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WALCYR CARRASCO | MAIO, 2013

Playboy Entrevista



O autor da próxima novela das 9, Amor à Vida, fala sobre médicas que querem virar celebridade, telespectadores com ímpetos assassinos, vidas passadas, bissexualidade, atrizes metidas a besta e conta como enganou Silvio Santos


Para almas mais sensíveis, uma tarde ao lado do escritor e jornalista Walcyr Carrasco, 61 anos, pode ser uma experiência devastadora. Não que o autor da próxima novela das 9 da TV Globo, Amor à Vida (com estreia marcada para o dia 20 deste mês), seja um homem deselegante ou intratável. Longe disso. Ocorre que ele detém habilidades incomuns para a maioria dos mortais. É capaz, por exemplo, de vislumbrar "um futuro possível", um porvir que pode ser evitado, caso o sujeito queira e faça sua parte. Aquele que se habilitar a estender as palmas das mãos diante do olhar atento do dramaturgo talvez escute previsões doloridas, como as de que terá algum vício, a saúde capenga e mais filhos do que a conta bancária permite. Se a pessoa quiser ir adiante, o escritor poderá jogar o baralho de tarô e completar as previsões. Não há floreios. Se os próximos dias se anunciarem terríveis, tudo será dito.


Walcyr tem talentos pouco usuais. Dê a ele um peixe inteiro, fresquinho. Ele pode, com delicadeza rara, abri-lo com a faca, retirar as espinhas e a pele e preparar uma refeição japonesa impecável. O que mais? Pode pintar quadros, comandar reformas e viajar de São Paulo a San Francisco, nos Estados Unidos, por terra e mar, com uma mochila nas costas como fez nos anos 1970.


Seu estilo de vida também é digno de nota. Sai da cama por volta da 1 da tarde. Não porque seja dorminhoco, mas por ter se deitado lá pelas 5 da madrugada. Antes de ir para a cama, é de lei: Walcyr fuma um charuto na varanda de seu belo apartamento, um dúplex com paredes adornadas por obras de arte contemporânea, em Higienópolis, bairro nobre na região central da capital paulista. É durante as madrugadas que ele dá vida aos personagens das novelas e dos livros que escreve, como o recém-lançado Juntos para Sempre (Editora Arqueiro), uma história de amor que envolve vidas passadas.


O interesse pelo sobrenatural acompanha Walcir Rodrigues Carrasco (o "y" é só no nome artístico) desde a infância. Ele nasceu em Bernardino de Campos, cidade com 11 mil habitantes no interior de São Paulo, mas logo se mudou para Marília, com população ao vezes maior. O pai, João Carrasco, era ferroviário e telegrafista; a mãe, Angela, uma pequena comerciante de roupas e dona de casa. Os pais e os dois irmãos de Walcyr nunca foram especialmente interessados em religião, mas ele tinha um tio, Nicolau, que pertencia à ordem mística Rosam, Amorc, na qual o próprio ingressaria quando adulto. Ali se dariam os primeiros contatos com os temas que estariam presentes em algumas de suas obras mais importantes, como a novela das 6 Alma Gêmea, da TV Globo, que em 2006 atingiu a audiência histórica de 54 pontos no Ibope.


Por sempre ter sonhado em ser escritor, Walcyr Carrasco fez faculdade de jornalismo na Universidade de São Paulo (USP). As primeiras experiências em redação de jornal e de revista mostraram que, se escritores dão asas à imaginação, jornalistas devem se ater aos fatos. Paralelamente ao trabalho no jornalismo, Walcyr produziu textos para teatro, lançou livros (até hoje, foram 63) e teve sua primeira oportunidade como autor de novela no SBT, em 1989, com Cortina de Vidro, uma experiência frustrante. "Era uma produção independente. Não deu certo", lamenta. De volta às redações, só toparia com uma nova chance como novelista em 1996. Chamado para escrever Xica da Silva, da TV Manchete, escondeu-se sob o pseudônimo de Adamo Angel, pois à época era funcionário contratado do SBT. O patrão Silvio Santos descobriu e, em vez de puni-lo, pediu a ele que escrevesse uma novela para a emissora que lhe dera emprego. Foi assim que, em 1998, ele assinou a trama de Fascinação.


Dois anos mais tarde, Walcyr Carrasco escreveu seu primeiro folhetim para a TV Globo, O Cravo e A Rosa, das 18 horas. Em 2012, fez a nova versão de Gabriela, para o horário das 23 horas. Amor à Vida, sua décima segunda novela, marcará sua estreia no horário das 9 da noite, tido como o mais importante da TV. Recomenda-se, porém, jamais parabenizar o autor pelo fato como se fosse um mérito e tanto. Desprevenidos, os repórteres de PLAYBOY Adriana Negreiros e Nathan Fernandes incorreram no erro.


PLAYBOY É a primeira vez que você assume como autor principal de uma novela do horário nobre do começo ao fim...


WALCYR CARRASCO  [Interrompe.] Discordo. Horário nobre é o das 6, o das 7, o das 9 e o das 11.


PLAYBOY  O.k., vamos trocar a palavra "nobre" por "das 9". Para os novelistas, esse horário é uma honra maior?


WALCYR  Para alguns, pode ser. Eles falam: "Ah, só fiz novela das 9!" Tratam como se fosse uma promoção. Uma grade é encadeada. Se a novela das 6 não vai bem, talvez a das 9 também não vá. Fiz novelas das 6 que bateram as das 9; Alma Gêmea, por exemplo. Fiz novelas das 7 que também deram mais audiência do que as das 9, caso de Caras & Bocas [2009]. E minha próxima novela vai ser das 6, só para acabar com esse estereótipo. Quero ser um cara de qualquer horário.


PLAYBOY  Há temas que podem ser tratados em uma novela das 9, mas não em uma das 7, por exemplo?


WALCYR  O problema é que o trabalho do jornalista é racional. O do escritor é intuitivo. O que a mídia faz? Quer saber qual é a fórmula, quer sistematizar. E, quando o trabalho é criativo, não existe essa questão: "Ah, isso dá certo nesse horário; em outros não dá".


PLAYBOY  O lugar-comum diz que as novelas das 7 são mais engraçadas e as das 9 permitem temas mais pesados. Não procede?


WALCYR  Existe uma tendência forte de as novelas das 7 serem bem-humoradas. Mas há exceções honrosas. Um dos maiores sucessos no horário foi A Viagem [1994], da Ivanir Ribeiro, uma novela totalmente dramática e espírita. Acredito que, no horário das 9, você pode discutir com profundidade assuntos que às 6 da tarde não pode. Mas essa questão, de saber exatamente o que deve ou não deve ter no horário, deixo a cargo dos especialistas em marketing. Meu trabalho é sentar e deixar a criatividade fluir. Não é fazer um trabalho baseado no que o público quer. Se eu fizer isso, não vai dar certo.


Meu trabalho é sentar e deixar a criatividade fluir. Não é fazer um trabalho baseado no que o público quer. Se eu fizer isso, não vai dar certo

PLAYBOY  Por que não?


WALCYR  Quando fiz a novela Alma Gêmea, uma pesquisa mostrou que o público odiava a Cristina, a vilã interpretada por Flávia Alessandra. Mas as pessoas odiavam de dizer assim: "Quero que essa mulher morra ou não vou mais ver a novela". Todo fim de semana, o diretor da novela, Jorge Fernando, pegava uma barca para ir a Paquetá [ilha do Rio de Janeiro]. Todo mundo na barca dizia: "Se não acontecer nada com a Cristina, vou parar de ver a novela". Ele me contava isso, e eu argumentava: "Jorge, a audiência está aumentando. Isso não é verdade". Um dia recebi um e-mail do meu irmão mais velho. Ele escreveu: "Walcyr, assim como as pessoas sobem, elas caem. Se você não castigar a Cristina, você vai cair". Eu falei: "A novela deu certo!"


PLAYBOY  Mas é preciso ter segurança para bancar, certo?


WALCYR  Sim. A gente tem de arriscar. Qualquer especialista diria: "É hora de parar com a Cristina, porque ela não é bem-aceita". Isso tudo aconteceu em dezembro, e a novela acabaria em março [de 2006]. Se eu castigasse a personagem, o que faria até março? Aí mandei a Cristina aprontar ainda mais maldades. Percebi que o segredo era justamente deixar o ódio crescer.


PLAYBOY  Se o autor escrever conforme as preferências do público, a novela vira uma maluquice?


WALCYR  Aí é que está. O público tem um desejo de justiça. Veja que, em programas como Big Brother, o público vota naquele que é hostilizado, no pobrezinho. O público busca na ficção uma justiça que ele não tem na realidade. Mas, se essa justiça acontecesse na velocidade desejada, novela teria apenas quatro capítulos. Porque, na hora em que o casal é feliz, perde-se o interesse, não tem mais pelo que torcer.


PLAYBOY  Avenida Brasil [2012] tinha uma trama muito rápida e foi um enorme sucesso. Há quem diga que ela tenha sido um divisor de águas na teledramaturgia. Você concorda?


WALCYR  Olha, adoro Avenida Brasil, mas acho que os jornalistas têm pouca memória. Muitas outras novelas, inclusive minhas, como Caras & Bocas, tinham essa característica que chamamos de serialização, de as coisas acontecerem muito depressa. A novela é ótima, maravilhosa, mas já foi feita uma coisa muito próxima antes. Falta um pouco mais de olhar sobre a história.


PLAYBOY  A novela não foi um marco?


WALCYR  É um marco. Foi um sucesso extraordinário. Mas outras novelas também foram marcos da teledramaturgia, como Vale Tudo [1988]. A gente não pode falar: "Ah, essa novela foi um divisor de águas!" Não! O grande divisor de águas da dramaturgia se chama Beto Rockfeller [1968], escrita por Bráulio Pedroso, da extinta TV Tupi. Até então as novelas eram todas extremamente "mexicanizadas", com tramas muito fora da realidade. Mas não quero discutir o trabalho do João Emanuel Carneiro. Não é para isso que a gente está aqui. Vocês me colocam em uma situação difícil. Fica indelicado fazer qualquer critica. Mesmo o que eu disse pode parecer indelicado.


PLAYBOY  Muita gente se aproxima de você de olho em um papel na novela?


WALCYR  Muitíssima. Há gente de dois tipos. Tem o profissional com uma carreira que pede um papel em função disso. E tem aquele que nunca fez nada, não tem a menor ideia do que é o trabalho, mas quer uma chance. Há quem ache que a chance é um milagre, e não fruto de estudo. Sem querer criticar, a imprensa contribui para construir esses mitos. Existem muitas histórias do tipo: "A pessoa estava andando na rua e foi descoberta". Isso pode acontecer, mas em geral não é assim. Em geral ela já faz teatro ou algo na área e é vista pelos produtores de elenco. Mas a trajetória é sempre contada de forma romanceada, e aí pensam: "Mas eu também poderia". Às vezes dá até pena porque recebo cartas com foto 3x4, aquela letra...


PLAYBOY  Acontece de um profissional consolidado em outra área lhe confessar que queria mesmo é trabalhar na televisão?


WALCYR  Muito. Certa vez eu estava na médica e, de repente, ela tirou o book e me mostrou as fotos. A pessoa mais inesperada chega para mim e fala: "Olha, tenho uma surpresa!" Como se estivesse me entregando o ouro! E diz: "Ai, resolvi ser atriz!" Meu Deus do céu, como é que vou responder? Olho para aquela mulher de 45, 50 anos e penso que ela não tem tempo para lutar, para começar. Seria ótimo se ela montasse um grupo de teatro amador e fosse se divertir, mas o que deseja é ser famosa. O sonho da celebridade é muito forte. Nos Estados Unidos, um estudo descobriu que alguns serial killers cometem os assassinatos para ser descobertos e ficar famosos.


PLAYBOY  Por que as pessoas querem ficar famosas?


WALCYR  Porque gostam de se sentir especiais, ser paparicadas. Também existe um desejo de dinheiro rápido. Vende-se a imagem de uma vida de luxo, de que o sujeito vai ser convidado para o camarote vip. Mas a verdade é que a grande estrela da televisão muitas vezes tem de acordar às 5 da madrugada para estar às 7 no estúdio. Às 9, ela precisa estar linda, maquiada, dizendo "Eu te amo". Acontece de essa atriz, por uma eventualidade, sair do estúdio perto da meia-noite. É uma vida difícil. Por isso, quando se dá conta da dificuldade que é manter-se no topo, muita gente abandona a carreira.


PLAYBOY  Existe a figura que tenta seduzir você, sexualmente falando, para conseguir trabalho?


WALCYR  Acontece com frequência. Algumas atrizes não as famosas fazem isso. Mandam um recado assim: "Oi. Tudo bem? Vamos nos encontrar? Queria que você visse como estou fisicamente". Existe isso, sim. Agora, teste do sofá não rola, não tem. Você vai pagar o mico de se expor, colocando no ar, aos olhos de 100 milhões de pessoas, alguém que mal sabe falar? Se alguém se expõe a isso é porque está louco.


Algumas atrizes mandam um recado assim: 'Vamos nos encontrar? Queria que você visse como estou fisicamente'. Agora, teste do sofá não rola, não existe

PLAYBOY  Como se dá essa abordagem, virtual ou pessoalmente?


WALCYR  Às vezes a atriz já te conhece e joga essa. Mas não uso as mídias sociais para relações profissionais e não levo essas abordagens adiante. Se me mandam um vídeo, digo: "Não vejo, a não ser que seja enviado pelo departamento de elenco da TV Globo". Se me enviam fotos, não abro. Tem também a pessoa que me escreve dizendo que gostaria de ser minha amiga. Se for ator ou atriz, imediatamente não aceito.


PLAYBOY  E se for uma médica que sonha em ser atriz?


WALCYR  Não sei, depende de uma conversa que possa existir. Sou espiritualista. Se alguém puxar uma conversa espiritualista, principalmente se a pessoa for da Ordem Rosacruz, Amorc, tendo a querer conversar com ela. Mas, se for da Rosacruz e também ator, não converso.


PLAYBOY  Você pertence à Rosacruz faz 30 anos. Como funciona a organização?


WALCYR  É uma ordem iniciática para pessoas de qualquer religião. Toda semana você estuda um texto e faz exercícios de crescimento espiritual. Você pode ser da Rosacruz a vida inteira sem jamais ir a um templo, que chamamos de lojas. Pertenço à loja da Vila Mariana [bairro da Zona Sul], aqui em São Paulo. Mas vou pouco, até por causa das novelas.


PLAYBOY  Como começou sua conexão com a espiritualidade?


WALCYR  Sempre fui místico. É uma coisa minha, porque meu pai não tinha religião e minha mãe também não era ligada nisso. Mas eu tinha um tio, o Nicolau, que era da Rosacruz e me emprestava uns livros. Sempre tive interesse pelo sobrenatural, sempre acreditei em reencarnação.


PLAYBOY  Aconteceu algo na sua vida que despertou essa crença?


WALCYR  Não. Mas aconteceram várias situações que me deram a certeza de que existe algo a mais.


PLAYBOY  Por exemplo?


WALCYR  Não devemos falar essas coisas. Quem fala e exibe aquilo que aconteceu está querendo fazer propaganda e alarde em torno de algo que não deve ser motivo disso. Por meio da meditação já tive flashes de outras encarnações que vivi. Não vou dizer corno foram. Mas o livro que acabo de lançar, Juntos para Sempre, é uma história real. Viajei para a África, dormi durante o voo e sonhei com o livro inteiro. Depois pesquisei e vi que alguns dados históricos batiam. Aí resolvi escrever. Há situações na vida em que encontramos uma pessoa que achamos que sempre conhecemos porque temos por ela um sentimento de proteção. Há outras que encontramos e temos uma reação negativa sem nunca tê-las visto. Vou contar uma situação que vivi e que me dá a certeza de que existe uma coisa maior.


PLAYBOY  Vamos lá.


WALCYR  Quando eu tinha uns 30 e poucos anos, estava na Rodovia Anhanguera, a caminho de São Paulo. Nessa época, eu tinha uma Brasília. Estava chovendo, e eu, correndo muito. Uma hora o carro derrapou e se desgovernou completamente. Tentei segurar o volante, mas vi que não ia conseguir. Aí o soltei e disse: "Deus, é com você". Eu estava pleno de aceitação. É um segundo em que você pensa sobre tudo. Sabia que podia morrer. O carro bateu na mureta, rodopiou e parou voltado para o lado oposto da pista. Liguei o carro, fui para o acostamento e olhei a batida. Era do tamanho de uma caixa de fósforos. A batida foi só para o carro parar. Esse é um momento no qual se sente, muito fortemente, a presença de Deus.


PLAYBOY  Você acredita em vida fora da Terra?


WALCYR  Totalmente. Acho muito difícil acreditar que estamos sozinhos no universo. Mas existe uma questão complicada que é o tempo de viagem entre um planeta e outro. Será que é possível superar a velocidade da luz? Comenta-se que os extraterrestres vieram à Terra, mas acho difícil essas expedições serem tão contínuas como se fala porque existe a questão da velocidade da luz. Embora possamos pensar que, em outro planeta, o tempo de existência de um ser seja tão comprido que ele possa dedicar dez anos a uma viagem como nós dedicamos dois dias. De todo modo, acho que o universo foi construído para cada um ficar no seu lugar.


PLAYBOY  Você já teve alguma mostra de vida extraterrestre?


WALCYR  Não. O que tive foram outros tipos de sensações. Por exemplo: havia uma pessoa com quem eu queria entrar em contato. Sentia que deveria conversar com ela e resolver uma história. Um dia falei: "Não adianta mais". Não deu outra: 15 dias depois soube que ela tinha morrido.


PLAYBOY  Você é paranormal?


WALCYR  Tenho a sensação de que algum indivíduos morreram. Sem nenhum contato. Quando minha mãe morreu, dias depois acordei e a vi nitidamente ao lado da minha cama, como se ela estivesse se despedindo. Tem um momento em que o espírito fica perto. Depois ele vai para longe.


PLAYBOY  Você não tem medo?


WALCYR  Por que eu teria? Era minha mãe...


PLAYBOY  Não dela, mas do sobrenatural.


WALCYR  Pelo contrário, eu gosto. Isso faz a gente conviver com outras energias. Acredito muito em energia. Uma vez, quis reformar minha casa. Eu tinha uma planta comigo - ninguém-pode. Uma mãe e um filho vieram aqui discutir a reforma, e a planta secou. Secou completamente. Em vez de dar atenção a esse sinal, dei o trabalho para eles. E nunca fui tão roubado.


PLAYBOY  Quando você escreve uma novela com temática espiritual, como Alma Gêmea, sente que as vibrações ficam mais intensas?


WALCYR  Não, porque esse é um trabalho contínuo para mim. Quando eu tinha uns 16 anos, costumava ler as mãos das pessoas. Depois aprendi a ler tarô. E houve uma época em que estava sem emprego e me dediquei a ler tarô profissionalmente. Até hoje há pessoas que me falam: "Lembra o que você me falou há muitos anos? Pois aconteceu!"


PLAYBOY  Então você era bom.


WALCYR  Ainda sou. Aqui em casa as pessoas morrem de medo. Minha empregada está grávida. Eu não lembro, mas ela diz que eu anunciei a gravidez quatro meses antes. Eu teria dito "Você vai ficar grávida" e descido pelo elevador.


PLAYBOY  Ou ela pensou: "Já que o patrão liberou, vamos lá"?


WALCYR  [Risos.] Ela tinha um namorado, não era nem casada. A premonição existe na minha vida. Às vezes falo uma coisa e não dá outra.


PLAYBOY  Você poderia ler as mãos do nosso repórter [pergunta a jornalista Adriana Negreiros]?


WALCYR  Posso, sim. [O repórter Nathan Fernandes senta-se ao lado de Walcyr e estende as mãos. O escritor passa 18 segundos em silêncio contemplando as mãos do jornalista.] Seu nascimento foi complicado. Sua mãe teve dificuldades durante a gravidez, e isso pode ter perturbado a sua saúde. Entretanto, hoje você é bem mais forte do que a sua constituição indicaria. Você tem propensão a pequenas doenças. A médio prazo, você tem uma tendência a usar algum tipo de droga com uma frequência que não é tão boa para sua saúde. Sua cabeça é tortuosa. E você pode ter dois filhos, com chances de um terceiro, cuja gravidez não termina. E aí, o que achou?


Sua cabeça é tortuosa. Você pode ter dois filhos, com chances de um terceiro, cuja gravidez não termina [diz Walcyr ao ler a mão do repórter de PLAYBOY].

PLAYBOY  Algumas coisas fazem sentido. Minha mãe era adolescente quando nasci. Já quanto aos filhos, não sei, porque tenho um namorado...


WALCYR  Aguarde! Minha novela vai tratar exatamente disso.


PLAYBOY  Isso diz respeito ao casal que será interpretado por Thiago Fragoso e Marcello Antony?


WALCYR  Sim, eles vão querer ter um filho via inseminação artificial. Vou mostrar a construção de um novo tipo de família que já existe em quantidade no Brasil.


PLAYBOY  Teremos enfim um beijo gay na tela da Globo?


WALCYR  A novela vai mostrar a afetividade gay, mas a Globo está avaliando a questão do beijo gay. Eu não sei se haverá. A emissora agirá em função dos parâmetros da sociedade. Se você encontrar um casal gay se beijando em um restaurante comum, a sociedade está aceitando o fato. Mas isso ainda não acontece, embora a lei permita. O movimento gay cobra uma postura da TV Globo de ir à frente, mas ela não vai tão à frente do que a sociedade vive.


Não sei se haverá beijo gay na novela. O movimento gay cobra uma postura da TV Globo de ir à frente, mas ela não vai tão a frente do que a sociedade vive

PLAYBOY  Você mantém uma postura muito reservada em relação à sua intimidade. Por quê?


WALCYR  Não falo absolutamente nada sobre a minha intimidade, mesmo porque sou sozinho e não tenho sobre que o falar falar sobre a intimidade e estimular um desejo dos outros de querer saber da vida alheia, um desejo carniceiro. Mesmo aquela atriz e aquele ator que acabaram de se casar, passam a lua de mel em um lugar que foi oferecido por uma revista e fazem fotos dos momentos íntimos, não acho legal.


PLAYBOY  Agora uma pergunta muito íntima. Sinta-se à vontade para responder ou não.


WALCYR  O.k.


PLAYBOY  Você é bissexuaI?


WALCYR  Prefiro não responde...


PLAYBOY  Tudo bem.


WALCYR  Ah, acho melhor responder porque a maioria das pessoas sabe. Sim, sou bissexual. Acho que todo mundo é. Muita gente é e não sabe. Posso dizer que sempre provoquei grandes paixões. Mesmo hoje, aos 61 anos, sou continuamente pedido em casamento.

PLAYBOY  E você nunca aceitou nenhum dos pedidos?


WALCYR  Isso já é outra questão...


PLAYBOY  Vamos a uma pergunta clássica de PLAYBOY: como foi sua primeira a vez?


WALCYR  Eu estava numa festa na casa do professor de pilates Raul Rachou, que é meu amigo até hoje. Ela ficava no Alto de Pinheiros [Zona Oeste de São Paulo]. Fiquei muito bêbado porque queria uma namorada. Comecei a falar palavrões e coisas horríveis para as moças. Aí uma mulher me agarrou, começou a me beijar e dormimos juntos. Ela tinha 26 anos e já era separada do marido. Para mim, que tinha 17, era uma velha! [Risos.] A moça tinha sido musa de uma música famosa e, por causa disso, sempre aparecia na televisão. Era dona de olhos muito bonitos.


PLAYBOY  Opa! Helô Pinheiro, a Garota de Ipanema?


WALCYR  Não. Estou falando de uma mulher muito legal e descolada. Ela era rica, de família herdeira. Tinha um prédio inteiro e usava um dos apartamentos para a gente transar. O relacionamento começou a acabar porque tenho muita necessidade de liberdade pessoal. Eu tinha 17 anos, era de uma família de classe média baixa, estava tentando entrar na faculdade, e aquela mulher todo dia me levava para jantar fora. Era linda, frequentava os restaurantes do pessoal do teatro, andava de táxi para cima e para baixo. Eu ia ficar dependente. Era divertido, mas não era de igual para igual. Aí acabou. Ela ameaçou se jogar do viaduto, foi uma coisa.


PLAYBOY  Foi então uma história de amor?


WALCYR  Sim. Meu pai brigava muito por causa do relacionamento. Ela tinha sido interrogada por envolvimento com a esquerda, e aquela era uma época de muita tensão.


PLAYBOY  Walcyr, por favor, revele a identidade da moça.


WALCYR  Ah, tudo bem. Era Ana Maria. Ela inspirou a música Por Quem Sonha Ana Maria, do [compositor] Juca Chaves Foi o primeiro grande relacionamento da minha vida.


PLAYBOY  Já aconteceu de você trabalhar com um ator e falar: "Com este, nunca mais"?


WALCYR  Nunca. O que me perturba no trabalho de um ator é se ele começa a inventar texto. Aí falo: "Não vai dar". Alguns atores se sentem muito à vontade para fazer isso e é muito ruim porque a novela perde o ritmo. E já aconteceu a seguinte situação, havia uma atriz que deveria odiar o vilão da novela. Mas, na vida real, ela começou a namorar o ator. Então ela tinha de dizer "Eu te odeio", mas dizia "Ai, eu te odeeeioo mostrando os peitos, toda sensual. [Risos.] Ela me forçou a criar uma relação de amor entre os personagens porque estava desesperada de amor em cena.


PLAYBOY  Nesses anos todos de televisão, você viu muita gente que começou humilde e pouco depois já estava "se achando"?


WALCYR  Vejo isso com frequência. Você pega um menina que acabou de chegar do interior de São Paulo. Ela tem uma vidinha estreita, de classe média baixa. Aí ela passa em um teste e se torna atriz de novela. Dois meses depois o Brasil inteiro está falando dela. Ela faz uma visita à cidade onde nasceu, e todo mundo quer cumprimentá-la, botá-la no colo. Aquela tia que não falava com a menina porque a achava galinha agora a trata como rainha. De repente, começa a entrar dinheiro e a moça começa a ser convidada para tudo. Passa a ganhar roupa. Inicia-se uma vida de mordomias e tudo muito rápido. A pessoa pira. Pira mesmo, a ponto de ficar de cara feia para todo mundo. Mas, no meu caso, como sou autor, é raríssimo que me tratem mal.


PLAYBOY  Mas acontece?


WALCYR  Já aconteceu de a pessoa não me reconhecer e me tratar muito friamente. Tento ser educado. Se eu encontro uma pessoa que trabalha na mesma emissora que eu, chego e falo: "Oi. Tudo bem?" Às vezes o ator responde e já vai saindo, como se eu fosse um fã pedindo autógrafo.


PLAYBOY  Você põe o nome da pessoa na sua listinha negra?


WALCYR  Não faço listinha nenhuma. Mas digo: "Eu sou o Walcyr Carrasco". Daí a pessoa muda imediatamente: "Aaaai! Adooooro o que você faz!" [Risos.]


PLAYBOY  Tem como não pirar com a fama?


WALCYR  Bom, eu comecei a ficar famoso depois de muito tempo de estrada como jornalista. E, assim como eu, outros que tiveram uma longa estrada não piram. Mas o que é preciso entender é o momento da pessoa. Outro dia eu estava no aeroporto, falando ao celular. Uma mulher perguntou: "Posso tirar uma foto?". Pedi a ela que esperasse eu terminar a ligação. Ela ficou brava e saiu xingando. Em compensação, outro dia eu estava no avião e o [ator] Caio Castro, que vai fazer a minha novela, estava do meu lado. Não o conhecia pessoalmente. Ele devia estar muito cansado, dormiu o voo inteiro, claro que eu não ia puxar conversa. Quando ele acordou, aí me apresentei.


PLAYBOY  Você foi um jornalista com passagem por veículos como VEJA, O Estado de S. Paulo, VIP e CONTIGO!. Onde foi seu primeiro emprego?


WALCYR  Foi um estágio no jornal A Gazeta Esportiva. Eu nunca fui ligado em esportes. Os caras acharam que eu tinha jeito para a coisa e me mandaram cobrir um jogo de futebol. Só que eu nunca tinha visto uma partida. Bom, deu o segundo tempo, os times mudaram de lado no campo. Não entendi nada e pensei: "Meu Deus, o que vou fazer?" O time ganhou de uns 9 a zero, e ficou mais fácil... Minha matéria foi publicada na íntegra. Acho que foi a minha primeira obra de ficção [risos].


No meu primeiro emprego, no A Gazeta Esportiva, me mandaram cobrir um jogo de futebol. Os times mudaram de campo no intervalo, e eu não entendi nada

PLAYBOY  Como o jornalista virou o autor de novela?


WALCYR  Eu alternava o trabalho na redação com o teatro. Escrevia uma peça, passava um ano vivendo assim, depois acabava o dinheiro e eu voltava para a redação. Até que o pessoal da [extinta] TV Manchete me chamou para escrever a novela Xica da Silva [1996].


PLAYBOY  Aí tem uma história curiosa. Nessa época, meados dos anos 1990, você trabalhava no SBT, certo?


WALCYR  Sim, como assessor do Silvio Santos. Ficou aquela situação. O SBT não queria romper meu contrato, e eu não tive dúvida: fiz Xica da Silva sob o pseudônimo de Adamo Angel. E o Silvio descobriu.


PLAYBOY  Como?


WALCYR  Acho que alguém falou para ele. Por maior que fosse o segredo, era uma empresa. Tinha um superesquema na hora de entregar o texto, mas fui pego. E o Silvio Santos é um gênio. Ele falou: "Walcyr, você pode até terminar Xica da Silva, mas agora vai ter de escrever uma novela para mim". Respondi: "Então dobra o meu salário". Ele topou, e eu escrevi Fascinação [1998].


PLAYBOY  Como você foi parar na TV Globo?


WALCYR  O Walter Avancini, que tinha dirigido Xica da Silva, foi para lá e me convidou para fazer O Cravo e a Rosa [2000].


PLAYBOY  Você faria outra novela no SBT?


WALCYR  Claro! Bom, tenho contrato com a Globo, não poderia fazer. Mas o Silvio sempre me tratou muito bem. Gostaria de ser amigo pessoal dele, como já fui. Mudei de emissora, e acabamos nos distanciando.


PLAYBOY  Você está lançando um livro e uma novela. Não é loucura?


WALCYR  É, mas gosto de fazer muitas coisas ao mesmo tempo, curso de culinária, pintar, fazer reformas. Vivemos uma era em que o ser humano tende a ser especializado e acho que devemos exercitar vários talentos. Ser mais renascentistas e menos tecnicistas. Se quer alguém para um trabalho, vá no que está mais ocupado. Ele vai dar um jeito.


PLAYBOY  Você é workaholic?


WALCYR  Dizem... Além da novela, faço coisas como cozinhar. Penso em pegar o livro de receitas da Dona Benta e fazer boa parte delas. No ano passado tirei diploma de sushiman profissional. Aprendi a abrir peixe, tirar as espinhas, fazer o filé. Eu teria dado um ótimo peixeiro!


PLAYBOY  Pelo menos você pode oferecer ótimos jantares.


WALCYR  Não faço todo dia, mas com frequência. Minha comida japonesa é diferenciada. Faço nove pratos. Com muito medo, fiz um jantar desses para o [arquiteto e designer gráfico] Ricardo Ohtake [diretor-geral do Instituto Tomie Ohtake, em São Paulo]. Eu só pensava: "Meu Deus, vou fazer comida japonesa para um japonês!" E ele adorou.


PLAYBOY  Se escrever novela não der mais pé, você já tem outra profissão?


WALCYR  Sabe que, quando terminei o curso, apareceu uma vaga?!? Muitos donos de restaurante vão ao curso procurar recém-formados para trabalhar. O salário era de 1.500 reais para trabalhar como assistente de sushiman. Pensei: "Poxa, já poderia viver disso!" [Risos.]


PLAYBOY  Escritores de novela ganham tão bem quanto se diz?


WALCYR  Se você comparar com o exterior, talvez não. Eu tenho uma vida confortável, mas não usufruo dela o tempo todo. A vida do autor é muito menos glamourosa do que se pensa. Temos de viver bem porque trabalhamos em casa. Mas quase não saímos. Não sei nem quais são os restaurantes que estão abrindo.


PLAYBOY  Tom Jobim dizia que, no Brasil, sucesso é uma ofensa. Concorda?


WALCYR  É uma frase verdadeira. O americano faz apologia de quem faz sucesso. O brasileiro parece sentir raiva. Mas isso vale para os brasileiros, não para o que vem de fora. Um blockbuster americano é recebido como filme de arte, e o nacional é maltratado, pouco tem espaço na mídia.


PLAYBOY  Você sente que é alvo de inveja?


WALCYR  Expressam isso. Pessoas próximas me encontram e dizem: "Nossa! Como você engordou!" É muito frequente que essa seja a primeira coisa que me digam. Ou então você começa a falar sobre a novela e o indivíduo comenta: "Não vejo novela". Se a pessoa está com você, devia ao menos disfarçar.


PLAYBOY  Quantas capas de PLAYBOY sua novela vai render?


WALCYR  A Paola Oliveira seria excelente, Fantástica. Tem também a Danielle Winits e a Susana Vieira. A Susana anda batendo um boião. Não me admiraria vê-la na capa de PLAYBOY porque ela tem um corpaço.


PLAYBOY  Ficamos acertados que você nos dá uma força para que elas aceitem nosso convite?


WALCYR  Nessa eu não me meto!


POR ADRIANA NEGREIROS E NATHAN FERNANDES

FOTOS MARCELO SPATAFORA



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