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POR QUE SEXO É TÃO BOM?

Reportagem


"Deixa eu ver se aprendo alguma coisa"

Uma pequena crônica de 6 milhões de anos

Biólogos asseguram que, se transar não fosse tão divertido, ainda estaríamos grunhindo nas savanas, ou pior, teríamos desaparecido da face da Terra. Acredite: para a evolução da espécie, não foi só nossa postura que teve de ficar mais ereta


Por DAVID COHEN


CAPÍTULO I — QUE TRATA DAS DIMENSÕES DO INSTRUMENTO, E DE SEU USO


Um sujeito encontra um, amigo que acabara de voltar de um safári na África e estava deprimido. Depois de muita insistência, o amigo conta seu drama: num momento em que se afastou do grupo, apareceu um gorila que o agarrou e... créu. Tentando animá-lo, o sujeito lhe diz que o que passou, passou, e o importante agora era salvar sua reputação. "Não fale disso com ninguém, eu também não vou tocar no assunto e, quanto ao gorila, não tem problema, porque gorila não fila", diz. "Pois é", suspira o amigo, 'inconsolável. "Não fala, não escreve, não manda foto, não faz sinal de fumaça..."


Se você gostou da piada acima — ou se já riu dela alguma vez —, prepare-se para uma pequena decepção. A graça da história reside numa natural associação que fazemos entre o tamanho do gorilão e a potência de seu instrumento. Infelizmente para o gorila, nada podia estar mais longe da realidade. Embora o bicho pese uns 200 quilos e tenha aquele aspecto assustador, seu pênis mede 3 míseros centímetros, quando ereto. Pior: ele não fica ereto com muita freqüência. Apesar de manter um harém de seis fêmeas, em média, cada uma delas só fica disposta para o sexo três anos depois de ter cria. E por poucos dias no mês...


Em comparação com os demais primatas, nós homens podemos nos considerar uns felizardos, pelo menos em termos de tamanho. O bilau do orangotango é só um pouquinho maior que o do gorila, com 4 centímetros. O do chimpanzé mede 8 centímetros e o do bicho homem, cerca de 15 (sim, claro, o seu é beeeem maior, mas estamos falando da média da espécie). Como nos separamos de nossos primos gorilas e chimpanzés há uns 6 milhões de anos, alguns biólogos sugerem que as diferenças no campo sexual ajudam a explicar os caminhos da nossa evolução. E as diferenças não são poucas. Além do tamanho desproporcional do pênis e, nas mulheres, dos seios, somos uma das poucas espécies em que as fêmeas fazem sexo fora do seu período fértil. Há ainda o fato curioso de que nos acasalamos escondidos dos outros. (Já foi detectado que chimpanzés podem se afastar do grupo para dar uma bimbadinha, mas na volta do idílio é comum a fêmea ter relações com outros machos, em público.) Também é curioso o modo como fazemos sexo, olho no olho. Em resumo: pela régua dos demais mamíferos, somos uns pervertidos.


Pois essa perversão cumpriu um papel crucial na nossa história. O biólogo americano Jared Diamond, da Universidade da Califórnia em Los Angeles, argumenta que a principal função do sexo não é a reprodução. "Se esse fosse o grande objetivo, o sexo entre homens e mulheres teria de ser tachado como um monumental desperdício de energia e tempo, um fracasso evolutivo", afirma, no livro The Third Chimpanzee (O Terceiro Chimpanzé). Isso porque a maior parte dos intercursos sexuais humanos ocorre no período errado do ciclo menstrual. Além disso, o ciclo da mulher é um dos mais irregulares da Terra. Mesmo um casal em maratona sexual tem menos de 30% de chances de conceber um filho em um mês. É uma taxa pífia em relação a coelhos ou gatos, em que a própria cópula dá início ao processo de ovulação (ou seja, quase 100% de eficiência).


CAPÍTULO II — QUE EXPLICA COMO A IGNORÂNCIA PODE TRAZER FELICIDADE


Há uma razão para que os animais em geral tenham uma taxa de fecundação tão alta: o sexo custa caro. Primeiro, a produção de esperma demanda energia. Além disso, a atividade toma tempo, que poderia ser usado para procurar abrigo ou comida. Mais: os indivíduos envolvidos no ato sexual ficam mais vulneráveis a predadores, e a disputa pela fêmea pode aleijar ou matar um dos machos. Não é à toa, portanto, que a seleção natural favoreça os animais mais "eficientes", e a imensa maioria das espécies evoluiu para economizar os encontros românticos ao mínimo necessário. Então como explicar que os humanos façam tanto sexo por pura diversão?


Qualquer que seja o motivo, tem a ver com a ovulação camuflada. É um pouco estranho que na espécie humana, tão orgulhosa de sua autoconsciência, as mulheres não tenham a menor idéia de quando estejam férteis, enquanto fêmeas tão idiotas quanto as vacas, por exemplo, saibam. Pois é justamente essa ignorância que leva os humanos a estar prontos para o sexo a qualquer momento. Afinal, nunca se sabe quando o ato poderá resultar em filhos.


CAPÍTULO III — QUE DEFENDE A IDÉIA DE QUE PAI É QUEM CRIA


Há muitas teses para explicar a ovulação camuflada. Uma das mais aceitas é a teoria do papai-fique-em-casa. Sem garantias de quando conseguirá fecundar a fêmea, o macho teria de ficar com ela o tempo todo, em vez de transar e sair procurando outras (dado que o interesse instintivo do macho seria o de ter o máximo de filhos possível). O amor, segundo essa teoria, surgiu para incrementar o desenvolvimento dos bebês — entre os humanos, que têm muita coisa para aprender, não basta ser pai, tem de participar na educação. Um exemplo de como esse comportamento pode ter se desenvolvido é o sagüi do Nordeste. "O sagüi macho cuida dos filhotes tanto quanto a mãe", diz César Ades, professor de etologia no Instituto de Psicologia Experimental da Universidade de São Paulo. "Isso acontece porque ele é um dos poucos primatas em que é costumeiro nascerem gêmeos e, se o pai não ajuda, um deles morre." Não por coincidência, os sagüis também fazem sexo fora do cio.


Outra teoria forte é a do não-matem-meu-filho. O infanticídio é relativamente freqüente entre mamíferos. Quando um jovem gorila conquista o harém de um oponente, é comum ele matar os bebês do rival para que as fêmeas fiquem logo férteis. De acordo com a antropóloga Sarah Hrdy, da Universidade da Califórnia em Davis, a ovulação camuflada cria unia incerteza sobre quem é o pai, e isso reduz a taxa de assassinatos, porque o macho poderia estar matando seu próprio filho. Repare que não é necessário que ele tenha consciência da paternidade, a natureza se encarrega de desenvolver esse instinto.


CAPÍTULO IV — QUE MOSTRA QUE ATÉ OS MACACOS

PAGAM O JANTAR PARA A MOÇA


Uma terceira teoria é a do toma-lá-dá-cá. Fêmeas em várias espécies de primatas cedem aos avanços de machos que lhes oferecem carne ou presentes valiosos. Portanto, ao não anunciar o período do mês em que estão férteis, elas garantiriam mais presentes. O zoólogo britânico Matt Ridley observa que os chimpanzés costumam caçar com mais freqüência quando alguma fêmea do grupo está no cio. Quando a caçada é bem-sucedida, eles oferecem nacos de carne à moça. E esta costuma ser mais, digamos, aberta às investidas dos que lhe dão mais carne. E entre os homens? Nas sociedades que vivem de caça e coleta, com uma organização social mais próxima do esquema de vida de nossos ancestrais, é fato estabelecido que os melhores caçadores têm mais parceiras. Na África, os hadza são caçadores obsessivos e sedutores promíscuos, enquanto os !kung, maridos fiéis, caçam apenas raramente. Entre os ache, do Paraguai, as mulheres são livres para ter sexo fora do casamento, e os melhores caçadores são os que mais casos têm.


Há dois motivos para que as fêmeas gostem dos presentes. O primeiro é a simples troca de favores, do tipo "me dá esse pedaço de carne macia que eu te dou um pedaço de carne macia melhor". O segundo motivo é que as fêmeas estão sempre escolhendo o melhor macho segundo seus parâmetros. Um chimpanzé bom caçador, disposto a lhe dar um filé mignon, passa a mensagem de que é um sujeito forte, inteligente e generoso. Mais ou menos como é, hoje, presentear uma moça com um diamante: você prova que tem tantos recursos que pode se dar ao luxo de gastar uma pequena fortuna com um objeto que não serve para nada. E mais: que está disposto a gastar esses recursos com ela.


CAPÍTULO V — QUE DUVIDA DA FELICIDADE DOS CASAIS DE POMBINHOS


Uma vantagem adicional da ovulação camuflada e a possibilidade de traição. Com a incerteza sobre quem fecundou, aliada à facilidade provocada pelo sexo às escondidas, uma fêmea pode casar com um macho prestativo, que a ajude a cuidar dos rebentos, e ao mesmo tempo ter sexo com o garanhão que tenha os melhores genes. É o melhor dos mundos: filhos com herança genética forte (do amante) e lar estruturado (fornecido pelo corno desavisado). Isso é comum na natureza. Da próxima vez que você desejar que um casal viva feliz como dois pombinhos, tenha em mente que 30% dos filhotes de pombos, segundo estudos recentes, são fruto de escapadelas da mãe com algum casanova.


Além disso, o fato de a fêmea transar fora do cio multiplica as oportunidades de sexo, o que torna as brigas entre os machos menos sérias. Essa amenização das brigas teria sido crucial na formação de uma sociedade, porque facilita o convívio entre os homens.


Mais do que explicar a monogamia ou as puladas de cerca, a soma de todas essas teorias indica que o fato de fazermos sexo fora do período fértil — por pura diversão — tenha ajudado nossa espécie a forjar laços sociais mais coesos e a ter filhos mais inteligentes (que nascem menos "prontos", mais necessitados de aprendizagem).


CAPÍTULO VI — QUE REFLETE SOBRE O QUE NOS DEIXOU DE SACO CHEIO


Outros sinais do comportamento sexual da espécie estão no nosso próprio corpo. Por exemplo: os testículos do homem pesam em média 45 gramas. É um pouco mais que o do gorila, um bicho que tem o dobro do nosso tamanho. Mas o chimpanzé, que pesa 45 quilos, tem um testículo de 115 gramas. Por que tamanha diferença? Uma das razões é a freqüência das cópulas: quanto mais sexo, maior a necessidade de produção de esperma. O homem médio transa mais que um gorila, mas menos que um chimpanzé. Outro motivo é a promiscuidade. Na natureza, os machos sempre competem pelas fêmeas. Essa competição pode ser externa, como a dos alces, que trocam cabeçadas, ou dos leões, que trocam mordidas e patadas. Nesses casos, os maiores vencem. Mas, se as fêmeas dão, democraticamente, para todos os machos, a competição torna-se interna: vence aquele que tiver mais espermatozóides, mais rápidos e resistentes. O gorila tem testículos pequenos porque, na base da porrada, garante que nenhum outro macho vá ter acesso a suas fêmeas. O chimpanzé, que vive em grupos promíscuos, desenvolveu um testículo maior porque a briga pela paternidade se dá dentro do corpo da fêmea. Isso indica que a espécie humana não é tão bem comportada quanto os gorilas, mas também não vive na zorra dos chimpanzés.


OS BONOBOS USAM O SEXO PARA EVITAR CONFLITOS. EM VEZ DE BRIGAR POR COMIDA, FAZEM ORGIAS

Outro sinal é o dimorfismo — a diferença de tamanho entre machos e fêmeas. Um grande dimorfismo indica briga por fêmeas porque, quando os machos competem, os mais fortes vencem e acabam tendo filhos que herdam seu tamanho avantajado. Entre os mamíferos, pode-se estimar o tamanho dos haréns pela diferença de peso entre os sexos. Um macaco gibão, cujo peso é igual ao da fêmea, é monogâmico. Um gorila, que pesa o dobro da gorila, forma haréns de seis fêmeas. O elefante-marinho, com suas 3 toneladas, dez vezes maior que cada companheira, forma haréns de 48 fêmeas, em média. Novamente, entre os primatas, estamos no meio-termo. Um homem adulto é cerca de 8% mais alto e 20% mais pesado que a mulher. Isso sugere uma poligamia moderada. (A grande maioria das sociedades humanas, ao longo da história, aceitou que os indivíduos mais poderosos tivessem várias mulheres.)


CAPÍTULO VII — QUE ANUNCIA QUE A PROPAGANDA E A ALMA DO NEGÓCIO


Um traço físico que tem desafiado os biólogos é o tamanho do pênis. Uma possível explicação seria a vantagem do instrumento mais longo para o rol de posições criativas que usamos no sexo. O desenvolvimento do amor, com a característica cópula frente a frente, teria algo a ver com o aumento do pênis. Bobagem. Os orangotangos, que têm pau pequeno, praticam todas as posições comuns à espécie humana, e fazem isso enquanto balançam nos galhos de árvores. Uma teoria alternativa é que o pênis humano seja um órgão de mostruário. A questão é: propaganda para quem? Os antropólogos mais otimistas dizem que é para as mulheres. Infelizmente, o mais provável é que o pênis funcione como prova de status e ameaça para os outros homens. (Quanto ao tamanho dos seios, também exagerado em relação aos demais primatas, a explicação mais comum é que a postura ereta tenha lhes conferido mais importância, antes totalmente dirigida à vulva, e a seleção natural fez com que aumentassem de tamanho).


CAPÍTULO VIII — QUE APRESENTA O NIRVANA SEXUAL DOS BONOBOS


Nenhuma dessas teses científicas nega que a função primária do sexo tenha sido a reprodução. Mas a evolução é oportunista. Uma característica que se desenvolve por uma causa pode perfeitamente servir a outros propósitos, que com o passar do tempo tomem o lugar principal. Uma boa pista para entender essas novas funções do sexo está no estudo dos bonobos, também conhecidos como chimpanzés-pigmeus. Tão próximos de nós quanto a raposa é do cachorro, os bonobos vivem numa espécie de nirvana sexual, nas florestas do Zaire. Todos transam com todos, várias vezes ao dia. Uma em cada três cópulas é olho no olho, a tradicional posição papai-mamãe, mas eles também conhecem a masturbação, o sexo oral e o beijo de língua. As moças costumam esfregar os genitais umas nas outras e, assim como na espécie humana, estão prontas para a cópula durante todo o ciclo menstrual. Apesar de tanto sexo, a taxa de natalidade é modestíssima: um bebê a cada cinco ou seis anos.


Embora até os anos 30 os bonobos tenham sido confundidos com os chimpanzés, sua estrutura social é muito diferente. Para começar, são bichos mais sensíveis: durante os bombardeios à Alemanha na Segunda Guerra, os bonobos de um zoológico morreram de susto, enquanto os chimpanzés na jaula ao lado não sofreram nada. Mas a maior diferença é em relação ao sexo. Quando grupos diferentes de chimpanzés se encontram, é usual que ocorra uma luta. Quando grupos diferentes de bonobos se encontram, em geral ocorre uma orgia. Quando um chimpanzé briga com outro, o vencedor não sossega enquanto o vencido não lhe fizer uma espécie de reverência, reconhecendo a hierarquia. Quando um bonobo briga com outro, é comum que selem a paz com uma sessão de carícias mútuas no pênis. Segundo o zoólogo holandês Frans de Waal, os bonobos usam o sexo como um mecanismo para relaxar e evitar conflitos. Quando coletam muita comida, por exemplo, é comum que eles façam uma orgia de uns 10 minutos, antes de sentar para comer. "Sempre que algo chama a atenção de mais um indivíduo, os bonobos, em vez de brigar, fazem sexo", diz De Waal.


CAPÍTULO IX — QUE INVESTIGA OUTRAS DIMENSÕES DO SEXO


Nós, humanos, não evoluímos tanto quanto os bonobos. Mas o sexo tem lá seus usos para nós, também. Ao longo da evolução, ele nos ajudou a formar laços que permitiram o desenvolvimento da inteli-gência e a construção de nossas sociedades. Na vida moderna, ele é, com o perdão do trocadilho, um pau para toda obra. A começar pelas inocentes brincadeiras de infância, trata-se de um dos meios mais eficazes de aprendizado. "Desde crianças, aprendemos a arte de seduzir e negociar", diz a psiquiatra Carmita Abdo, coordenadora do Projeto Sexualidade da USP. "Essa sedução serve para o trabalho, para a criação de filhos, tudo." O sexo também é uma forma de aliviar tensões da vida moderna. Não chega a ser a cura de todas as doenças, mas serve _muito bem como indicador de saúde e como ótimo exercício. Mais que isso. Num mundo público, em que nos tornamos anônimos e solitários, ele recria o compartilhamento da intimidade. O sexo é nosso encontro com o lado primitivo. Ou, pelo contrário, uma descarga de hormônios tão grande que — como diz uma expressão francesa para o orgasmo — parece uma "pequena morte", um estado de união com o cosmo, uma viagem espiritual. Afinal, dê mais uma olhadinha nos ensaios desta edição de PLAYBOY. Pode existir algo mais metafísico?


Para ler mais:

As Origens da Virtude, Matt Ridley

O Animal Moral, Robert Wright

Good Natured: Origins of Right and Wrong in Humans, Frans de Waal

Como a Mente Funciona, Steven Pinker

Por que o Sexo é Divertido?, Jared Diamond

The Third Chimpanzee, Jared Diamond


FOTOS RICARDO CORREA DESIGN SANDRA CRIVELLARO ILUSTRAÇÃO NEGREIROS



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