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DAVID CARDOSO

Perfil


O garanhão e suas beldades (a partir da esq.), Matilde Mastrangi, Simone Magalhães, Vanessa Alves e Kátia Spencer em "Noite das Taras 2"

O homem que amava as mulheres

Ele era capaz de transar com três mulheres diferentes (em três estados diferentes) num único dia. Ele teve em suas mão viris as gatas mais cobiçadas da sua época: Vera Fischer, Sônia Braga, Nicole Puzzi, Matilde Mastrangi e Helena Ramos. Ele é David Cardoso, o maior astro das pornochanchadas dos anos 70, que acaba de publicar sua autobiografia. E ele também sabe que esses bons tempos não voltam mais...


Por IVAN FINOTTI


São 4h de uma madrugada quente de 1982 quando David Cardoso acorda em sua fazenda no Pantanal sul-mato-grossense. Chama a namorada, de cabelos claros e olhos verdes, e pede ao caseiro para preparar a pista de decolagem, o que significa tirar as vacas e espantar uma eventual onça-pintada ou jacaré. O maior astro das pornochanchadas brasileiras, ator, diretor e produtor de filmes como A Ilha do Desejo (1975), Amadas e Violentadas (1976), Possuídas pelo Pecado (1976), Aqui, Tarados (1980) e Pornô (1981), já se prepara para decolar o Cesna quando sua gata diz:


— Nós nunca transamos no avião, né, David?


— Não seja por isso — responde ele.


David tira a garota da minúscula cabine, encosta-a na asa esquerda do monomotor e levanta sua saia. O caseiro, lá na ponta da pista, abana o chapéu, se perguntando por que o maldito avião não levanta vôo. É porque David está fazendo sexo oral na, namorada, oras. E logo depois da preliminar, o astro crava sua sumi na periquita da moça.


O REI DA BOCA


Sucuri é um dos apelidos que David Cardoso deu ao seu dito-cujo ao longo da vida, e que agora está à disposição dos interessados (pela vida. não pela sucuri) no livro David Cardoso — Autobiografia do Rei da Pornochanchada, recém-lançado pela editora Letra Livre, de Campo Grande (MS). Além de apelidos curiosos, a obra de mais de 400 páginas e 240 fotos traz todas as histórias de conquistas de David —mulheres e cinema — e suas perdas —mulheres e cinema também.


Por enquanto fiquemos nas conquistas, porque 1982 foi um ano dos melhores. Depois daquele balanço gostoso na asa esquerda do Cesna, o avião parte já com o sol despontando rumo a Campo Grande. onde o casal pega uma aeronave de carreira para São Paulo. Assim que chega à capital paulista, David se dirige à DaCar, sua produtora de cinema na Boca do Lixo, a região onde se cometiam oito entre dez pornochanchadas brasileiras nos anos 70 e nove entre dez filmes de sexo explícito na década de 80. Ali, na região da rua do Triunfo, hoje chamada de Cracolândia, dezenas de pequenas firmas de cinema disputavam espaço com prostitutas, drogados, deserdados e sonhadores de todo o tipo. Em 1982 faltavam ainda três anos para David, a exemplo de todos os outros produtores da área, descambar para o explícito. Mas isso não significa que o mulherio da Boca fosse fraco, não.


Olha só quantas garotas lindas em frente a DaCar nessa hora do almoço. É que o superastro das pornochanchadas David Cardoso se prepara para rodar nada menos que dois filmes: Mulher Tentação e A Noite das Taras 2. A continuação se faz necessária, já que o A Noite das Taras original deu tanto dinheiro que a revista Veja de 20 de agosto de 1980 noticiou: "Em cartaz há um mês em São Paulo e desde a semana passada no Rio, A Noite das Taras já arrecadou perto de vinte milhões de cruzeiros, o que o torna um sério candidato à maior bilheteria do cinema brasileiro de todos os tempos".


David chega à DaCar, as garotas caem matando. Todas querem ser a mulher-tentação de David Cardoso. Uma aspirante a atriz bem bunduda, seios grandes e cintura fina — o tipo de mulher que David assina embaixo —, se insinua e ele a convida para um banho no andar de cima. É onde ele mora, no segundo piso de sua produtora. Quinze minutos depois, está fazendo nhec-nhec no colchão de molas.


Resolve uma coisinha ou outra, acerta uns merchandisings, promete mostrar uma motocicleta da Honda no próximo filme em troca de alguma grana para a produção e da moto também, claro. Sai correndo para o aeroporto e pega um Electra no meio da tarde. Pousa no Rio de Janeiro e, após outro banho em seu apartamento no Leblon, aguarda o motorista da Rede Globo, que o levará para as gravações de O Homem Proibido, a nova novela das 6. Não bastasse o êxito nos cinemas, David havia furado o preconceito contra o círculo maldito da pornografia e agora invadia as casas dos trabalhadores brasileiros em grande estilo: pela Rede Globo, na pele do jovem médico Paulo Villani, namorado de Sônia (Elisabeth Savalla) e pivô de um triângulo amoroso com a prima dela, Joyce (Lídia Brondi).


O Cesna se prepara para decolar quando a gata diz: — Nós nunca transamos no avião, né, David? — Não seja por isso — responde ele

Nessa noite, por conta de ser uma tomada externa, há dezenas de figurantes. Homens e fêmeas. E é uma dessas que se aproxima do galã depois das gravações. Bem morena, queimada de sol, medidas fartas. Conversa vai, conversa vem e logo os dois já estão no apartamento dele fazendo coisas proibidas de fazer na novela das 6. É meia-noite. Um dia atribulado até mesmo para o superastro David Cardoso, mas que se mantém irretocável em sua memória ainda hoje, 24 anos depois. "Cara, comi três mulheres em três Estados diferentes no mesmo dia e sem combinar com nenhuma!", grita entusiasmado ao fim do relato. Eis aí o resumo da ópera.


NOS BRAÇOS DE VERA FISCHER


"Nunca vou esquecer esse dia. Nunca mais aconteceu nem com duas mulheres. Agora não tenho mais avião porque é caro demais. Eu era forte, tinha cabelo, usava óculos escuros, andava de terno bacana. Mandava no cinema paulista. Eu estava no auge...", medita David Cardoso, que fez 61 anos em abril. Não se pode dizer que esteja triste. David é um cara do tipo divertido e empolgado. Quando começa uma história, parece que a está revivendo. E foi isso que fez nos últimos dois anos e meio, em sua velha máquina Remington, perdido na imensidão pantaneira: reviveu sua vida. Ao escrever sua autobiografia, viu-se novamente ao lado de amigos que morreram, das bilheterias recordistas, dos amores que o abandonaram, dos quatro filhos que teve, dos filmes que não deram certo, das trepadas maravilhosas.


David e Tássia Camargo num momento "boca a boca" em "Corpo e Alma de Mulher"

Talvez por ter relembrado tanto o passado esteja um pouco melancólico, como se pode conferir nessa pequena passagem do livro recém-lançado, que David fez questão de ler em voz alta durante a entrevista para PLAYBOY: "Peguei meus velhos discos e durante mais de três horas fui ouvindo e me emocionando (...). Numa ida ao banheiro para lavar o rosto, fiquei por um tempo me olhando no espelho, aqueles segundos pelos quais todo mundo passa. Cabelos escassos, barba para lá da metade de branca, o rosto com sinais da idade, não consigo ler sem a ajuda de óculos. Para um ex-galã, isso não é fácil".


Não é fácil para ninguém, mas o que dizer para o homem que descobriu Nicole Puzzi e esteve nos braços de Helena Ramos? Que contracenou com Cláudia Alencar nua e namorou Zilda Mayo? Que lançou Matilde Mastrangi ao estrelato e simulou sexo cinematográfico com ela vestida de freira? Que teve, por baixo, 200 namoradas? Que foi apelidado pela imprensa de "o homem das mil mulheres"? Que beijou Tássia Camargo na frente das câmeras e Vera Fischer atrás delas?


"Fiquei louco pela Vera Fischer", admite David. Foi ele quem a lançou no cinema. Vera era uma moça de Blumenau que tinha causado furor no Miss Brasil 1969. Certo dia, fazendo cooper em Copacabana, David viu uma movimentação na areia. Foi dar uma olhada e era a miss fotografando de biquíni para a revista Sétimo Céu. A imagem daquela mulher deitada na areia era estonteante. Ele procurava uma garota para participar de Sinal Vermelho — As Fêmeas (1972), com direção de Fauzi Mansur. David, que seria o ator principal, perguntou se ela não gostaria de ser a mocinha do filme. Seguiu-se o seguinte diálogo:


— Tenho receio de não saber falar.


— Você fica pelada?


— Fico.


— Então, não precisa falar nada.


E a esse breve diálogo seguiu-se um namoro. "O que mais me lembro era quando à noite íamos toda a equipe do filme jantar no Frango Assado, perto de Campinas [SP]. Noites espetaculares", lembra David. "Queria fazer uma dupla de cinema com ela, que nem o Casal 20, mas nunca deu certo. O problema é que eu não tinha dinheiro na época. Quando saía com a Vera, tinha que pegar uma garrafa de uísque importado e encher de Old Eight. Era o que a grana dava." Talvez decepcionada com o pouco glamour do cinema da Boca, Vera largou David, o Old Eight e o frango assado assim que a fita terminou. Foi continuar sua carreira cinematográfica no Rio de janeiro.


18 MULHERES E UM HOMEM


O livro que David Cardoso lança agora está repleto de boas histórias sobre os bastidores do cinema brasileiro. Incluindo os atritos com a censura e a explosão do sexo explícito, gênero no qual o astro preferiu não atuar. Dirigiu escondido sob dois pseudônimos: Roberto Fedegoso em Viciado em C... e Viciado em C... 2 (ambos de 1985) e o inacreditável Armando Pinto, que assinou Troca-Troca do Prazer (1985) e Sexo Cruzado (1986, ano em que o então presidente José Sarney instaurou o cruzado como moeda nacional).


Com Matilde Mastrangi mostrando que, para rezar, nem sempre é preciso ajoelhar

A obra, que ganhou uma orelha escrita pelo crítico de cinema Rubens Ewald Filho e outra por Pelé (a introdução é de Anselmo Duarte), não é exatamente cronológica, mas sim dividida por assuntos. Apesar disso, começa justamente com sua infância, quando esganou uma pobre galinha ao perder a virgindade, aos 12 anos. Levou a ave desfalecida para a mãe, que a fritou. "Da panela para a mesa, eu a comi outra vez", conclui.


Ecologista ferrenho, morador do Pantanal, nascido em Maracaju, hoje Mato Grosso do Sul, David produziu uma série de filmes na região. O mais famoso é 19 Mulheres e um Homem (1977), classificado como loucura no meio cinematográfico. A história: 1) Dezenove universitárias alugam um ônibus para passear no Paraguai. 2) Um bando de criminosos escapa do Carandiru, cai com seu avião no Pantanal e intercepta o veículo na floresta. 3) Resta ao motorista David Cardoso salvar as moças dos bichos peçonhentos e bandidos lânguidos.


19 Mulheres e um Homem tinha só 18 mulheres. Sabia que o público iria contar. Então mandei a primeira subir no ônibus por trás com outra roupa e peruca

A loucura, porém, não está nesse roteiro, e sim na idéia de levar uma equipe de 40 pessoas, sem contar 19 perfumadas moçoilas da cidade grande, para filmar no meio do inato, onde luz, água, comida e qualquer tipo de conforto eram artigos raros. Para completar os problemas, David, que nunca havia sido diretor, resolvera estrear na atividade logo nessa produção tão complicada. Não se pode dizer que fosse um novato na profissão. Nos últimos 14 anos, havia participa do de 24 filmes em todas as funções possíveis e imagináveis. "Menos a de maquiador", corrige ele. Depois de 19 Mulheres e um Homem, faria outros 27 longas, a maioria como diretor, mas em 1977 sua ousadia foi motivo de desconfiança por seus pares do cinema.


Contra todas as previsões, David Cardoso se saiu hem. Muito bem: segundo jornais da época, colocou 4.500 pessoas num só dia no Cine Marabá, na Ipiranga com a avenida São João. Comprou fazenda, 400 cabeças de gado, um segundo apartamento no Centro e um velho casarão para a DaCar, que reformou inteiro. A única coisa que saiu errado foi que o filme jamais teve 19 mulheres, e sim 18! "No primeiro dia das filmagens e da viagem para o Pantanal, uma delas faltou. Eu conheço meu público. Sabia que, na primeira cena em que as garotas aparecessem, seriam contadas uma a. uma. Então, coloquei estrategicamente uma câmera de frente para a porta do ônibus e fiz elas descerem. Mandei a primeira subir por trás e descer de novo com outra roupa e peruca. Nas cenas seguintes, na confusão de tantas mulheres, ninguém mais ia reparar. Até hoje tenho medo que alguém apareça e peça um desconto no valor do ingresso", brinca.


Em sua vida de produtor de cinema, David perdeu muito dinheiro com os cambalachos típicos do Brasil, como alguns distribuidores e exibidores que informavam para menos o número de ingressos vendidos e embolsavam a diferença. Mas também ganhou. muito. E a maior parte disso foi investida em imóveis em Campo Grande. Hoje ele vive dessa renda. Tem uma academia de ginástica na cidade, além de casinhas e prédios alugados. O que não tem é gente que pague em dia. "Estou com dez casas na Justiça". esbraveja. "Tem gente que rouba portão eletrônico. Na academia, levam peso para casa. Na fazenda, somem vacas e até pneu de trator. Olha só: tenho saudades do passado, da época do regime militar. Não do governo, mas da época. Mutilavam nossos filmes, mas trabalhávamos. Fazíamos três fitas por ano, cinema artesanal, popular, que enchia cinemas. Hoje, tudo acabou. Não consigo mais nem transar direito! Além de ter ejaculação precoce quando pego uma moça bonita, só consigo dar uma e caio por cima do pescoço, que nem galo velho. Já te contei a história de quando comi três mulheres em três estados diferentes no mesmo dia?"



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2 Comments


Ademar Amâncio
Ademar Amâncio
Jul 06

Adorei o texto e as fotografias,não consigo ficar muitos dias sem ver ou ler sobre David Cardoso,icluindo teses,dissertações,monografias e artigos acadêmicos,o rei do cinema popular conquistou a alta cultura.

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Ademar Amâncio
Ademar Amâncio
Jul 06
Replying to

Pouco antes da matéria dizer que ele é um ''ecologista ferrenho'' (e é mesmo),tem a estranha história dele ter ''esganado'' uma galinha e ter comido a pobrezinhas ''duas vezes''.A gente só entende porque ele tinha apenas 12 anos - Por favor,não façam isso!

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