto para a principal praça da cidade. O sonho se desfez depois que a família Lupo, a mais poderosa do município e dona das famosas meias, derrubou o teatro para construir o prédio da prefeitura, um faraônico arranha-céu.


Setenta anos depois, o neto do carpinteiro também luta com unhas e dentes contra um grupo empresarial poderoso, que pretende levantar um shopping center em torno do Teatro Oficina, no Bixiga. (tradicional bairro paulistano, também conhecido como Bela Vista), foco de resistência cultural há quase meio século em São Paulo.


Mas José Celso Martinez Corrêa, 69 anos, é bom de briga, capaz de tudo para manter sua usina cultural de pé. Nos anos 90, quando a companhia balançou por falta de grana, ele foi pedir dinheiro ao então prefeito Paulo Maluf. "Dinheiro de Ladrão é de todo mundo, é público", bradou. Saiu da prefeitura com os bolsos cheios. Agora, prestes a ter como vizinho um shopping center, quer aproveitar para oferecer biscoito fino ao povão, realizando o sonho de erguer o Teatro de Estádio, projetado por Lina Bo Bardi [arquiteta autora do projeto do Teatro Oficina e do Museu de Arte de São Paulo, morta em 1992], e uma Universidade Popular Antropofágica.


Para tanto, terá de convencer o dono do pedaço, o apresentador e empresário Silvio Santos, a dividir seu latifúndio. O primeiro passo já foi dado: Zé conseguiu levar o homem do baú, que só sai de casa para ir ao cabeleireiro, para conhecer pessoalmente o Oficina, num encontro intermediado pelo senador Eduardo Suplicy. Se o Bixiga vai virar uma nova Las Vegas ou uma oficina antropofágica não se sabe ainda, mas é bom não duvidar do poder transformador de Zé Celso.


Nos anos 60, em pleno regime militar, ele plantou a semente do tropicalismo ao encenar O Rei da Vela, de Oswald de Andrade. Um marco histórico, que influenciou uma geração de artistas, de Caetano Veloso a Tom Zé, de Hélio Oiticica a Glauber Rocha, e um divisor de águas do teatro brasileiro, que não via algo tão revolucionário desde Vestido de Noiva, de Nelson Rodrigues.


Durante o AI-5, o Ato Institucional Número 5, período de maior censura e repressão da ditadura, Zé não se acovardou. Esteve à frente de grandes montagens, como Roda Viva, de Chico Buarque; Na Seiva das Cidades, de Brecht; e As Três Irmãs, de Tchecov. Preso, submetido ao pau-de-arara, torturado por 10 homens, não amoleceu e nem perdeu a ternura. Exilado, foi fazer teatro em Portugal e voltou em 1978, perto da Anistia, disposto a reabrir o Oficina.


Desde então, o grupo funciona a todo vapor, como na épica montagem de Os Sertões, de Euclides da Cunha, e está à frente de projetos sociais inovadores, como o Bixigão. Com a ajuda da Fundação Gol de Letra, do ex-jogador Raí, Zé Celso transformou ladrões de carro da região em jovens revelações do teatro. Sem cacetete, sem tortura e sem prisão. "A arte é mais excitante do que o crime", diz, valendo-se de uma de suas máximas preferidas.


Para entrevistar Zé Celso, PLAYBOY escalou o jornalista e escritor Tom Cardoso. Foram duas longas conversas no apartamento do diretor, no bairro do Paraíso, em São Paulo. No primeiro papo, ele estava tenso. Reclamou da acidez do vinho e decidiu interromper a entrevista para comprar outra garrafa. No caminho para o supermercado, Zé confessou que estava angustiado com as mortes dos atores Raul Cortez e Gianfrancesco Guarnieri naquela semana. "O [Paulo César] Pereio até brincou comigo: `Quem será o próximo, eu ou você?'."


No segundo encontro, o clima era outro. Até o cachorro, Caxangá, um Griffon de Bruxelas igual ao do filme Melhor Impossível, estrelado por Jack Nicholson, estava menos arisco. Zé chamou o repórter até a cozinha para acender uma vela ao lado de Ricardo, ator de Os Sertões. Enquanto o repórter abria o vinho, Zé e Ricardo cantavam em tomo da vela. Estava pronto para dar uma grande entrevista. E deu.


PLAYBOY – Há 25 anos o Grupo Silvio Santos tenta levantar um shopping no entorno do Teatro Oficina, mas você resiste bravamente.


ZÉ CELSO MARTINEZ – A briga é com o Grupo Silvio Santos. Eu estive com o Silvio pessoalmente. Gosto muito dele. É um grande palhaço, como eu sou um grande palhaço. Adoraria contracenar com ele no Teatro do Estádio. Quero fazer urna universidade antropofágica, estudar tudo que é rejeitado pela sociedade, os tabus, a questão da sexualidade. Sou capaz de tudo para preservar o Oficina. Minha luta está acima de ideologias. Os alicerces do Oficina foram pagos com dinheiro do caixa 2 do [Paulo] Maluf [prefeito de São Paulo de 1993 a 1996].


PLAYBOY – Como conseguiu convencê-lo a investir no Oficina?


ZÉ CELSO – O Maluf tinha prometido um dinheiro para o Juruna [cacique xavante e ex-deputado federal, morto em 2002], que se recusou a receber. Eu fui para a televisão e disse: "Se o Juruna não quer, eu quero!". Dinheiro de ladrão é de todo mundo. É público.


“Os alicerces do Oficina foram pagos com dinheiro do caixa do Maluf. Dinheiro de ladrão é de todo mundo. É público."

PLAYBOY – E o Maluf?


ZÉ CELSO – O João Carlos Martins [pianista], que fazia todo o trabalho de cafetinagem para o Maluf, fez a ponte e fomos todos até o gabinete da prefeitura. Levei o Raul Cortez, o Nelson Xavier, a Elke Maravilha. Fomos vestidos de índios e fizemos um cerco em tomo dele.


PLAYBOY – Qual foi a reação dele?


ZÉ CELSO – Ele ficou deslumbrado feito uma criança de colégio vendo aquela cena. E ele é um puta ator. Maravilhoso, extraordinário. Enfim, conseguimos arrancar dele o dinheiro para a estrutura do teatro.


PLAYBOY – O Maluf acaba de ser eleito deputado federal, o mais votado do país (com quase 740 mil votos)...


ZÉ CELSO – Eu tenho 69 anos e nunca vi em toda minha vida uma campanha presidencial tão despolitizada, tanto que o vídeo da Cicarelli fazendo sacanagem na praia, que nem era tanta sacanagem assim, era apenas ela pegando no p(") do namorado, teve mais repercussão que as eleições. Não me surpreende a eleição do Maluf.


PLAYBOY – E a eleição do Clodovil, terceiro candidato mais votado em São Paulo, te surpreendeu? O antropólogo Luiz Mott diz que o Clodovil "é a grande esperança de mais de 20 milhões de brasileiros homossexuais"...


ZÉ CELSO – O Mott está numa jogada inteligente, tentando abrir a cabeça do Clodovil. O Clodovil é racista, tem vergonha de ser mulato. Ele gostaria que o Brasil fosse dominado pelos europeus. Mas no fundo ele é um mulato petulante, da varanda da casa grande. E o mulato petulante da casa grande tem esse desprezo pelos inferiores.


PLAYBOY – Ele disse que não vai se vender por pouco...


ZÉ CELSO – Ele é um pouco assim, gosta de aparecer. Lembro do dia em que ele foi ver O Rei da Vela e ficou escandalizado com o figurino de um dos atores.


PLAYBOY – Escandalizado com o quê?


ZÉ CELSO – O figurino era do Hélio Eichbauer, um gênio. E o Clodovil cismou com uma personagem, um aristocrata que usava um tamanco com meia branca, uma clara provocação do Hélio. O Clodovil não entendeu nada e começou a gritar: "A bicha mais pobre do mundo jaaaamais usaria meia branca com tamanquinho!!!!".


PLAYBOY – Tudo isso por causa de um tamanco com meia branca?


ZÉ CELSO – É, ele ficou escandalizado. O Clodovil é metido a besta. Pensa que é o Oscar Wilde, que era mais refinado do que ele, com mais humor. Até hoje ele pensa que O Rei da Vela resume-se ao homem com tamanquinho e meia branca [risos]. A eleição do Clodovil também não é surpresa para mim. Nessás eleições não foi permitido tocar em outro assunto que não fosse a moral. Mas, por sorte, essa direita toda não tem um homem que tenha um carisma de um Carlos Lacerda [ex-governador do Estado da Guanabara, líder da UDN, União Democrática Nacional], um homem de retórica brilhante. Nem deveria elogiá-lo. Ele me expulsou da casa da família Mesquita [proprietária do jornal O Estado de S. Paulo].


PLAYBOY – O que você estava fazendo na casa dos Mesquita?


ZÉ CELSO – Foi em 1974, em plena disputa entre o governo e a linha dura do Exército, que era contra a abertura politica iniciada pelo presidente [Ernesto] Geisel. A repressão à classe artística era tão forte que montamos uma comunidade e fomos todos morar no fundo do Teatro Oficina, junto com o pessoal que fazia o jornal Bondinho e o Ex, aquela turma maravilhosa liderada pelo Hamiltinho [Hamilton de Almeida]. E nessa época o Henricão [ator e cantor Henrique Felipe da Costa, morto em 1984] foi preso e torturado, durante a peça A Vida e a Época de Josef Stálin, de Bob Wilson, encenada no Teatro Municipal.


PLAYBOY – Ele foi torturado no Municipal?


ZÉ CELSO – Sim, dentro do Municipal! Nos camarotes. Veja que cena horrível. Aí a ficha caiu. Percebemos que o cerco tinha se fechado. Tanto que dias depois o Teatro Oficina foi invadido pelo pessoal do Dops [Departamento de Ordem Política e Social, polícia política do regime militar] e todo mundo acabou preso.


PLAYBOY – Você foi preso?


ZÉ CELSO – Não, eu estava no Rio, montando o Rei da Vela. Na invasão do Oficina, só escaparam eu e a Lúcia, mulher do Hamiltinho, que conseguiu dar um golpe de capoeira num policial, com algema e tudo. Eu resolvi voltar a São Paulo para tentar libertar meus companheiros da prisão. Fui para a casa da minha irmã e acabei preso.


PLAYBOY – Você foi torturado?


ZÉ CELSO – Sim, logo que cheguei à prisão. Fiquei numa espécie de ciranda de 10 homens. Um deles tinha tatuado no braço "Amor de Mãe". Eles me torturaram pra valer, acabaram comigo. Fora da sala de tortura, comportavam-se como pessoas normais. Passavam o dia cantando. Adoravam aquela música "Quaquaraquaquá/Quem Riu Fui eu" ["Vou Deitar e Rolar", de Baden Powell e Paulo César Pinheiro].


"Logo que cheguei à prisão, fiquei numa ciranda de 10 homens. Eles me torturaram pra valer."

PLAYBOY – E onde entra o Lacerda?


ZÉ CELSO – Quando o Henricão foi preso e o Oficina invadido, eu fui para a casa da minha irmã. Mas antes de ser preso, eu tomei um ácido, peguei um caderno e escrevi numa tacada só um documento chamado "SOS", em que denunciava o massacre contra o Teatro Oficina. Claro, não consegui publicar o manifesto em jornal algum e resolvi ir, junto com o Hamiltinho e outros jornalistas e atores, até a casa do Julio Mesquita Neto, diretor do Estadão.


PLAYBOY – Ele recebeu vocês?


ZÉ CELSO – Sim, foi muito gentil. A senhora dele também. Eles estavam recebendo o Carlos Lacerda. Ele estava numa das salas cercado de garotões da TPF [Tradição Família e Propriedade]. No fim da vida, o Lacerda virou a casaca.


PLAYBOY – O Lacerda virou a casaca?


ZÉ CELSO – No fim da vida ele resolveu aproveitar. O monarca de direita, romano, depravado, com a sua corte. Então, eu sentei para ler o meu manifesto, cara a cara com o Julio Mesquita. E o Lacerda com os meninos em outro cômodo da casa. Em determinado momento, eu citei a situação política de 1954, o suicídio de Getúlio Vargas e o próprio Lacerda. Ele estava em outra sala, mas com as antenas ligadas.


PLAYBOY – Ele interrompeu seu manifesto?


ZÉ CELSO – Sim, aos berros. Na hora que ouviu o nome dele, ele começou a gritar: "Saiam daqui! Saiam daqui!".


PLAYBOY – Vocês saíram?


ZÉ CELSO – Não. A mulher do Julio, uma senhora muito elegante. ficou ofendidíssima com a reação do Lacerda e disse que aquilo nunca havia acontecido na casa dela, que a família Mesquita tinha princípios, ética etc. E o Lacerda, bêbado, gritando: "Rua!", "Rua!".


PLAYBOY – Qual foi a reação de vocês?


ZÉ CELSO – A gente caiu na gargalhada. Para nós, aquela era uma cena de Nelson Rodrigues. Um fascista como Lacerda arrumando um barraco na casa de um quatrocentão. Por mais que os Mesquita não adorassem a gente, jamais eles expulsariam alguém da casa deles daquela maneira. E quanto mais o Lacerda xingava, mas a gente ria. Até que ele desistiu e foi embora.


PLAYBOY – O Estadão publicou o manifesto?


ZÉ CELSO – Não, não publicou. Mas o que aconteceu naquela noite acabou de alguma forma chegando aos ouvidos dos militares. E a resposta ao meu manifesto foi o pau-de-arara. E o curioso é que o documento não era um documento político. Eu falava de drogas, de teatro, de uma série de coisas.


PLAYBOY – Este ano você participou de uma peça publicitária do Estadão...


ZÉ CELSO – Sim, participei de uma propaganda para o Estadão e entrei na lista negra da Folha...


PLAYBOY – Lista negra?


ZÉ CELSO – É, estou vetado na Folha. O jornalista Arthur Nestrovski ia publicar um livro sobre a teatralizarão musical de Os Sertões, na editora Publifolha, que pertence ao Grupo Folha. Não deixaram. O próprio Nestrovski me disse que a proibição foi por causa do meu anúncio no Estadão.


PLAYBOY – O veto acabou aí?


ZÉ CELSO – Não. A perseguição continua. Eles não dão mais cobertura às minhas peças, apenas notinhas. O Marcelo Coelho, colunista da Folha, caiu de pau em cima da Lina Bo Bardi, dizendo que o Masp é uma b(*) e que o Oficina é o teatro mais feio do mundo. São jornalistas que aproveitaram o veto da Folha para descarregar um recalque sobre a minha geração. Os yuppies que tomaram o poder na Folha têm ódio, asco da minha geração, a de 1968. Eu amo o Otavinho [Otavio Frias Filho, diretor de redação da Folha de S.Paulo], o admiro como pessoa e dramaturgo.


PLAYBOY – Você já o dirigiu no teatro.


ZÉ CELSO – Sim! Eu adoro a pessoa dele. O livro dele [Queda livre] é maravilhoso, fala sobre suas várias experiências, inclusive como ator no Teatro Oficina, fazendo Boca de Ouro, do Nelson Rodrigues. Ele é um ótimo ator, ótima pessoa. Ele já foi da Libelu [Liberdade e Luta, corrente política de inspiração trotskista responsável pela reorganização do movimento estudantil em São Paulo] , mas hoje serve à estrutura neoliberal, à direita. O fato de o PT ter entrado no jogo da direita provocou por parte da própria direita o pretexto de uma campanha moralista. A Folha também faz suas maracutaias, como tudo no Brasil.


PLAYBOY – Essa é uma acusação grave.


ZÉ CELSO – Vou dar exemplos práticos. A Folha propôs à nossa produtora uma redução de 50% no preço dos anúncios do Oficina no jornal, desde que, claro, a companhia não anunciasse mais no Estadão. Isso é imoral. É mensalão, não? A Folha tem colunistas maravilhosos. O Contardo Caligaris conseguiu que o Silvio Santos fosse ao Oficina, junto com o [Eduardo] Suplicy. Mas quando o Silvio foi ao teatro, o Contardo não queria dar a nota para o Estadão.


PLAYBOY – O Estadão deu a nota?


ZÉ CELSO – Deu, por que o Suplicy disse: "Não, de jeito nenhum", e ligou para o Estadão. O Contardo ficou p(*), porque é submisso à ditadura de marketing praticada pela Folha. Imagina, o mais importante ali era tentar convencer o Silvio Santos da importância de preservar um projeto maravilhoso como o Oficina.


PLAYBOY – O Suplicy participou de Os Sertões. Ele quase tirou a roupa, não?


ZÉ CELSO – Ele estava pronto para tirar a roupa. Senti que ele não teria problema em ficar nu. Talvez fosse ótimo, mas fiquei com um certo escrúpulo.


PLAYBOY – Por quê?


ZÉ CELSO – Eu gosto muito dele e achei que se ele tirasse haveria uma campanha violenta contra ele. E ele é um homem que está acima do bem e do mal. Um príncipe.


PLAYBOY – Você é eleitor declarado do Lula. Qual a avaliação você faz do seu governo?


ZÉ CELSO – O Lula foi eleito para que houvesse mudança. Ele não conseguiu, mas abriu algumas brechas. E o povo continua querendo essas mudanças. O povo gosta do Lula. O fator afetivo é um fator político muito importante, tão importante quanto o fator econômico. Se o povo gosta, é que tem alguma coisa ali. E o Lula hoje é um homem muito mais progressista. Não é mais aquele cara que simbolizava a linha católica e "cuecona" da esquerda, rancorosa e ressentida. Eu tenho horror a isso. E foi onde a Heloísa Helena caiu.


PLAYBOY – Você não gosta da Heloísa Helena?


ZÉ CELSO – Eu adoro ela! Eu a vi em ação no Senado. Ela é uma sertaneja, uma jagunça, que debocha daqueles homens todos. Ela não entra no teatrão da política, mas tem uma reação muito agressiva, muito rancorosa em relação ao governo Lula.


PLAYBOY – E o "mensalão"?


ZÉ CELSO – O governo Lula desmistificou a democracia da propina. Na política atual, tudo é baseado em propina e merchandising. O rei está absolutamente nu. Foi um serviço que o PT fez ao país. Caiu de boca na corrupção, mas ao mesmo tempo escancarou tudo. O PSDB é um partido tão corrupto quanto o PT, mas é hoje um partido de direita. O PSDB do Franco Montoro era uma coisa: o PSDB do Alckmin é outra. Essa nova geração tucana, que vem do interior de São Paulo, é horrorosa.


PLAYBOY – O Geraldo Alckmin?


ZÉ CELSO – Sim. Ele representa o pior setor do PSDB, que tomou o poder no partido. Eles são tecnocratas, acreditam apenas na economia de Chicago, na escola monetarista.


PLAYBOY – E o Fernando Henrique?


ZÉ CELSO – É um homem sem talento. Nunca consegui ler os livros dele. Não chegam aos pés dos grandes livros de sociologia do país. Do PSDB, só gosto do Aécio [Neves, governador de Minas Gerais].


"O Fernando Henrique é um homem sem talento. Prefiro o Aécio, um tucano diferente, gosta de mulher."

PLAYBOY – Por que a simpatia pelo Aécio?


ZÉ CELSO – Ele é um tucano diferente. Gosta de mulher, tem molejo. É neto do Tancredo, que era um homem interessante, um homem mais antropófago.


PLAYBOY – O Lula é antropófago?


ZÉ CELSO – Sim, totalmente. Está perto de descobrir isso. Eu vejo parte da opinião pública dizendo que o país não pode ser governado por uma pessoa que não fez universidade, não tem cultura. Eu acho o Lula um homem extremamente culto. Há coisas que não se aprendem na escola.


PLAYBOY – Um filho de professor falando essas coisas...


ZÉ CELSO – Eu acho a escola muito importante, mas as coisas mais interessantes que eu aprendi na minha vida eu não aprendi na escola, infelizmente. Tive professores que eram verdadeiras múmias, como o Gama e Silva [ministro da Justiça do governo Costa e Silva e redator do AI-5]. Outro dia eu li um autor de novela falando que o Lula fazia apologia da ignorância. Que autoridade tem esses autores de novela que se submetem inteiramente à moral do século 19 para falar mal do Lula?


PLAYBOY – Você não gosta de novela?


ZÉ CELSO – A Globo mantém na novela, seu programa de maior audiência, o bode expiatório. As novelas ainda estão no folhetim do século 19. O forte da Globo, realmente, é impor com competência o padrão classe média. E infelizmente esse padrão se estendeu também para o cinema e para o próprio teatro. Não existem personagens complexos em novelas.


PLAYBOY – Não se salvam nem os grandes autores, como Dias Gomes e Janete Clair?


ZÉ CELSO – Não. A dramaturgia do Dias Comes era de contar historinhas. Ele não é um Nelson Rodrigues, nem um Plínio Marcos. Não tinha um verbo brilhante. Usava o padrão de intriga do cinema americano.


PLAYBOY – Nada na televisão te agrada?


ZÉ CELSO – Tem muita gente talentosa fazendo televisão. O Luiz Fernando Carvalho é um grande diretor, fez um filme belíssimo, o Lavoura Arcaica, mas na Globo está a serviço daquele padrão que engessa qualquer tentativa de se fazer algo interessante, estimulante, dionisíaco. A televisão brasileira é uma grande porcaria. Não existe democracia nos meios de comunicação. É uma farsa. Eu, por exemplo, fui censurado no programa do Jô Soares.


PLAYBOY – No programa do Jô?


ZÉ CELSO – Sim, Eu entrei na lista negra dele. Fui um grande amigo do Jô, adorava ele. Mas estou vetado no seu programa, que na verdade é uma grande sala de visitas. E eu não sei me comportar em salas de visitas.


PLAYBOY – Mas como foi a briga?


ZÉ CELSO – Quando o Silvio Santos foi candidato à Presidência da República [em 1989], ele abriu a emissora para todo mundo, pois interessava a ele naquele momento. Eu aproveitei e fui ao Jô Soares Onze Meia. E, claro, toquei na minha pendenga com o Silvio, a luta pela preservação do Teatro Oficina. E toda vez que eu tentava tocar no assunto, o Jô dava um jeito de falar de outra coisa. Eu insisti e ele ficou p(*).


"Estou vetado no Jô Soares. No programa dele no SBT, toquei na minha pendenga com o Silvio. Ele ficou p(*)."

PLAYBOY – Vocês nunca mais se falaram?


ZÉ CELSO – Eu adoro o Jô, somos capazes de ficar uma madrugada inteira conversando. Mas naquela época ele fazia o papel de mordomo do Silvio Santos, um carioca aristocrata, um homem muito fino. Era um mordomo de luxo. Hoje é mordomo da família Roberto Marinho. Se ele me convidar para ir ao programa de novo, eu vou. Mas não vou me comportar como estivesse numa sala de visita. Vou falar o que eu quiser.


PLAYBOY – E o teatro brasileiro?


ZÉ CELSO – Eu faço teatro há muitos anos. Em 2008, o Oficina vai fazer 50 anos. Eu sei que o processo teatral só é forte quando a sociedade apresenta condições para que ele se ative. No fim dos anos 60 o teatro era muito forte no mundo inteiro, pois houve uma ebulição cultural. O povo brasileiro cresceu muito, inclusive dialeticamente.


PLAYBOY – Qual é o grupo teatral que te encanta atualmente?


ZÉ CELSO – Há forças teatrais poderosíssimas em São Paulo, como o Teatro da Vertigem. A peça BR3 é espetacular, uma obra de arte fantástica. Há ainda os Parlapatões, Os Satyros e outros.


PLAYBOY – Você gosta de Gerald Thomas?


ZÉ CELSO – Eu adoro Gerald Thomas, apesar de ter sido o cara que restaurou o prestígio do palco italiano, que a minha geração renegou.


PLAYBOY – Qual a sua avaliação da gestão de Gilberto Gil no Ministério da Cultura?


ZÉ CELSO – Eu tenho muito orgulho de pertencer à geração de Gil, Caetano [Veloso], Tom Zé, Gal Costa, Jards Macalé. É um pessoal maravilhoso. E o Gil estabeleceu critérios que dão um apoio maciço à cultura popular brasileira.


PLAYBOY – Mas a verba do governo Lula destinada à cultura é simbólica...


ZÉ CELSO – Sim, é simbólica, não existe. Mas no passado não muito distante o que predominava era a política de balcão. Os artistas captavam fortunas para fazer uma peça mixuruca, que ficava poucas semanas em cartaz. O Gil acabou com isso. Por isso há chiadeira de uma parte da classe artística. O atual Ministério da Cultura faz seus investimentos onde o Brasil é poderoso culturalmente.


PLAYBOY – Você está à frente de um movimento social poderoso, o "Bixigão", que recupera crianças delinqüentes do bairro do Bixiga, em São Paulo...


ZÉ CELSO – A arte é mais excitante do que o crime. Tenho provas disso com o projeto Bixigão. O cara que vai matar é o cara que não teve acesso à criação, apenas à eliminação. É uma visão eliminatória, em que ele aprendeu do próprio sistema capitalista, que é um sistema de guilhotina, de castração.


PLAYBOY – Você defende, aliás, que seu método seja aplicado nos presídios brasileiros...


ZÉ CELSO – Se o governo Alckmin tivesse aplicado na Febem os métodos que nós aplicamos no Bixigão, que é um método absolutamente libertário, de muito amor pelas crianças, tenho certeza de que a violência diminuiria em São Paulo. Eu tenho lá no Bixigão um ex-preso do Carandiru e muita gente com bala no corpo. O cara que criou o Bixigão, o Pedrão, tinha uma folha criminal terrível. Era o dono do pedaço no bairro. Conseguimos trazê-lo pra cá, pra fazer capoeira, e hoje ele é um nome muito importante no projeto. E os roubos a carros no bairro caíram pela metade. Os pivetes vieram aprender capoeira aqui no Bixigão.


PLAYBOY – Você nasceu numa família tradicional de Araraquara, interior de São Paulo. Seu avô construiu o teatro da cidade...


ZÉ CELSO – Sim. Meu avô paterno era um homem incrível. Era um espanhol reacionário, franquista, mas um sujeito muito inteligente, vivo. Era um excelente carpinteiro, tanto que fez a carpintaria do teatro municipal da cidade, um teatro muito bonito, todo aberto para a praça, que anos depois foi destruído por um grupo empresarial dono das meias Lupo. Eles colocaram o teatro abaixo.


PLAYBOY – O que eles construíram no lugar?


ZÉ CELSO – A prefeitura, um arranha-céu. E eu quis aproveitar aquele vento forte para sair de lá. A cidade tomada pela oligarquia. Era uma sociedade onde eu não conseguiria viver.


PLAYBOY – E como era o seu relacionamento com seu pai?


ZÉ CELSO – Meu pai foi o único da família que se alfabetizou. Era dono de uma biblioteca, comprava os melhores livros da distribuidora do Monteiro Lobato. Ele tinha terras, mas era de uma família decadente, sem nobreza. A nobreza deles era da roça, dos índios. Não eram quatrocentões. Minha avó, por exemplo, era uma mulher selvagem, filha de índios, que dormia com mais de um homem na mesma cama.


"Minha avó era uma mulher selvagem, filha de índios, que dormia com mais de um homem na mesma cama"

PLAYBOY – Sua avó dormia com mais de um homem na mesma cama?


ZÉ CELSO – É, eu não sei bem a história. Sei que era algo muito parecido com o roteiro daquele filme, Eu, Tu Eles [dirigido por Andrucha Waddington, em que a personagem principal, interpretada por Regina Casé, vive na mesma casa com três homens].


PLAYBOY – Você não conseguiu mais viver na cidade?


ZÉ CELSO – Os Carvalho dominavam a cidade. E essa família resolveu fazer uma transfiguração, com tudo ajardinado. Fizeram uma cidade belíssima, com arquitetos italianos, mas sem vida. Era uma cidade projetada, tendo como modelo Nova York. Nessa época, eu morava na Rua 8, perto da zona do meretrício.


PLAYBOY – Sua primeira vez foi na zona?


ZÉ CELSO – Foi. A zona tinha uma boate chamada Majestic. Era um lugar fantástico. Você ouvia aquelas orquestras no estilo da Tabajara, do Severino Araújo, tocando Ataulfo Alves e de repente aparecia uma mulher nua. As putas gostavam muito de crianças. Uma vez eu me perdi e fui parar na casa da Bentinha, que era uma puta absolutamente conservadora que não se vestia como puta, mas como uma dama de sociedade. Ela ia diariamente ao cinema, à igreja, freqüentava todas as procissões.


PLAYBOY – Você ficou quanto tempo na casa da Bentinha?


ZÉ CELSO – Fiquei uma tarde inteira. Ela me tratou muito bem, depois foi pessoalmente me levar para casa. A família, claro, entrou em pânico. Mas eu queria voltar para a zona. Fiquei maravilhado com tudo aquilo. Tinha uma puta que fumava pela b(').


PLAYBOY – Fumava pela b(*)?


ZÉ CELSO – Sim, a Dora. A gente pagava 2 mil réis só para vê-la fumar. Era uma época que puta era puta mesmo. Eram maquiadas, produzidas, com a roupa cheia de brilho. Hoje as putas parecem universitárias, meninas de família. Esse esplendor todo hoje você só encontra nos travestis.


PLAYBOY – Qual foi a primeira experiência homossexual?


ZÉ CELSO – Eu demorei um certo tempo para sacar que era homossexual. Eu tinha 12 anos quando fui chamado de veado pelo colégio inteiro no meu primeiro dia de aula ao cair no número 24 da chamada. O colégio inteiro: "24, veado!", "24, veador, "24, veado". Fiquei furioso, com um ódio. Eu nem sabia que tinha c(*), cara.


PLAYBOY – Não sabia?


ZÉ CELSO – Não. Só fui descobrir quando a Beatriz, que era uma descendente de escravas, uma negra, que cuidava de nós todos, limpou minha bunda. Quando ela enfiou a mão eu descobri que tinha um buraco ali. Eu achava que c(*)va pela bunda. Era muito inocente nessa época.


PLAYBOY – Quando deixou de ser inocente?


ZÉ CELSO – Depois dos 13 anos. Até então eu era muito bobo. Era o primeiro aluno da classe. Quando descobri o sexo, passei a ser o último [risos].


PLAYBOY – Transava com meninos da cidade?


ZÉ CELSO – Eu me apaixonei por vários amigos meus. A gente transava, mas não comentava nada, deixava acontecer. Ninguém comentava nada com ninguém. Durante muito tempo aquilo ficou encubado em mim. Em Araraquara, uma cidade muito reacionária, eu representei por muito tempo o papel de heterossexual. Namorava as meninas, freqüentava os bailes.


PLAYBOY – E quando saiu do armário?


ZÉ CELSO – Só saí do armário depois de O Rei da Vela, em 1967. Até então, eu vivi 10 anos com o [diretor e ator] Renato Borghi totalmente clandestino, no armário. Eu não era reprimido quando estava transando com uma pessoa, mas na sociedade eu não dizia nada.


PLAYBOY – Por quê?


ZÉ CELSO – Era algo complicado para mim. Acho que era por causa do meu tesão pelas minhas irmãs e pelos meus irmãos. Eu reprimia tudo aquilo. Minha família era uma família de Nelson Rodrigues. Todo mundo queria comer todo mundo [risos].


PLAYBOY – Nunca mais transou com mulheres?


ZÉ CELSO – Transei, claro. Na época do ácido, do desbunde, transei muito com mulheres.


PLAYBOY – E continua transando?


ZÉ CELSO – Eu sou muito masculino num certo sentido, sou muito autoritário. Eu sou ariano, minha lua é em Escorpião, que é um signo que eu adoro, sexo da cabeça aos pés. Eu adoro mulher. Amo abraçar uma mulher, me enroscar, sentir o cheiro. As mulheres me acolhem mais, são mais abertas, os homens ficam mais distantes. Mas eu tenho um enorme prazer em pegar um homem que se diz muito macho e seduzi-lo.


PLAYBOY – Já conseguiu tirar vários homens do armário?


ZÉ CELSO – Sim. Isso vive acontecendo no teatro. Eu gosto muito de transar com as pessoas com quem trabalho, durante o processo de criação. Para mim, a libido está muito ligada à criação. Em todas as peças que eu faço, eu me apaixono pelos atores.


"Gosto muito de transar com quem trabalho. Os critérios para a escolha de atores no Oficina são libidinosos."

PLAYBOY – Na peça Os Sertões, centenas de atores, homens e mulheres, ficam nus. Deve sempre rolar um clima, não?


ZÉ CELSO – Sim, claro! E os critérios para a escolha dos atores são libidinosos. O Oficina tem atores lindos, tesudos.


PLAYBOY – E você se relaciona com alguns desses atores?


ZÉ CELSO – Eu tento me relacionar com todos. Alguns resistem. O grande problema do sexo é a culpa, que eu nunca tive, graças a Deus, apesar de nascer e ser formado dentro da religião católica. Minha mãe era profundamente religiosa e nunca me compreendeu. Ela nunca me aceitou, nem ao meu irmão [o diretor e ator Luiz Antônio Martinez Corrêa] também ator e homossexual, assassinado no Natal de 1987, no Rio.


PLAYBOY – Foi um crime bárbaro...


ZÉ CELSO – Sim, horrível. Ele foi violentamente amarrado e recebeu 100 facadas. Um crime passional. Meu irmão gostava de transar com pessoas de fora da classe dele. Era um grande homem de teatro, um grande talento. E era a alegria da família, um sujeito muito querido, muito divertido.


PLAYBOY – Qual foi a reação da sua família?


ZÉ CELSO – Foi algo brutal pra ela. A minha mãe não queria que o corpo fosse velado. Queriam enterrar logo. Eu viajei para o Rio e cuidei de tudo. E o corpo dele foi velado no Teatro Laura Alvim, em Ipanema, aberto ao público. Foi um momento difícil para mim, quase abandonei o teatro. Mas me recuperei.


PLAYBOY – E você nunca mais voltou a Araraquara?


ZÉ CELSO – Voltei. Eu fui pra lá encenar Mistérios Gozosos, de Oswald de Andrade. Pedimos, por meio da minha mãe, para o padre da cidade emprestar o turíbulo da igreja. Pedimos para a polícia participar, para prender o personagem. E os católicos foram em peso à peça, já que era uma peça religiosa, escrita por Oswald no Rio. É a história de um santeiro que se apaixona por uma prostituta, mas eles achavam que era uma peça católica.


PLAYBOY – E qual foi a reação da platéia?


ZÉ CELSO – Foi violentíssima. Ficou aquele clima. O padre da cidade me processou. E a notícia repercutiu na cidade. Eu dei entrevistas para os jornais de lá e disse tudo que eu queria dizer. Tivemos que comparecer no tribunal em Araraquara, atores e direção. Fomos condenados a trabalhos forçados. Eu fui condenado em primeira instância a oito meses de trabalhos forçados. Só anos depois, na gestão do PT, eu recebi o título de cidadão de Araraquara. Recebi a homenagem na quadra do colégio, naquele mesmo lugar onde fui chamado de veado pela turma toda quando tinha 12 anos.


PLAYBOY – Você participou na juventude, do movimento integralista do Plínio Salgado, uma das lideranças mais conservadoras e reacionárias do país. Quem diria...


ZÉ CELSO – Os integralistas chegaram a Araraquara falando do Brasil. A vida cultural ali era muito acanhada, aquela coisa de clube e cinema. Estava cansado. Queria saber mais sobre o Brasil. E o Plínio Salgado, líder dos integralistas, era um orador extraordinário.


PLAYBOY – Você ficou fascinado por ele?


ZÉ CELSO – Fiquei encantado com aquilo, que não era nem o discurso da direita, dos americanos, nem de esquerda, dos comunistas, que eram chatíssimos. Aí fui fazer parte de um grupo ligado aos integralistas. Cheguei a reprimir uma manifestação comunista.


PLAYBOY – Desceu o pau nos comunistas?


ZÉ CELSO – Houve um comício na praça Duque de Caxias e a gente começou a instigar o público contra os comunistas. Na época havia um sentimento anticomunista muito forte e o pau quebrou. Virou uma praça de guerra. E eu quebrando bandeiras do Brasil na cabeça dos comunistas [risos].


PLAYBOY – Você declarou que liberar as drogas seria como abolir a escravidão.


ZÉ CELSO – É, a verdadeira abolição. Eu não posso mais cheirar pó porque sou cardíaco. Mas sei que os danos que a cocaína pode causar são ínfimos diante do genocídio que ocorre com todas as crianças pobres deste país. É preciso, urgentemente, liberar o uso de drogas. Sei que o ministro [da Justiça], Marcio Thomas Bastos, é a favor da liberação, o Gilberto Gil [ministrada Cultura] também. Mas o Lula não quis mexer nesse tabu no primeiro mandato porque perderia ainda mais votos da classe média.


PLAYBOY – Você chegou a montar uma peça inteira sob o efeito de alucinógenos...


ZÉ CELSO – Sim, As Três Irmãs, de Tchecov, em 1972, foi montada a partir de minha experiência com cogumelos e mescalina. Eu tomei ácido por muito tempo. Na época da ditadura eu traficava LSD para sobreviver, pois estava proibido de encenar. Minha primeira viagem foi maravilhosa. Tomei numa praia, no Rio. Foi tão fascinante, que convenci todos os meus amigos a tomarem. A gente tomava e ia transar.


PLAYBOY – Orgia com ácido?


ZÉ CELSO – Sim, é maravilhoso. Minha primeira orgia foi num apartamento no Rio. Era um grupo enorme. Era tão bom, que não saberia explicar. Você vai descobrindo tanta coisa, sobretudo a igualdade. Acho que a orgia está ligada ao sonho de igualdade.


PLAYBOY – Você continua tomando alucinógenos durante seu processo criativo?


ZÉ CELSO – Hoje eu não posso mais tomar ácido por causa dos meus problemas no coração, mas continuo achando a experiência com alucinógenos fundamental para o processo de criação. O alucinógeno te dá um poder de percepção inimaginável. Estudiosos da evolução dizem que o macaco só passou a se transformar, a ganhar consistência, quando passou a comer cogumelos.


PLAYBOY – Se pudesse, tomaria?


ZÉ CELSO – Sem dúvida. Peço para os atores tomarem. A origem do teatro, o grego, é muito ligada à alucinação.


PLAYBOY – Você ainda fuma maconha?


ZÉ CELSO – Sim, muito. A maconha é um vasodilatador extraordinário, um remédio maravilhoso, que eu uso há 50 anos. No Santo Daime a maconha é chamada de Nossa Senhora. É um santo remédio.


PLAYBOY – Como será a morte do antropófago Zé Celso?


ZÉ CELSO – Queria virar uma farofa exposta em qualquer lugar da rua, para quem quisesse me comer: as aves, os bichos, os seres humanos. Adoraria ser comido. Mas apenas se merecesse, se o meu cadáver não tivesse podre, com alguma doença infecciosa. Nessas horas eu sou politicamente correto [risos].


POR TOM CARDOSO

FOTOS CACALO KFOURI


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