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MICHEL MELAMED | ABRIL, 2016


O MULTITALENTOSO APRESENTADOR, ATOR E ROTEIRISTA DO BIPOLAR SHOW, NO CANAL BRASIL, PREFERE DÚVIDA A CERTEZA, RAIO GOURMETIZADOR A SELFIE E SENTIDO A NONSENSE. OU NÃO...


POR NATALIA HORITA

FOTOS JULIA RODRIGUES


1. Antes de começar, tem um negócio que está me incomodando. Tô tomando suco de maracujá, tem alguma coisa no meu dente? Não, você tá ótima!


2. Obrigada. Você me avisa? Claro! Isso é prova de caráter.


3. Então vamos lá: você é roteirista, diretor, ator, apresentador. O que falta? Falta a vida inteira, tudo que farei. A segunda temporada do Bipolar Show [estreia em maio no Canal Brasil] está tão especial... É muito diferente, da fotografia ao cenário, figurino, quadros, convidados. Eu estava completamente em risco e em desespero. Cada vez que faço um trabalho, tento fazer o que não sei.


4. Qual foi a aposta que deu mais certo nessa nova temporada? Tudo deu certo. A cara desse projeto é justamente estar o tempo todo em movimento, em criação. Quadros que criei, durante o “fazimento” do programa – citando Darcy Ribeiro –, achei que não funcionaram com alguns convidados. Mas isso não fez com que eu desistisse de tentar com outros nem com que eu parasse de continuar mudando.


5. O Bipolar é teatro ou TV? Não vejo diferença, pra mim é tudo uma coisa só. É o que quem estiver vendo quiser. Para mim, é teleteatro. Está em uma fronteira entre realidade e ficção. Os documentários cada vez mais caminham nessa direção, em temática ou em técnica. No caso do Bipolar, o gênero é “variedades”, que na TV brasileira não costuma andar nessa direção, de encontro à ficção.


6. E como você vê a TV brasileira? Se você começa a zapear, 90% da produção trabalha com uma ideia de persuasão, de sublinhar, de ênfase. Então, se tem cena romântica, o enquadramento vai evidenciar, a trilha sonora, o gestual, o texto, o olhar. Por outro lado, existem linguagens audiovisuais que trabalham com sobreposição de camadas, com contradições, com duplos, com contrações. Até porque a vida é mais complexa, e portanto mais bonita que essa simplificação. E mais apavorante. Mas foda-se que é apavorante. Ela é bonita porque é apavorante. Uma nova frase para a música do Gonzaguinha: [cantando] é apavorante, é apavorante e é bonita! No gogó: viver...


7. E você acha difícil produzir conteúdo independente para TV? Entendi a pergunta, mas discordei de algumas coisas. Não produzo conteúdo, me parece industrializado. Sou artista, crio obras. Não quero ser pretensioso, mas o que é feito tem uma complexidade maior. É uma obra artística, dialoga com linguagens, com gêneros que têm conceitos. É um trabalho de vida. Não concordo com o conceito de “independente” também. Parece o alternativo, o periférico, o marginal. Para mim, aceitar isso é aceitar que existe um centro, um mainstream.


8. Deixa eu te perguntar uma coisa: é verdade que você profanou um cadáver? [Risos de surpresa.] Você viu isso no programa, né? Não tem verdade, sou contra. É uma história que foi contada num programa que se caracteriza justamente por contar causos que deixam um espaço para a dúvida. Não tem por que eu ficar te dizendo o que é verdade e o que é mentira. A graça é você ver o programa e imaginar. Eu posso contar, também. Enfim, se você quiser muito eu te conto.


9. Eu até queria, porque acho uma situação engraçada, mas tudo bem. Pode me contar um outro delito que você tenha cometido, que tal? Que pergunta é essa? [Risos.] Em Dinheiro Grátis [peça de autoria de Melamed], rolaram vários processos. Eu queimava dinheiro, aí teve processo porque é patrimônio público. Depois teve outro porque eu pedia dinheiro em nome da Sociedade Viva Cazuza, e não era verdade. Enfim, o espetáculo tinha muitas transgressões, que eram justamente o conteúdo dele.


10. Perdeu algum? Não, foram todos desfeitos, não tinham o menor sentido. Imagina: o espetáculo existia justamente em razão daquelas questões. E o meu entendimento era, e é, de que o espaço da obra de arte é onde as pessoas podem se confrontar com coisas que não têm espaço – por razões morais, éticas, legais – em nenhum outro lugar.


11. Você vê o tipo de humor que faz como nonsense? Não acredito no nonsense. A única coisa que é nonsense é o nonsense. Isso parece uma tentativa de desqualificar o olhar de alguém, já que as pessoas estão sempre reagindo às coisas, seja emocionalmente, seja racionalmente. Todo mundo tem um sentido para dar. Mas, como defendo que tudo permite várias interpretações, é justo também afirmar que o nonsense é uma delas.


12. Você já se declarou “cafeinômano”, mas teve que abrir mão de café enquanto gravava as cenas do Anjo Ariel, da novela Além do Tempo, da Globo. Foi difícil? Não, foi uma opção consciente, porque eu gosto muito de café. Mas para fazer essa criação, achei que deveria chegar a um estado físico e emocional mais sereno. E o café me puxava muito para a Terra, para cá, para a conversa, para o olho no olho. Então eu parei durante uns sete meses.


13. Complicado, né? Sim, mas nos dias em que eu não gravava eu tomava um "porre". [Risos.] Já tive overdose de café umas três vezes. Você fica meio too much, o coração dispara.


14. Falando em drogas: você é a favor da legalização? Sou. Primeiro porque a proibição gera o tráfico, que está principalmente nas favelas e periferias – e é um absurdo a violência que as pessoas que vivem lá sofrem. Isso é inaceitável. Então, pesando o risco de uma criança levar uma bala perdida ou o risco de uma pessoa se viciar, acho que é mais importante preservar a vida da criança e tratar a droga como saúde pública. Além do que, ela já é legalizada. Todo mundo tem acesso onde quiser, e está na mão dos Perrellas, dos senadores, dos deputados. Tem que haver taxação, e esse dinheiro deve ser revertido para o tratamento dos dependentes, para a saúde pública.


15. “Vocalizando o empoderamento do protagonismo diferenciado endereçando a governança das narrativas ressignificadas” é uma frase do seu Twitter. Estas palavras foram banalizadas? Eu sou simpático a todas as novidades, mas parece que agora as pessoas só usam essas sete ou oito palavras. Existe uma pluralidade de linguagens que podem ser acessadas para expressar um monte de coisas. É só porque vejo pessoas, muitas vezes discursando, usando esse repertório, e penso que se tirarmos essas palavras elas ficam mudas. Porque tem um mundo aí fora de camelos, semáforos, centopeias, vulvas, verbos, de tantas palavras, de tantos poemas.


16. O que mais não posso falar? Ao contrário. Eu disse que você pode falar tudo. É só porque isso foi uma extensão de uma pergunta que você fez, e aí a gente acabou falando sobre o assunto.


17. Vi que em algum tweet, alguma coisa sua, você escreveu “Cubaiami”. Gosta de neologismos? Eu gosto das palavras-valise, que juntam outras palavras, e dos neologismos, que são palavras inventadas. E também gosto muito dos oxímoros, das contradições. Oxímoro é figura de linguagem que reúne duas palavras com sentidos opostos. Tipo um frio quente. Sempre opostos.


18. Tipo Cuba e Miami? [Risos.] Foi uma brincadeira com isso. A polarização não interessa, ela é simplicista, não dá conta da realidade. Existe uma tendência de se trabalhar com uma linguagem maniqueísta. Eu sempre fugi disso. Meu trabalho não é linear, a minha ideia é criar situações que deem ao observador, ao espectador, a construção de sentido, juntando ideias que poderiam parecer, para alguns, nonsense. Mas que jamais serão nonsense, porque sempre será possível criar sentidos.


19. Vou tentar fazer um Questionário Bipolar rápido contigo, como você faz no programa. Espanador ou smartphone? Tatuagem ou ruga? Raio gourmetizador ou selfie? Smartphone, ruga, selfie. Me arrependi de algumas dessas respostas que dei.


20. Vamos fazer de novo. Qual você questionaria? O raio gourmetizador. Ele surgiu como uma crítica a um tipo de "turvar as águas para parecerem mais profundas", né? Essa expressão do Nietzsche é sobre o que os nomes desses pratos gourmet fazem. De bate-pronto, escolhi selfie, porque achei que era uma coisa criativa. Mas dois segundos depois me ocorreu que o raio gourmetizador era uma criação crítica. Aí já me pareceu mais criativo. Vou ser sempre pelo mais criativo. Apesar de que mais criativo depende de quem vê. Mas como era eu quem via, achei, nesse caso, o raio.



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