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OS HOMENS QUE MATARAM BIN LADEN

Reportagem


Membro da elite SEAL durante treinamento: preparado para agir na selva, no mar, na neve, no deserto e nas cidades

Forjados nos campos de batalha da Segunda Guerra Mundial, esquadrões de elite como os SEALs americanos e os SAS britânicos aos poucos se converteram na mais letal arma de ataque ao terrorismo internacional


Por RICARDO BONALUME NETO

Dois anos antes de tomarem as manchetes com a morte de Osama bin Laden em uma operação que surpreendeu o mundo, integrantes da força especial da Marinha americana já tinham ocupado os jornais com outro feito brilhante. Em abril de 2009, uma equipe SEAL acredita-se que do mesmo grupo, o ultrassecreto Team 6 salvou o capitão do cargueiro Maersk Alabama, que havia sido tomado por piratas na Somália. Em uma ação coordenada, os atiradores de elite dispararam simultaneamente arregaçando três sequestradores, resgatando o refém e salvando o dia. Apesar dos êxitos recentes, no entanto, forças especiais e tropas de elite nunca foram uma unanimidade entre generais e almirantes dos Estados Unidos.


A razão é simples: ao longo de sua formação nos quartéis, os oficiais passam anos estudando táticas convencionais de enfrentamento contra Exércitos e Marinhas tradicionalmente constituídos. Costumam pensar em batalhões, brigadas, divisões, enfim, corpos de Exército. Em sua lógica, preferem que seus melhores soldados estejam dispersos pelos batalhões, e não concentrados em pequenos grupos isolados. Eles sabem que no momento da batalha apenas um reduzido número de homens realmente combate de modo eficaz pesquisas sobre o comportamento dos soldados mostram que um bom número de combatentes nem sequer dispara sua arma enquanto uma minoria faz todo o serviço sujo.



Membro dos SEALs (à esquerda) observa o bote em que piratas somális mantêm o capitão do cargueiro Maersk Alabama refém


Na contramão desse pensamento, defensores dos grupos de elite argumentam que em determinadas missões como no caso dos piratas da Somália e na caça a Bin Laden no Paquistão a ação de pequenos comandos altamente treinados é mais eficiente. E foi o sucesso de algumas dessas operações que determinou a proliferação desse tipo de grupamento nas Forças Armadas de países como Estados Unidos, Grã-Bretanha, Alemanha, Israel, entre outros, incluindo o Brasil.


Em sua origem, as modernas forças especiais de hoje notadamente utilizadas em ações de contraterrorismo são uma invenção anglo-americana surgidas em um momento de fraqueza na Segunda Guerra. Os alemães tinham conquistado a maior parte da Europa e empurrado o pequeno Exército britânico de volta para sua ilha. Mas o Velho Império passou a ser comandado por um veterano guerreiro, um sujeito que esteve debaixo de fogo em várias partes do planeta: Winston Leonard Spencer Churchill (1874-1965).


O IMPÉRIO CONTRA-ATACA


Em 1940, era simplesmente impensável que o Exército desmoralizado e privado de equipamentos do Reino Unido pudesse voltar ao continente europeu. Mas Churchill queria revidar. E o império contra-atacou da única maneira que julgava possível: na forma de grupos de elite chamados "commandos", nome tirado das unidades de cavalaria sul-africana na Guerra dos Bôeres, no começo do século 20.


Churchill em 1940: criador dos "commandos"

A insígnia dos "commandos" trazia as "armas combinadas": uma submetralhadora, uma asa e uma âncora em vermelho sobre fundo negro. Essa mesma combinação de elementos das várias Forças Armadas existe nas insígnias de outras unidades especiais. Os SEALs, por exemplo, derivam seu nome de Sea, Air and Land (Mar, Ar e Terra), e sua insígnia inclui uma âncora, uma pistola antiga, uma águia e um tridente. A águia, símbolo por excelência dos Estados Unidos, é a única na iconografia das Forças Armadas dos país que está com a cabeça baixa, em sinal de respeito pelos combatentes mortos.


Não há nada que um soldado de força especial ou de elite mais ambicione do que, depois de um rigoroso e quase desumano treinamento, ser aprovado e poder usar os símbolos que o caracterizam como alguém diferente do "resto", dos chamados "pés-pretos" é tradição que unidades como paraquedistas e fuzileiros navais usem botas marrons, o que os diferencia dos demais. As forças especiais dos EUA, por exemplo, usam boinas verdes, enquanto o SAS britânico as usa na cor bege, e as forças especiais do Exército Brasileiro usam-nas negras. Em Forças Armadas que cada vez mais recrutam mulheres, as unidades especiais continuam sendo o último reduto exclusivo da masculinidade. Ali mulheres não são permitidas.



Um SEAL leva 30 meses até estar pronto para agir. O treinamento inclui uma árdua rotina de mergulho, natação, navegação, uso de armas, explosivos e paraquedismo. Atualmente há 2.290 deles em serviço


Os SEALs em sua origem eram unidades de mergulhadores de combate da Marinha americana na Segunda Guerra que tinham como função fazer o reconhecimento de praias antes dos desembarques anfíbios e, se preciso, remover obstáculos e explosivos. O SAS também foi criado nesse conflito, mas com uma missão diferente: sabotar a aviação ítalo-germânica no norte da África. O nome SAS (Special Air Service, ou Serviço Aéreo Especial) refletia tanto o desejo de despistar os alemães como suas operações iniciais via paraquedas. Mas, depois de desastradas operações aéreas em uma delas, até o criador da unidade, o major David Stirling, acabou ferido , o SAS passou a fazer raids com veículos 4x4 e caminhões. A princípio usavam os carros para se aproximar silenciosamente e colocar explosivos nos aviões. Mais tarde os jipes passaram a atacar diretamente. Durante a noite, os off-roads equipados com metralhadoras irrompiam nas bases aéreas do Eixo, destruíam dezenas de aviões e em seguida mergulhavam na escuridão do deserto.


Os Estados Unidos também empregaram outras tropas de elite na Segunda Guerra como os paraquedistas da 101ª e da 82ª divisões, ainda existentes e uma força equivalente aos comandos ingleses, os Rangers do Exército, que ficaram famosos pela destruição de uma bateria de canhões alemães. Para alcançar a base nazista, eles precisaram escalar um íngreme rochedo em Pointe du Hoc sob fogo intenso. A audaciosa ação foi determinante para o êxito do desembarque do Dia D na Normandia.


VIETNÃ, UGANDA, SOMÁLIA


Equipes de SEALs durante desembarque em operação na Segunda Guerra Mundial

Curiosamente, quem mais fez para expandir as forças especiais americanas não foi um militar, mas um civil: o presidente John Kennedy. Ele era um entusiasta das forças especiais do Exército conhecidas como Boinas Verdes. Para se ter uma ideia, em 1960 havia 2 mil Boinas Verdes. No ano seguinte, já sob o governo de Kennedy (1961-1963), o número de soldados de elite que era formado na escola militar saltou de 400 para 3 mil. Em 1968, final do governo de Lyndon Johnson, havia 3.500 Boinas Verdes no Vietnã. No mesmo ano, o ator John Wayne rodou um filme (Os Boinas Verdes) altamente elogioso à atuação desses esquadrões na Indochina. O sucesso na caserna foi tamanho que a escola para formação de militares de elite em Fort Bragg até hoje é conhecida como "John Wayne School".


O Vietnã, entretanto, foi um episódio frustrante para as forças especiais americanas. Mesmo um ousado plano de ação executado à perfeição pelos Boinas Verdes deixou um gosto de fracasso. O ataque a Son Tay, a 37 quilômetros de Hanói, visava a libertar 65 americanos de um campo de prisioneiros de guerra. No dia 21 de novembro de 1970, 56 soldados liderados pelo coronel Arthur "Bull" Simons desembarcaram de três helicópteros em uma escola na qual os prisioneiros eram supostamente mantidos. O lugar, porém, estava cheio de inimigos. Uma vez ali, os Boinas Verdes não perderam a viagem. Mandaram bala e mataram cerca de 100 homens incluindo um suspeito grupo de assessores chineses e soviéticos que estava no local. Foi um ataque de 26 minutos que deixou, do lado americano, apenas dois soldados levemente feridos. Mas, para azar de Simons e seus comandados, não havia nenhum prisioneiro ali. Eles tinham sido retirados dias antes em uma manobra não detectada pelo serviço de "inteligência" americano. A falha não apenas contribuiu para o fracasso da missão como ainda fez com que os prisioneiros amargassem mais alguns anos de cativeiro.


Oficial Boina Verde na Guerra do Vietnã: ousadia não evitou a frustração

Inteligência deficiente e helicópteros sempre foram os calcanhares de aquiles dos americanos em ações envolvendo suas forças especiais. Entre Son Tay e a execução de Bin Laden (na qual uma aeronave Blackhawk de 60 milhões de dólares foi perdida) o país viveria o episódio mais traumático de todos: o fracassado resgate dos reféns na embaixada americana em Teerã em 1980. Na ocasião foram enviados ao Irã oito helicópteros RH-53D Sea Stallion da Marinha pilotados por fuzileiros navais carregando esquadrões de elite do Exército, incluindo a Força Delta e os Rangers. Seis aeronaves seriam o mínimo necessário para o cumprimento da missão de resgate dos 52 reféns, mas, no momento de entrar em ação, apenas cinco se mostraram em condições de agir. A situação forçou o cancelamento da operação, mas isso não evitou a colisão entre um helicóptero e um avião Hercules C-130. No choque, que destruiu as duas aeronaves, oito soldados morreram e quatro ficaram feridos. O lamentável final da missão contribuiu de forma decisiva para que o então presidente Jimmy Carter não fosse reeleito.


O ministro Shimon Peres (à esquerda) encontra soldados israelenses após ação em Entebbe

O fiasco americano ganhou ainda maior repercussão quando comparado a bem-sucedidas operações conduzidas por forças especiais de outros países em um período de tempo relativamente curto. Em 1976, por exemplo, o voo 139 da Air France, que ia de Tel-Aviv a Paris, foi sequestrado e levado ao aeroporto de Entebbe, em Uganda, por quatro terroristas, sendo dois da Frente Popular para a Libertação da Palestina e dois alemães do grupo comunista Baader-Meinhof. Tudo com a cumplicidade do então ditador ugandense Idi Amin Dada. Dos 256 reféns, foram libertados apenas os passageiros não judeus e não israelenses. Ficaram detidos 103 reféns de origem judaica e os 12 tripulantes da Air France. O governo de Israel logo percebeu que a única solução para a crise seria militar. A decisão foi o envio de 100 paraquedistas e comandos de reconhecimento em quatro aviões C-130. Ao entrarem em ação, os comandos de elite Sayeret Matkal e Sayeret Tzanhanim mataram 13 terroristas (outros tinham se juntado aos quatro sequestradores originais), além de 45 soldados ugandenses cúmplices. A ação durou 58 minutos. Dos 115 reféns, somente dois morreram no resgate uma passageira que tinha sido levada a um hospital foi posteriormente assassinada pelos ugandenses. Sete reféns foram feridos. A única perda israelense na ação foi a morte do comandante da operação, o tenente-coronel Yonatan Netanyahu (irmão do atual primeiro-ministro de Isael, Benjamin Netanyahu). Um sargento israelense morreria dias depois devido aos ferimentos sofridos. Os israelenses destruíram ainda vários caças MiG ugandenses para evitar ataques aéreos durante a retirada.


Na Alemanha, as forças especiais foram criadas depois da desastrada ação da polícia local na tentativa de libertar os atletas israelenses sequestrados por terroristas do Setembro Negro na Olimpíada de Munique, em 1972. Além de um policial, morreram na operação cinco dos oito sequestradores e todos os nove reféns. Isso levou os alemães a criar o GSG-9 (Grenzschutzgruppe, Grupo de Proteção da Fronteira-9). Ao contrário de outras forças especiais antiterroristas, o GSG era ligado à polícia alemã, e não às Forças Armadas. Em outubro de 1977, quando o voo 181 da Lufthansa foi sequestrado por quatro terroristas árabes exigindo a libertação de membros do grupo extremista de esquerda Facção do Exército Vermelho, uma equipe do CSC-9 invadiu o avião em Mogadíscio, na Somália, e, com a ajuda do SAS britânico, libertou todos os 86 reféns matando três terroristas e capturando um.


Integrantes do SAS invadem a embaixada iraniana em Londres em 1980

Em 1980, o mesmo ano da desastrosa ação americana no Irã, o SAS inglês eliminou os seis terroristas de um grupo separatista árabe que tinha invadido a embaixada iraniana em Londres e tomado 26 reféns, dos quais sete não iranianos. Toda a ação foi captada ao vivo pelas câmeras de TV e, contrariando o geralmente discreto procedimento usado pelas forças especiais em suas missões, tornou o SAS conhecido em todo o planeta. Durante cinco dias a polícia negociou com os terroristas enquanto o SAS preparava um possível ataque com cinco equipes de quatro homens cada uma. Depois que os terroristas mataram um dos reféns o assessor de imprensa da embaixada e jogaram seu corpo na frente do prédio, o SAS recebeu ordem para agir. Em 17 minutos, cinco dos seis terroristas foram mortos, dois reféns foram feridos e um morreu.


No fim das contas, o desastre em Teerã e o êxito de outros grupos de elite serviram para que os americanos reavaliassem suas forças especiais. A conclusão foi que a operação tinha sido improvisada e mal planejada. Serviu como lição. A partir daí o profissionalismo passou a ser a norma. Investiu-se em seleção, treinamento e tecnologia. Foi nesse momento que nasceu o altamente especializado Team 6, que matou Bin Laden. Desde então nenhum dos SEALs foi feito prisioneiro ou deixado para trás. Sua obsessão é que os faz temidos. Como costumam dizer: "O único dia fácil foi ontem".


Membros do SAS britânico durante simulação de operação no deserto: força especial é preparada para atuar em situações de risco extremo


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